A chapa vencedora da eleição do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) afirma que quer evitar a “politização” notada na entidade e na classe médica durante a pandemia de covid-19. A avaliação é que os posicionamentos do conselho devem ser baseados em dados científicos, e não ideológicos, segundo o líder do grupo, Eduardo Trindade (leia abaixo a entrevista completa).
— O conselho não pode ser um órgão político-partidário. Ele tem que ser técnico, baseado em princípios da melhor Medicina. Isto vai ser muito claro: não vamos deixar a politização entrar no conselho — diz o médico, que foi presidente do Cremers entre 2018 e 2020 e vice-presidente da entidade de 2020 a 2022.
A futura gestão também quer reforçar o combate ao exercício ilegal da Medicina, acelerar estratégias de conciliação e mediação durante processos internos e evitar a “pejotização” da classe médica no Estado.
Na terça-feira (15), a chapa 3 - Pra Frente Cremers - venceu o pleito com 41,9% dos 24.342 votos válidos. A chapa 1 - Cremers de Todos - contabilizou 10 mil votos (41,08%), e a chapa 2 - Conexão - somou 4.142 votos (17,02%). Os 40 conselheiros assumirão a instituição a partir de 1º de outubro e permanecerão até 30 de setembro de 2028.
Qual a função do Cremers?
O Conselho Regional de Medicina é uma autarquia federal que tem basicamente três funções. A cartorial, que envolve a documentação para dizer quem é médico e quem não é. Tem também a função de fiscalização, de ver se tal local respeita o exercício ético da Medicina. E a última é a judicante, que é o tribunal ético (dos médicos).
O que levou a chapa 3 à vitória da eleição?
Foi um reconhecimento do bom trabalho que fizemos em 2018 e 2020 (quando Trindade foi presidente). Também vencemos por conta das propostas: a defesa da ética médica, a valorização da profissão, um conselho cada vez mais próximo de todos os médicos gaúchos e a transparência nas decisões e prestação de contas.
Qual será o principal foco da nova gestão?
Vamos principalmente combater o exercício ilegal da Medicina, reforçar nosso termo de cooperação com a Polícia Civil e o Ministério Público Estadual. Queremos estar mais presentes junto aos médicos nessas ações de fiscalização, cobrar do poder público para que sejam fornecidas condições para os profissionais prestarem um bom atendimento. Porque, em muitos casos, não há um número adequado de médicos para o trabalho nas emergências, nem sequer equipamentos básicos.
Qual será o posicionamento do Cremers sobre a criação de novos cursos de Medicina no Estado?
Somos contrários à abertura de novas faculdades de Medicina e também de novas vagas. O Rio Grande do Sul já apresenta um número mais do que suficiente de médicos para atendimento da população. Então por que eventualmente faltam esses profissionais em algumas localidades? Porque, infelizmente, o poder público não faz concursos adequados, não faz um plano de carreira adequado para alocar esses profissionais em todas as regiões do Estado. Queremos atuar para mudar isso.
E como o Cremers pode atuar para evitar a abertura de novos cursos?
Por dois caminhos. O primeiro: esclarecer a sociedade sobre o assunto (que há médicos suficientes, segundo o conselho). E o segundo: sempre que necessário, vamos judicializar essa questão. Há muitas faculdades que estão abrindo, e até em funcionamento, que não preenchem os requisitos mínimos do Ministério da Educação para funcionar.
A melhoria dos planos de carreira é uma demanda antiga da categoria. O que pode ser feito sobre isso?
O poder público não faz concursos e planos de carreira adequados para alocar os médicos nos municípios. São abertas vagas e faculdades com o falso pretexto de que não há profissionais, mas sabemos que não faltam médicos. Também vamos atuar contra a pejotização excessiva. Várias prefeituras do Estado exigem que o médico crie uma pessoa jurídica para poder atuar. Queremos reduzir isso porque é um processo que traz insegurança para os médicos, que, em muitos casos, têm relações trabalhistas precárias.
É possível reverter a polarização observada no Cremers, principalmente por conta da discussão de medicamentos contra a covid-19 durante a pandemia?
O Conselho Regional de Medicina precisa ser livre de conflitos de interesse. Ele tem que atuar de forma técnica, baseada nas melhores informações disponíveis. O conselho não pode ser um órgão político-partidário. Ele tem que ser técnico, baseado em princípios da melhor Medicina. Isto vai ser muito claro: não vamos deixar a politização entrar no conselho.
A polarização vista nos últimos anos no Cremers sempre ocorreu ou ela ganhou força por causa da pandemia?
Ela certamente foi exacerbada por causa da pandemia. A gente vê uma politização excessiva. Pessoas que eram de uma determinada corrente ideológica defendiam A, pessoas de outra corrente ideológica defendiam a estratégia B. Isso não pode. As decisões médicas têm que ser baseadas em critérios técnico-científicos, não em critérios político-partidários ou ideológicos.
E como essa polarização atrapalha o Cremers?
Porque ela confunde. Quem define quais são os melhores tratamentos são as sociedades de especialidades, as universidades, os pesquisadores. O conselho é um órgão judicante. Não é ele que define se o tratamento A ou B é o melhor para determinada doença. O Cremers foi colocado em uma discussão que ele não fazia parte (na pandemia).
A pandemia - e os debates sobre medicamentos contra a covid-19, em especial - deixou dividida a categoria médica no RS?
Houve uma aflição em toda a sociedade, que não tinha grandes informações, nem sabia quais eram os melhores tratamentos (para a covid-19). Houve uma divisão, atritos, em redes sociais, em grupos de WhatsApp, no Facebook. Foi uma polarização da sociedade, e a Medicina se viu no meio dessa polarização.
É possível o conselho ser isento nesses debates?
O conselho deve atuar com isenção nesses debates de qual é a melhor medicação para o tratamento de uma doença por ser um órgão judicante. Ele deve tomar sua decisão à luz do Código de Ética Médica.
A polarização política prejudicou a imagem do Cremers?
Gerou uma certa insegurança na população, que deve se sentir segura em relação à classe médica. Infelizmente, com o excesso de narrativas criadas nas redes sociais, todo mundo se viu colocado em situações de insegurança, por conta das fake news, da divulgação de tratamentos milagrosos. Por isso, vamos atuar para esclarecer a população com informações de qualidade.
Quais outras medidas serão tomadas pela nova gestão?
Queremos avançar nas questões de estratégias de conciliação e mediação. Atualmente, quando chega uma denúncia ao Conselho, é aberta uma sindicância. Se identificado com algum ilícito ético, é aberto um processo ético profissional. Esse processo é moroso e pesaroso para o médico e o denunciante. Vamos dar uma resposta mais rápida. Queremos mudar aquela ideia de que, para o médico, o Conselho é um órgão punitivista e que, para a população, é um órgão corporativista. Um processo ético-profissional, às vezes, demora mais de ano. Queremos reduzir esses prazos para até 60 dias.