Ronaldo Bernardi, bd
"A solução passa por compreender que a violência é sistêmica, envolve questões econômicas, culturais e institucionais"
Porto Alegre se tornou uma das cidades mais perigosas do mundo. As taxas criminais dispararam nos últimos cinco anos e os presídios superlotados estão sob comando interno de facções. Como isso aconteceu? E o que fazemos agora?
A Capital não integra nenhuma rota internacional importante, tampouco o consumo de substâncias ilícitas cresceu na cidade ao ponto de justificar os novos patamares delitivos. O que vivemos é uma disputa feroz pelo varejo das drogas. No final dos anos 90, tínhamos três grupos rivais. Hoje, o número dobrou. Concorrência local agora costurada a um páreo nacional entre facções de Rio e São Paulo.
Um quadro fruto, em parte, de um poder público que abdicou há décadas das periferias das cidades. Nessas regiões, o Estado está representado, na maioria das vezes, por escolas sem estrutura, praças mal iluminadas e postos de saúde ineficientes. Associada aos baixos salários e efetivos reduzidos, uma política de polícia de combate — e não de proximidade — afastou ainda mais o poder público dessas comunidades. Enquanto isso, as organizações criminosas permaneceram nestes locais impondo suas regras. E agora elas cresceram.
Neste cenário, o combate efetivo ao crime organizado passa por três dimensões: (a) repressão policial qualificada, com ampliação dos departamentos especializados de investigação, articulados a estratégias nacionais; (b) retomada do controle das cadeias pelo Estado; e (c) políticas sociais de inclusão de médio e longos prazos. As ações devem integrar um plano nacional de segurança cidadã. A União precisa tomar a frente com medidas para além do envio de tropas do Exército ou da Força Nacional.
A questão hoje é que se prende muito, mas, em geral, se prende mal. As facções se fortalecem com a superlotação prisional, impulsionada pelo encarceramento de pequenos traficantes. A repressão qualificada passa, por isso, por investigar também quem está no asfalto, os elos dessas redes com o mundo legal. No combate ao crime organizado, é necessário seguir o caminho do dinheiro.
A solução passa por compreender que a violência é sistêmica, envolve questões econômicas, culturais e institucionais. As assimetrias sociais, as renúncias do Estado e a corrupção endêmica, associadas a um mercado consumidor consolidado, servem de esteio para as organizações criminosas. Enquanto o problema for tratado apenas como questão de polícia, continuaremos vivendo em cidades inseguras.
"A tarefa deve ser a ocupação do território pelo Estado via policiamento ostensivo, comunitário e permanente"
O tráfico de drogas constitui, na atualidade, a principal matriz da violência na sociedade brasileira. A trajetória ascendente dos homicídios nas últimas décadas está em boa medida relacionada à consolidação e expansão do mercado das drogas ilícitas. O cometimento de homicídios tende a se manifestar como recurso de resolução de conflitos e de afirmação de poder nesse tipo de mercado ilegal. É preciso reconhecer que o tráfico de drogas, mais do que produto da pobreza, tornou-se elemento perpetuador da pobreza. As facções criminosas são a face mais visível desse fenômeno, impondo-se como poderes paralelos nos territórios socialmente vulneráveis onde atuam.
Há uma conexão inegável entre a violência nas ruas e o que acontece no interior das prisões. As facções criminosas que comandam o tráfico de drogas são oriundas do sistema prisional. As péssimas condições de custódia a que está submetida grande parte dos presos no país fomentam a aglutinação dos mesmos em grupos de irmandade que garantem proteção e provisão de recursos diversos. E o que num primeiro momento viceja dentro da prisão com o tempo espraia-se para fora da prisão.
Nesse sentido, o enfrentamento das facções criminosas passa necessariamente pelo enfraquecimento do seu domínio no interior do sistema prisional. E para tanto é preciso melhorar a qualidade da gestão das prisões, diminuindo a superlotação, ampliando a oferta dos serviços assistenciais e reduzindo a ociosidade dos custodiados. Sem se esquecer, obviamente, da valorização profissional do agente penitenciário.
Paralelamente, deve-se objetivar a retomada dos territórios dominados pelas facções. Isso não significa o enfrentamento armado com os traficantes e nem mesmo o aprisionamento intensivo de jovens envolvidos com esse crime. São medidas ineficazes. A tarefa deve ser a ocupação do território pelo Estado via policiamento ostensivo, comunitário e permanente. Além disso, as instituições judiciais devem se fazer mais presentes na vida dos moradores locais, facilitando a mediação de conflitos diversos do cotidiano. E, para completar, é imprescindível a implementação de projetos de prevenção social focados nos adolescentes. Deve-se reduzir o recrutamento desses jovens pelo tráfico de drogas mediante ações sociais que promovam a inclusão deles pelo esporte, pela cultura e pela geração de renda. É difícil, mas tem jeito!
Francisco Amorim
jornalista, mestre e doutorando em Sociologia. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania da UFRGS
Luis Flavio Sapori
doutor em sociologia, professor da PUC Minas e especialista em segurança pública