Carlos Macedo, bd
volta à eliteNovo HamburgoPalmeirasAmérica-MG
Causa e consequência, a troca de comando também marcou o ano. O técnico Antônio Carlos Zago foi demitido em 2 de maio, após a derrota para o Paysandu — a primeira na Segunda Divisão. Seu substituto, Guto Ferreira, foi desligado do Inter em 11 de novembro. Em seu lugar, o Inter apostou no auxiliar Odair Hellmann, que foi efetivado e é a esperança para 2018.
"Outras investidas aleatórias mostram um ensinamento antigo e muitas vezes ignorado: se é para contratar como quem sai desesperado às vésperas do Natal, melhor dar atenção para a gurizada da base"
Quando 2017 começou, os colorados tinham dois anseios bem evidentes. O maior deles, e o será para sempre, é que a galáxia executasse um duplo twist carpado ao contrário e voltasse ao ponto a partir do qual nunca deveria ter avançado: maio de 2015, com o Inter classificado às semifinais da Libertadores. Como a cada manhã percebíamos que este desejo insistia em não se tornar realidade, passamos a querer ao menos que, após encaminhar o acesso, o time usasse a Série B como laboratório para retornar à elite na ponta dos cascos. Alguns exemplos serviam de motivação, como Corinthians e River Plate, outros gigantes que voltaram ganhando tudo.
Também está longe de acontecer, aparentemente. Prova disso é que o Inter acabou a competição sem treinador efetivo — Odair Hellmann foi confirmado apenas após o último jogo. Em termos de evolução de desempenho, é como se o ano não tivesse existido. As boas notícias ficaram restritas a nomes específicos: Victor Cuesta, Edenilson e William Pottker mostraram que podem ser muito úteis para a retomada, por exemplo. Além de D'Alessandro, peça sempre essencial do ponto de vista técnico e, principalmente, espiritual: impossível não pensar que tudo seria diferente caso ele não tivesse sido enviado para um exílio porteño. Outras investidas aleatórias mostram, além da precariedade do grupo formado, um ensinamento antigo e muitas vezes ignorado: se é para contratar como quem sai desesperado às vésperas do Natal, melhor dar atenção para a gurizada da base.
Se no campo as coisas andaram meio a reboque, uma grande herança deste período de mortes e renascimentos figurados para a nação colorada vem da arquibancada. Em 2017, houve uma reaproximação valiosa entre o clube e torcedores de todas as procedências. Primeiro, pelo instinto de cada colorado de pegar sua camisa, rumar ao Gigante e abraçar o clube para trazê-lo de volta à Primeira Divisão da forma que fosse, mas também porque as esferas diretivas parecem finalmente ter percebido a importância de respeitar as origens do Inter.
Em termos simbólicos, o insípido, insosso e inodoro slogan Campeão de Tudo deu lugar ao poderoso, histórico e aconchegante Clube do Povo, que faz os colorados lembrarem do que é feita a instituição que escolheram. Ingressos a preços acessíveis e modalidades de associação popular foram a senha para que torcedores das mais diversas condições financeiras voltassem em peso ao estádio. No atual cenário que tanto exige da torcida, a união ente o clube e seu povo, o resgate do coloradismo ancestral, é o maior legado da temporada que jamais gostaríamos de ter vivido. Na miséria ou na glória, a torcida sempre esteve esperando: era o Inter quem precisava voltar para casa.
"E aí está o melhor que 2017 relegou ao Inter: no silêncio daquele minuto eterno, a semente de uma maldição igualmente terrível foi plantada nos destinos do Grêmio"
Algo sorriu nas profundezas da alma colorada no momento em que eclodiram as primeiras imagens dos jogadores gremistas celebrando o tri da América no vestiário do estádio Nestor Díaz Perez, em Lanús. As medalhas ainda balançavam sobre as camisetas celestes e a excitação com a jornada vindoura para o Mundial era nada menos que ofuscante — de fato, assistir aos vídeos era tão desconfortável quanto olhar direto para um eclipse solar. Lá estava o Grêmio eclipsando um continente inteiro, com o corpo dos jogadores e o espírito do presidente, do vice e do roupeiro, de torcedores velhos e novos, vivos e póstumos, todos eles exigindo um minuto de silêncio — shhh! — para nós, colorados, que estávamos mortos. E a verdade é que nós estávamos, mesmo.
Até aquele momento.
Àquela altura, o Inter havia atravessado o deserto da Série B sem grandes lições para contar. Afinal, a Segundona não foi tão trágica assim — foi apenas chata. De maio a dezembro, o Inter jogou com espírito moribundo, engajado a contragosto na missão de voltar a sua divisão de origem. Não sofreu nem aplicou goleadas marcantes. Não promoveu reformulações drásticas ou simbólicas. Não relevou fenômenos da bola nas categorias de base e tampouco conquistou o título da Série B. Entediante, enfim. E tudo indicava que o Inter sairia de 2017 do mesmo jeito que entrara: desacordado.
Então veio o Grêmio, o tri da América, o minuto de silêncio, a catarse coletiva de Luan tripudiando Sasha e todas as outras homenagens acidentais. Para os colorados mais calejados, aquilo foi muito mais do que uma atrocidade moral. Foi também o chamado que faltava para despertar. Um chamado que todos nós, colorados, havíamos esperado — em vão — no decorrer de toda a Série B.
Na mitologia da rivalidade Gre-Nal, toda grande conquista carrega em seu âmago a semente de uma maldição. E o Grêmio, desta vez, foi muito além da conquista. Montou um time avassalador, atropelou adversários sem dó, deu show. No momento de maior glória, porém, preferiu invocar o Inter e seus jogadores. E aí está o melhor que 2017 relegou ao Inter: no silêncio daquele minuto eterno, a semente de uma maldição igualmente terrível foi plantada nos destinos do Grêmio.
Um dia, os gremistas é que franzirão o cenho para encarar novamente as imagens de um vestiário incendiado, com medalhas balançando na frente de peitos alvirrubros e provocações baratas eternizadas nas redes da história. Nós, colorados, não temos a menor ideia de quando isso acontecerá. Mas agora sabemos que esse dia virá. Simplesmente sabemos.
Douglas Ceconello
jornalista
Andreas Müller
jornalista