Mais do que entender quais são as carreiras promissoras do futuro, é necessário compreender quem é o profissional que o mundo contemporâneo exige. Essa demanda tem a ver com um modo de vida que está em constante — e rápida — transformação, impulsionado pelo desenvolvimento exponencial de novas tecnologias. Segundo especialistas, saber lidar com isso será imprescindível em qualquer ofício.
— Além das habilidades "hard", que cada profissão deve dominar as suas, há um conjunto de habilidades "soft" que podem ser destacadas, como pensamento criativo, raciocínio analítico, habilidades tecnológicas, curiosidade, ética, liderança e gestão de equipes — destaca o coordenador de Futuro do Trabalho do Laboratório do Futuro da Coppe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e sócio-fundador da LABORe, Yuri Lima.
Segundo o pesquisador, compreender e saber aplicar as novas tecnologias no seu dia a dia se torna um diferencial que permite um ganho produtivo e de qualidade para qualquer profissional. Ele destaca áreas como a da saúde, compreendendo também o cuidado com o bem-estar (enfermeiros, psicólogos e educadores físicos), e de humanas que atuem com os impactos das tecnologias, como advogados, filósofos e sociólogos.
Também se destacam as carreiras ligadas à tecnologia propriamente dita. Em especial as de inteligência artificial e de análise e tratamento de grandes volumes de dados. Nestes casos, os profissionais vão precisar, cada vez mais, desenvolver a capacidade de apresentação de ideias, negociação, gestão de produtos e equipes conforme as novas tecnologias avançam sobre tarefas mais rotineiras, como a programação.
— De maneira geral, as carreiras que dependam mais de relação interpessoal e criatividade tendem a ser mais valorizadas — resume Lima.
Formação
O caminho para preparar esse profissional envolve o desenvolvimento das competências pessoais citadas por Lima, que vão além dos conhecimentos básicos pertinentes a cada área. Tarefas repetitivas tendem a ser assumidas por máquinas, exigindo que os projetos pedagógicos sejam atualizados a fim de repensar conteúdos e metodologias de acordo com o curso em questão.
Em uma perspectiva mais abrangente, trata-se de oferecer trilhas interdisciplinares, combinando saberes ao conhecimento de cada acadêmico, permitindo a formação de profissionais únicos no mesmo curso. Muitas instituições têm criado projetos integradores, que permitem ao aluno exercitar a capacidade de aplicar o aprendizado de várias disciplinas na solução de problemas reais.
— É importante estar atento ao diploma, mas também às experiências que serão vividas na graduação. Para algumas áreas do conhecimento, o diploma pode não ser mais uma exigência para o ingresso no mundo do trabalho, mas são as experiências vividas na universidade as responsáveis pelo desenvolvimento das competências fundamentais para o profissional — defende a diretora da Unidade Acadêmica de Graduação da Unisinos, Paula Campagnolo.
Vivências
Para dar conta dessa construção, a Unisinos lança mão de atividades como o TEC Experience, que proporciona a conexão entre estudantes dos cursos tecnológicos da instituição com profissionais de empresas de diversos setores. Em cinco noites, eles assistem a debates sobre os temas mais recentes do mercado e elaboram propostas para a resolução dos desafios trazidos por organizações convidadas.
A universidade deve colocar o aluno em contato com as demandas da região em que vive e estimular o desenvolvimento de soluções, de forma multidisciplinar e colaborativa.
PAULA CAMPAGNOLO
Diretora da Unidade Acadêmica de Graduação da Unisinos
Já o Centro de Simulação Realística é composto por diversos laboratórios e ambientes de prática, com equipamentos de alta tecnologia em saúde para que estudantes de diferentes cursos possam aplicar os conhecimentos e simular o dia a dia de um profissional da área. Enquanto isso, o LAB Empreendedor é onde os alunos de qualquer nível da graduação participam de um programa de desenvolvimento de ideias e projetos a fim de estimular transformações em negócios reais.
— A universidade deve colocar o aluno em contato com as demandas da região em que vive e estimular o desenvolvimento de soluções, de forma multidisciplinar e colaborativa. A realização de estágios desde o início da formação também coloca o aluno em contato com problemas do mundo do trabalho e ajuda na conexão entre teoria e prática — explica Campagnolo.
O objetivo destas e outras ações é inserir o estudante em cenários de prática qualificados e com carga horária adequada, além de currículos flexíveis que permitam que o aluno faça escolhas ao longo do seu percurso formativo, conforme seu interesse e objetivos futuros. Esses currículos também precisam ser facilmente atualizáveis, de forma a acompanhar a velocidade das mudanças no mundo do trabalho e os anseios dos acadêmicos.
Competências
Encontrar soluções sustentáveis e inovadoras exige cada vez mais criatividade, aliada a pensamento crítico e capacidade de solucionar problemas complexos. Além disso, profissões cada vez mais conectadas umas às outras exigem alta capacidade de relacionamento interpessoal e atributos de liderança.
