Aplicada neste sábado (25), a prova de Redação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) trouxe como tema o questionamento: “Que História pode e deve ser ensinada?”. A proposta tinha como base o texto “Deixem a História em paz”, do professor titular de História da Unicamp Jaime Pinsky. Para professores de redação ouvidos por GZH, o tema é familiar aos alunos e, ao mesmo tempo, valoriza as vozes dos candidatos.
Em comunicado, a UFRGS ressaltou que a prova reflete sobre o passado e o presente para pensar as manifestações de preconceito, de intolerância, de autoritarismo, de racismo e de tantas outras formas de discriminação.
Conforme Leonardo Jaskulski, professor de Redação do Fleming Medicina, a proposta de redação da UFRGS seguiu uma tendência, iniciada em 2018, de propor uma produção textual que discute uma reflexão presente em outra produção textual.
Ele acrescenta que a prova também manteve a linha de estabelecer condições de produção, estabelecendo uma situação hipotética em que o candidato deve se colocar para redigir o texto.
No caso da proposta apresentada, o professor destaca que é necessário imaginar-se como parte do debate e manifestar uma avaliação do texto apresentado, concordando ou discordando das ideias, parcial ou totalmente. Além disso, Jaskulski realça que é fundamental o candidato ilustrar os argumentos com exemplos relevantes, dando concretude à reflexão.
— Trata-se de um tipo de proposta que valoriza a voz do candidato, que o convida a imaginar-se em uma situação real e o incita a ser crítico em relação ao mundo em que está inserido — observa Jaskulski.
Filipe Vuaden, professor de Redação do Me Salva e do Pré-vestibular Método Medicina, vê a proposta desse ano como bastante acessível para o candidato, pois há um contexto de familiaridade. Ele ressalta que o comando da proposta situa o aluno em si, em que precisa se imaginar como um alguém que está concluindo o ensino médio, que é boa parte do público que presta o vestibular da UFRGS.
— Com esse propósito em mente, o aluno precisa escrever uma dissertação pensando em como deveria ser o ensino de história dentro de sua instituição de ensino — diz Vuaden. — É um tipo de proposta que abre margem para o estudante pensar em sua própria experiência, fazendo relação com as ideias do autor.
Vuaden acrescenta que o ensino da História, nos últimos anos, ganhou mais atenção por meio de movimentos que questionam a abordagem da disciplina, como o Escola Sem Partido. O novo ensino médio, como lembra o professor, também poderia entrar na discussão.
Gabriel Borges, professor de redação do Me Salva, corrobora. Para ele, o tema faz os alunos pensarem sobre o próprio currículo escolar:
— É essencial lembrar da importância que as ciências humanas têm na formação da humanidade. Esses estudos não podem ser colocados de lado.
De acordo com Borges, a proposta da UFRGS seguiu a tendência dos últimos temas do Enem, que é falar sobre minorias sociais que foram historicamente desfavorecidas. Além disso, o professor frisa que era possível argumentar na redação sobre os perigos da história única para a humanidade.
— Muitas vezes, em nosso país, a história é contada do ponto de vista do colonizador europeu, o que obviamente distorce a nossa visão dos terríveis acontecimentos que aconteceram durante a colonização no Brasil — analisa. — Contar a história por meio dessa perspectiva, infelizmente, contribui para várias injustiças em nosso país, como o racismo estrutural e o sexismo. Nos tempos atuais, há até mesmo quem defenda atrocidades como a ditadura. O cenário político atual se transformou numa guerra de narrativas. Por isso, os nossos cidadãos devem receber ferramentas adequadas para discutir e analisar a história de maneira consciente.
Tema da redação
No texto utilizado como base, publicado no jornal Correio Braziliense em junho de 2022, Pinsky reitera a importância da História feita por historiadores. "Na verdade, a maioria nem sequer tem ideia do que é História, embora todos se sintam no direito (obrigação?) de palpitar sobre o assunto, e até de exigir a troca de professores em muitas escolas", pontua o professor logo no início do artigo.
Seguindo na argumentação, Pinsky enfatiza a importância de considerar a historicidade do próprio historiador, como no exemplo de uma historiadora que hoje busque estudar a história das mulheres no período colonial brasileiro e que será levada a fazer investigações que outra historiadora, de um século atrás, não teria feito.
No final do texto, Pinsky retoma o ensino de História e destaca a importância de buscar obras de qualidade como bom ponto de partida — até para não transformar a sala de aula em campo de batalha, ou palanque político. “Por outro lado, cabe aos dirigentes educacionais oferecer suporte aos seus docentes. Tenho visto um movimento inaceitável de pais de alunos querendo interferir em programas de curso, em abordagens de temas sensíveis, chegando até a instrumentalizar seus filhos para questionarem de modo grosseiro os professores quando estes não apresentam abordagem histórica que os interessa”, aponta o autor.
Após apresentar o texto do professor Pinsky, a prova pedia ao vestibulando para considerar a situação de, no contexto do último ano do Ensino Médio, compor um grupo formado por pais, professores e alunos, cuja função é debater o futuro do ensino na escola. O assunto debatido pelo grupo seria o ensino da História, a partir do seguinte tema: “Que História pode e deve ser ensinada?”.
O vestibulando deveria, então, dissertar sobre as ideias do texto de Jaime Pinsky, apresentando seu ponto de vista a respeito dos argumentos expostos pelo historiador. A dissertação teria o objetivo de ser lida perante o grupo e seria considerada para auxiliar a balizar o futuro do ensino de História na escola.
Primeiro dia
O vestibular da UFRGS de 2023 está sendo realizado no sábado (25) e no domingo (26), nas cidades de Porto Alegre, Bento Gonçalves, Canoas, Gravataí, Imbé, Novo Hamburgo e Tramandaí. São 22.138 inscritos para 4.023 vagas em 97 opções de graduação. O curso mais concorrido é Medicina, com 70,29 candidatos por vaga.
Os portões foram abertos às 13h30min, e as provas começaram às 14h, com cinco horas e meia de duração, até as 19h30min. Neste sábado, serão aplicadas as provas de História, Língua Portuguesa, Literatura em Língua Portuguesa, Matemática e Redação. No total, serão 60 questões de múltipla escolha mais a produção do texto.
No segundo dia, será a vez de Biologia, Física, Geografia, Língua Estrangeira Moderna e Química, com 75 questões. Os gabaritos das provas de sábado serão divulgados no domingo, às 9h, pelo site da UFRGS. Já na segunda-feira (27), às 9h, serão conhecidos os gabaritos das provas do segundo dia.
Conforme informações da universidade, a divulgação do listão de aprovados está programada para até as 17h de 11 de dezembro.