Às 6h da manhã de 18 de maio, policiais federais saíram às ruas de Brasília, Belo Horizonte e Rio de Janeiro em cumprimento a mandados expedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Instalado na cobertura da sede da Procuradoria-Geral da República (PGR), Rodrigo Janot acompanhava todos os passos da operação. Ao ser informado de que os agentes haviam prendido o procurador Ângelo Goulart Villela, seu colega de instituição, sentiu a náusea subir-lhe a garganta.
— Vomitei quatro vezes. Sou um sujeito experiente, tenho 33 anos de Ministério Público, e pouca coisa me afetou de maneira tão contundente — desabafou mais tarde.
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Aos 61 anos, Rodrigo Janot Monteiro de Barros deixa nesta segunda-feira a chefia da PGR com a sensação de que o cargo é "uma máquina de moer carne", conforme confidenciou a amigos. Também pudera. O procurador que havia assumido em 2013 com o modesto objetivo de reduzir o elevado número de processos emperrados no gabinete acabou conduzindo a parte mais sensível e explosiva da maior operação de combate à corrupção do país.
À frente da Lava-Jato, Janot presidiu 178 inquéritos contra 450 pessoas no STF. De sua caneta partiram ações inéditas na história da República, como a prisão de um senador e a apresentação de duas denúncias contra um presidente, ambos no exercício do mandato. Todavia, ao mesmo tempo em que conquistou o status de mais implacável chefe do Ministério Público Federal, seu voluntarismo exacerbado atraiu críticas do Congresso, do Judiciário e das mais expressivas bancas de advocacia. Seu maior contendor, o ministro do STF Gilmar Mendes, chegou a dizer que ele foi o mais desqualificado procurador-geral e que fez uma "gestão de bêbado".
— Janot é honesto e de boa-fé, mas as falhas monumentais que cometeu nos últimos dias faz com que deixe o cargo de forma melancólica — comenta o jurista Ives Gandra Martins.
Para o advogado, Janot manchou sua trajetória ao conceder imunidade aos delatores da JBS, o mais polêmico episódio de sua passagem pelo cargo. Ao revogar os benefícios concedidos aos empresários após descobrir que haviam omitido informações, o procurador colheu outra decepção diante do jogo duplo protagonizado por seu ex-braço direito, o ex-procurador Marcello Miller. Indícios coletados pela Polícia Federal ao vasculhar a casa de Miller também levantaram suspeitas de que Janot sabia da atuação do colega em prol dos delatores.
— Desde o início, falávamos que a delação da JBS havia sido mal conduzida — alfineta a subprocuradora da República Sandra Cureau, que concorreu à sucessão de Janot.
As palavras de Sandra ecoam descontentamento que percorre os corredores dos 71 mil metros quadrados da imponente sede da PGR em Brasília. Por detrás da fachada espelhada do prédio, muitos procuradores reclamam da forma como o chefe montou sua equipe de trabalho. Em 2013, Janot pediu licença para se dedicar à campanha ao primeiro mandato, contratou assessoria de imprensa — algo até então inédito na disputas internas —, conseguiu antecipar a data da votação e ainda teria pedido a um grupo de apoiadores que lhe cedesse milhas para que pudesse cruzar o país pedindo votos. Ao ser eleito, montou a equipe com pessoas de sua confiança, desagradando a procuradores com mais tempo de profissão.
— Janot excluiu todos os subprocuradores, sequer nos consultava. Ouviu apenas aqueles que ele mesmo promoveu. O resultado foi o constrangimento com os pedidos de prisão de Ângelo Villela e Marcello Miller — diz um desafeto.
Essa avaliação não é unânime no meio jurídico. Até mesmo advogados de réus na Lava-Jato afirmam que o procurador reuniu um grupo eficiente em seu entorno. Pedindo anonimato, admitem que a maioria dos processos foi bem conduzida, com diligências certeiras e provas robustas. Também destacam a coragem de enfrentar autoridades poderosas. Em seu mandato, Janot conseguiu o afastamento de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da presidência da Câmara, prendeu o senador Delcídio Amaral (ex-PT-MS), pediu a prisão de Aécio Neves
(PSDB-MG), Romero Jucá (RR), José Sarney (PA) e Renan Calheiros (AL), todos do PMDB, além das duas denúncias oferecidas contra Michel Temer. Para o ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp, Janot foi o mais efetivo chefe do MPF.
— Nunca houve um procurador-geral que fosse tão a fundo no enfrentamento da corrupção — resume Dipp.
Vaidoso, Janot cogitou concorrer a um terceiro mandato. Recuou, mas incentivou os rumores dentro da corporação ao perceber que estavam "avançando na minha cadeira". Seu candidato, Nicolao Dino, venceu a eleição interna, mas acabou preterido por
Temer, que escolheu Raquel Dodge para sucedê-lo. Diante da chegada de uma antagonista, apressou os procedimentos. Salientou que até a transmissão do cargo ainda manuseava a caneta da PGR e, numa frase emblemática, avisou que "enquanto houver bambu, lá vai flecha". Do dia da declaração até esta sexta-feira, apresentou outras cinco denúncias, prendeu os delatores da JBS, pediu a suspeição de Gilmar Mendes e a varredura na casa do ministro da Agricultura, Blairo Maggi.
Mineiro de Belo Horizonte, casado com a paisagista Júnia e pai da advogada Letícia, nos últimos anos Janot subverteu o perfil reservado dos antigos ocupantes do cargo. Considerando-se um paladino, abriu espaço na agenda para receber jornalistas e posou para fotografias ao lado de simpatizantes que seguravam um cartaz com os dizeres "Janot, você é a salvação do Brasil". Na iminência de deixar a cadeira, espera ter mais tempo para se dedicar à família, aos jogos do Atlético Mineiro e ao seu hobby predileto: cozinhar.
— Ele é um gourmet. Morou na Itália, tem ascendência francesa, então cozinha muito bem. Faz o melhor patê de campangne do mundo. Mas agora está empenhado em emagrecer. Engordou muito durante o mandato, devido ao estresse e à falta de exercício e agora está caprichando na dieta. Ainda falta perder quatro quilos — diz uma amiga que frequenta sua casa no Lago Sul, região nobre de Brasília, referindo-se aos 20 quilos já perdidos por Janot nos últimos meses.