Divulgação/Polícia Federal
gravou uma conversaAécio Nevesafastado temporariamente do SenadoLuiz Inácio Lula da SilvaGeddel Vieira Limafim o mandato de Rodrigo Janot trocou o comando da PF:
"Avançamos na punição dos crimes, mas não no combate à corrupção"
O ano de 2017 deixa como legado a punição de casos de corrupção. Foi um ano de muitas prisões e condenações, que quebram aquela ideia de que no Brasil rico não vai para a cadeia. Um fato emblemático foi a condenação de Paulo Maluf em um processo que vem da época em que ele foi prefeito de São Paulo. Essa era uma condenação aguardada há pelo menos três décadas.
Mas 2017 foi basicamente isso, ações policiais, condenações e prisões. Avançamos na punição dos crimes, mas não no combate à corrupção. Ficou no pragmático. O que aconteceu foi a posteriori, após o ocorrido. O que está faltando é a discussão de projetos de controle do dinheiro público. Nesse sentido, aconteceu muito pouco. É nesses procedimentos que temos de pensar, porque não podemos ter uma Operação Lava-Jato permanente. Agir depois do ocorrido não acaba com a corrupção e traz problemas seríssimos, como a dificuldade de restituição dos recursos. A Lava-Jato diz que foram restituídos R$ 750 milhões aos cofres públicos, mais isso é apenas 7,5% dos R$ 10 bilhões desviados. É louvável, mas falta o controle.
Felizmente, houve algumas boas iniciativas nessa área, que no futuro podem se revelar legados importantes de 2017. A mais interessante delas é o projeto de big data do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Quando olhamos o processo da Petrobras, por exemplo, verificamos que os desvios ocorreram na fase de licitação. Foi aí que se deu a formação do cartel das empreiteiras. Como se limita isso? O Cade está desenvolvendo um programa computadorizado sofisticado que, alimentado de informações, poderia identificar fraudes nas licitações e formações de cartéis. Se isso for efetivamente implantado, será fantástico.
Além disso, o governo federal deu continuidade à expulsão de servidores envolvidos em casos de corrupção. Em 2017, foram expulsos 431. Outros dados positivos são a chamada lei do lobby, que avançou muito e busca dar transparência ao trabalho dos lobistas que atuam dentro do Congresso, e a retomada da discussão sobre o fim do foro privilegiado, talvez até em decorrência do caso envolvendo o presidente Michel Temer e Joesley Batista. Atualmente, 55 mil servidores são beneficiados pelo foro privilegiado. É muita gente.
Então podemos dizer que algumas coisas estão acontecendo, mas ainda é muito pouco.
No ano que vem, vamos descobrir o impacto disso tudo no eleitor. São tantos os escândalos que há uma reação de apatia, de reducionismo: a ideia de que todos os que estão aí são iguais e não têm nenhuma contribuição a dar. É algo perigoso, que pode levar à eleição de candidatos dos extremos em 2018.
"Quantas escolas, quantos centros de saúde, quantos profissionais dessas áreas não conseguiriam ter condigna remuneração, pela missão relevante que lhes é confiada e realizam, não fosse o escoadouro brutal e incessante da corrupção?"
O Brasil, sem dúvida, vem, já de algum tempo, evoluindo bem no sentido de acentuar que o Direito Penal não só deve recair sobre "pretos, pobres e prostitutas", mas alcançar, sem discriminações, quem quer que agrida a paz social, mormente corruptores e corruptos, pois que seus comportamentos são gravíssimos pelo comprometimento que ocasionam à efetividade de políticas públicas, principalmente voltadas à educação e à saúde. Quantas escolas, quantos centros de saúde, quantos profissionais dessas áreas não conseguiriam ter condigna remuneração, pela missão relevante que lhes é confiada e realizam, não fosse o escoadouro brutal e incessante da corrupção?
Credite-se essa evolução à atuação constitucionalmente independente dos membros do Ministério Público, à profissionalização dos serviços policiais e aos comportamentos de magistrados que, longe de se apresentarem como burocratas, assumem, com firmeza e sensatez, a missão de realizar a decisão judicial também como afirmação pedagógica de restauração dos valores maiores de honestidade, compromisso com o bem comum e seriedade.
É instante de trazermos para esse texto palavras tão exatas do papa Francisco sobre os traços identificadores da corrupção. Diz Francisco: "Unido a esse ser medida de juízo há outro traço. Toda corrupção cresce e, ao mesmo tempo, se expressa em atmosfera de triunfalismo. O triunfalismo é o caldo de cultura ideal de atitudes corruptas, pois a experiência diz que essas atitudes dão bom resultado e assim a pessoa se sente ganhadora, triunfa. O corrupto se confirma e ao mesmo tempo avança nesse ambiente triunfal. Tudo vai bem. E nesse respirar o bem, usufruir o vento em popa, reordenam-se e se rearranjam as situações em valorações errôneas".
E, em precioso arremate, bem assenta o Papa: "É justamente esse triunfalismo, nascido de sentir-se medida de todo juízo, que lhe dá vaidade para rebaixar os outros à sua medida triunfal. Explico: em um ambiente de corrupção, uma pessoa corrupta não deixa crescer em liberdade. O corrupto não conhece a fraternidade ou a amizade, só a cumplicidade".
É o exato quadro das elites dirigentes de nosso Brasil.
Eis porque não se pode esmorecer no combate a essa atmosfera, a essa "cultura de manipulação", que perpassa o trato e a administração do que é público, na verdade como algo que lhe é pessoal e hereditário.
Impõe-se resposta contundente a todo esse quadro de desfaçatez, resposta que se espera permanecer acontecendo no âmbito judicial, até porque a impunidade é o alimento do corruptor e do corrupto.
Rita de Cássia Biason
cientista política da Unesp
Claudio Fonteles
ex-procurador-geral da
República (2003 a 2005)