O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux pediu, nesta terça-feira (29), vista do processo que analisa se faculdades brasileiras poderão ou não abrir vagas em cursos de Medicina sem um chamamento público – uma “licitação” - do governo federal. Agora, ele tem até 90 dias para dar o seu voto e destravar a votação no plenário virtual.
O processo ficou em suspenso com votação empatada: o ministro e relator Gilmar Mendes se manifestou a favor da exigência de “licitações” para a abertura de cursos de Medicina no Brasil e da liberação para que pedidos de novas graduações agora em análise pelo governo federal avancem.
Já o ministro Edson Fachin afirmou que a exigência de "licitações" para abertura de novos cursos de Medicina é legal, mas que novas ofertas em fase de análise pelo Ministério da Educação (MEC) não devem ter autorização para funcionar – com exceção dos cursos já criados após decisões judiciais e que mantenham alunos matriculados.
O julgamento do Supremo afetará o pedido de abertura de mais de 60.327 mil vagas de bacharelado na área no país – das quais 2.230 seriam ofertadas no Rio Grande do Sul.
Diferentemente de outras áreas do conhecimento nas quais basta aval do MEC para uma faculdade criar novo curso, a abertura de vagas em Medicina depende, desde 2013, de que o governo federal faça um chamamento público convidando instituições a ofertarem as aulas em determinadas regiões.
Na prática, o MEC pré-seleciona cidades onde uma graduação em Medicina pode ser aberta e quantas vagas serão disponibilizadas. Para fazer isso, o governo analisa se o Sistema Único de Saúde (SUS) da região tem infraestrutura com hospitais-escola, grande oferta de leitos e mesmo demanda de atendimento.
Isso porque estudantes de Medicina precisam aprender a profissão não apenas em aulas teóricas, mas também durante práticas no dia a dia de hospitais e postos de saúde, sob supervisão de professores e preceptores (médicos mentores).
A exigência de análise e autorização do MEC para abertura de cursos de Medicina ocorre após a Lei do Mais Médicos, que deu as regras do programa de mesmo nome e também as diretrizes de oferta de novas vagas em graduações.
Passados cinco anos da criação do programa, o ex-presidente Michel Temer (MDB) estipulou, em 2018, que, durante os cinco anos anos seguintes, nenhum novo curso de Medicina seria criado, dada a oferta existente ser considerada alta.
A partir daí, faculdades entraram na Justiça com pedidos para liberação de 335 novos cursos de Medicina e 34 solicitações para aumentar vagas em bacharelados já existentes, segundo a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior do MEC informou à reportagem de GZH nesta segunda-feira (28). As solicitações são para 60.327 novas vagas de Medicina, das quais 57.743 são em cursos novos e 2.584 em graduações já existentes.
O argumento contra a exigência de “licitações” é de que o trâmite fere a livre-iniciativa. Hoje, há 391 cursos de bacharelado para formar médicos no Brasil – portanto, há chance de o país ter grande salto na oferta de vagas de Medicina.
Quais são as faculdades do RS que pleiteiam abrir cursos de Medicina
- Faculdade de Ciências da Saúde Moinhos de Vento
- Universidade do Vale do Taquari
- Centro Universitário Ritter dos Reis
- Centro Universitário da Serra Gaúcha
- Faculdade Dom Alberto
- Centro Universitário CESUCA
- Centro Universitário Uniftec
- Ulbra - Porto Alegre
- Faculdade Anhanguera de Caxias do Sul
- Faculdade Ideau
- Faculdade Estácio do Rio Grande do Sul
Como pano de fundo da expansão dos cursos, estão as mudanças do Ensino Superior, com redução nas matrículas, e a maior lucratividade das graduação em Medicina, com mensalidades altas e grande número de interessados.
No Rio Grande do Sul, faculdades pedem aval para abrir graduações em Porto Alegre, Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Viamão, Gravataí, Bagé, Santa Cruz do Sul, Lajeado, Getúlio Vargas, Cachoeirinha e São Jerônimo, segundo ofício do MEC enviado ao Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), ao qual GZH teve acesso.
Entidades se posicionam
O Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, que pede a abertura de novas vagas na Justiça, argumenta que "os editais têm funcionado como modo de restrição à concorrência, já que diminuem sensivelmente o número de instituições de ensino qualificadas que podem obter essa autorização". Acrescenta, ainda, que a necessidade de "licitações" para novas graduações em Medicina favorece grandes grupos educacionais em detrimento de faculdades menores.
— Um grupo de instituições foi beneficiado, mas a maior parte do setor educacional foi prejudicada. Há indícios de que o Ministério da Educação escolheu um segmento em detrimento dos outros. No primeiro grande edital, as regiões Sul e Sudeste foram privilegiadas, incluindo grandes cidades, como São Leopoldo e Canoas, no Rio Grande do Sul — afirmou, durante sessão no STF, Dyogo Patriota, advogado do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub) e da Associação Brasileira das Instituições Comunitárias de Educação Superior (Abruc).
De outro lado, a Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup) é contra a expansão de novos cursos, sob o argumento de possível baixa qualidade de graduações com possibilidade de abertura.
— Nos últimos 10 anos, o Mais Médicos ofereceu, aproximadamente, 5 mil vagas, enquanto as liminares (judiciais) no MEC representam mais de 10 mil novas vagas de graduação. Ainda não há informações de como o Sistema Único de Saúde irá absorver toda a demanda criada pelas liminares, arriscando a faltar leitos disponíveis para que os estudantes se desenvolvam nas etapas de formação e especialização — afirmou a GZH Antonella Marques Consentino, sócia do escritório Sergio Bermudes Advogados, que representa a Anup.
O Cremers é contra a abertura de novos cursos e quer fiscalizar a estrutura de possíveis novas graduações em solo gaúcho. A entidade chegou a entrar com ação para barrar a oferta de 480 vagas pela Ulbra, o que foi atendido pela Justiça.
— Temos preocupação com a criação de novas faculdades de Medicina. Nosso objetivo é fazer a fiscalização nos futuros hospitais-escola. Toda faculdade de Medicina precisa de um hospital-escola onde o futuro médico vai aprender, examinar pacientes e analisar exames. Estamos preocupados que vai ter uma abertura de muitas vagas a ponto de praticamente dobrar a quantidade de médicos formados nesse período — afirmou a GZH Carlos Sparta, presidente do Cremers.