HEULER ANDREY/ESTADÃO CONTEÚDO
"O primeiro passo para um milagre é manter a santíssima trindade composta por Grohe, Kannemann e Geromel"
A missão de superar 2017 é deliciosamente espinhosa — porque, sejamos honestos, o Grêmio acaba de viver, por baixo, um dos três maiores anos da sua história. Nem em 1983 ou 1995 nós chegamos nas cabeças de absolutamente todas as competições como agora, e em nenhum deles fomos tão fortes a ponto de acabar em quarto lugar no nacional (poupando o time) enquanto conquistávamos a América. Em ambos, ao contrário, o Grêmio ficou no que hoje chamaríamos de "segunda página", abaixo do 10º colocado.
Alguém dirá que em 1983 houve o título mundial, e é verdade, mas a favor de 2017 conta o fato de que o Grêmio acaba de vencer a maior e mais longa Libertadores de todos os tempos, uma epopeia de 47 clubes que começou em janeiro e terminou à beira de dezembro. Nunca houve uma Libertadores nessas dimensões, e o Grêmio superou um elenco que ia perdendo peças e as várias fases ruins que uma temporada traz para sair campeão. Em outros tempos, bastava ser bom em um semestre. Agora, é preciso ser grande de ponta a ponta.
Superar 2017, pois, só com um tetra invicto, talvez com um bi mundial, tarefas dificílimas. Nos últimos 40 anos, houve apenas três ocasiões em que uma equipe repetiu o título da Libertadores _ em duas delas, esse clube se chamava Boca Juniors (bi em 1977-78 e em 2000-01) e, na outra, era treinado por Telê Santana (o São Paulo de 1992-93). Seria quase milagroso. O primeiro passo para um milagre, então, é manter a santíssima trindade composta por Grohe, Kannemann e Geromel. Depois disso, tentar achar um ataque mais confiável na hora de marcar gols. Um centroavante que não passe dois meses em branco, um meio com reposição para quando Arthur inevitavelmente nos deixar.
Passa, ainda, por manter Renato, custe o que custar, o homem certo para conservar a química vitoriosa e manter nesse elenco multicampeão as ganas para mais. Diante de um ano quase insuperável, mais do que melhorar é importante manter o que funciona: em 2018, a vitória gremista será manter o time tão competitivo em tudo como foi na temporada recém-encerrada. Já largamos bem: a Libertadores começa nos grupos, a Copa do Brasil nas oitavas, a Recopa (tão próxima) já é em si uma final. As taças estão todas aguardando _ e este, como é bom poder dizer isso após tantos anos, é um grupo acostumado a erguê-las.
"O Grêmio precisa solidificar a cultura de um jogo que se impõe pela qualidade do toque de bola, não pela força bruta"
Faz tempo, a gente quase não se dá conta. Dois anos e meio representam a eternidade no futebol brasileiro. O "Novo Grêmio" completou dois anos e meio exibindo um jogo que foge aos velhos clichês. Não é mais o time guerreiro, imortal, copeiro. Ou não é mais "só isso". O Novo Grêmio joga bem. Gosta de ficar com a bola, aproxima jogadores, reduz espaços. Não se apavora fora de casa, atua com serenidade em sua Arena. Na medida do possível, pratica o futebol mais moderno do Brasil. Com jogadores mais modestos, se arma como as boas equipes europeias.
Começou em 30 de maio de 2015, quando um esfarrapado time que se encaminhava para o rebaixamento enfrentou o Goiás no Serra Dourada. Era a estreia de Roger Machado, a partida terminou 1 a 1, mas a atuação foi acima do razoável. Aos poucos, os novos conceitos foram introduzidos, o Grêmio saiu do buraco e pegou vaga para a Libertadores 2016.
A equipe encorpou e chegou a encantar em determinados jogos, como na vitória sobre o Atlético-MG no Independência. Nos momentos decisivos, porém, rateava. Faltava confiança. Era como se uma valsa de 15 anos sem título ecoasse na cabeça dos jogadores. O time batia no teto.
O segundo ciclo desse Grêmio precisava de um novo comandante. Renato, que nunca sofreu de baixa autoestima, chegou para injetar confiança. Fez bem mais que isso. Preservou o estilo tocador de bola da equipe e o aprimorou, sobretudo na parte defensiva. Empoderou jogadores como Ramiro, Cortez, Pedro Rocha, Edilson. Fez o time se sentir forte nos mata-matas. Vieram duas taças, as duas gigantes.
O ano de 2018 chega com um desafio igualmente gigante, até porque provavelmente perderá Luan e Arthur, seus dois principais jogadores. Após a "Era Roger" e agora na "Era Renato", como entrar na terceira fase de um time que pode ter batido no teto? O Grêmio precisa solidificar a cultura de um jogo que se impõe pela qualidade do toque de bola, não pela força bruta. Um estilo que não dependa dos comandantes, que seja mais do clube do que do time. Um Grêmio que tenha as categorias de base jogando exatamente como o time principal e derramando a conta-gotas os novos talentos no profissional. Roger e, principalmente, Renato foram fundamentais na construção desse Novo Grêmio. Mas 2018 é o ano para o clube mostrar que pode continuar jogando bem e levantando taças independentemente dos nomes em campo.
Maurício Brum
jornalista e historiador
Sérgio Xavier Filho
comentarista do SporTV