— A velocidade com que as profissões estão se modificando traz o desafio para os futuros profissionais de competências relacionadas à abertura ao novo e inesperado, com equilíbrio emocional para vivenciar situações imprevisíveis e solucionar problemas em equipes interprofissionais — sustenta a pró-reitora Acadêmica da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), Adriana Ziemer Gallert.
Segundo ela, o conceito do lifelong learning, em alusão ao aprendizado ao longo da vida, será cada vez mais intenso e necessário para ter resiliência frente aos cenários de imprevisibilidade e instabilidade na carreira profissional. Por isso, a Educação Superior insere-se no contexto da sociedade como integrante do ecossistema de inovação, contribuindo e participando das demandas sociais.
Educação integrada
Essa transdisciplinaridade tem dado o tom na Universidade do Vale do Taquari (Univates). Em 2019, a instituição decidiu reformular a proposta pedagógica e lançou a Aula+, norteando todos os currículos por esse princípio.
Em vez de organizar os currículos com foco no estudo disciplinar de conteúdos, a ideia foi pensá-los orientados à resolução de problemas reais de cada profissão e, dentro dessa perspectiva, abordar os respectivos conteúdos. Paralelamente, foram criados ambientes educativos baseados na aprendizagem, na criação, na experimentação e em situações reais que fomentem o estudo e a busca de soluções. Tudo contemplado no currículo.
— Uma mudança que vejo como positiva para todos os cursos superiores no Brasil foi a necessidade de inserção, em todos os currículos, de no mínimo 10% de atividades extensionistas, ou seja, atividades realizadas junto à comunidade, seja na escola, na empresa, no bairro, nos lugares onde a vida real acontece — saúda a vice-reitora e pró-reitora de Ensino da Univates, Fernanda Storck Pinheiro.
Para o reitor da Feevale, Cleber Prodanov, a adaptação dos currículos é o grande desafio das instituições de Ensino Superior, mas algumas iniciativas tornam o trabalho menos árduo. Uma delas é a construção constante de diálogo com os egressos, a fim de saber como estão se colocando no mercado, o que pensam as empresas que absorvem essas turmas e acompanhar as tendências.
— Um indicador importante é o grau de empregabilidade dos alunos. É retorno na veia, saber se as empresas buscam o aluno, o que buscam de competências. Isso tem orientado, muitas vezes, as mudanças curriculares — conta Prodanov.
A partir desse tipo de monitoramento, a instituição tem optado por uma formação pautada no acolhimento humano, em que o aluno se sente parte de uma comunidade, pertencente a um sistema. Ao mesmo tempo, há a preocupação com o emprego de metodologias adequadas aos alunos que chegam a partir de agora, com novas demandas.
— A gente pisou no acelerador da história a partir da pandemia. A educação é muito parecida com a comunicação, são as mesmas dores do ponto de vista de tecnologias e tendências. Chega, agora, um aluno que utiliza tela, tem uma certa ansiedade, um imediatismo e começa a ver a questão do deslocamento físico como um problema — observa o reitor.
Um indicador importante é o grau de empregabilidade dos alunos. É retorno na veia, saber se as empresas buscam o aluno, o que buscam de competências.
CLEBER PRODANOV
Reitor da Feevale
Relacionamento com o mercado
Não se trata de uma carreira promissora em específico, mas de uma habilidade que as universidades têm trabalhado cada vez mais, no intuito de entender demandas e supri-las parcialmente ainda durante os cursos, para que os alunos tenham vivência. Para isso, a Unisinos adaptou o currículo do curso de Moda, permitindo que o aluno vivencie cinco disciplinas de Ateliês de Projeto e quatro Laboratórios de Modelagem, em espaços projetados para emular o ambiente profissional desde o começo das aulas.
Nessas atividades, os alunos conseguem colocar em prática conteúdos relacionados à construção de vestimentas ou objetos costuráveis, que são trabalhados no currículo, ou até mesmo fortalecer a aprendizagem na trajetória acadêmica, usando-os livremente em horários extra-classe. Para se conectar com o mercado de fato, atividades projetuais são feitas de forma transversal com alunos de diferentes semestres, que se unem para resolver desafios propostos por empresas parceiras.
Com DNA bastante focado em educação profissional, em todos os níveis, o Senac-RS também aposta nesse caminho. Para a coordenadora da Educação Superior, Maria da Graça Sanchez, o aluno precisa perceber que está em uma instituição humanizada.
— A formação do profissional do futuro compreende tecnologia e salas disruptivas, mas não tem como pensar em pessoas sem falar de pessoas, colocando na equipe gente que possa fazer todo esse processo interno — acredita Sanchez.
Ela elenca logo a seguir a conexão com as empresas, com as quais os alunos têm contato desde o primeiro semestre. São palestras, visitas técnicas, certificações e projetos que chegam ao mercado, criando valor para as companhias e uma vitrine importante para os alunos.
Maria da Graça ressalta que além de pensar no que o aluno quer, é preciso estar atento ao que ele não quer e, mais importante ainda, ciente do que ele precisa. Além disso, pensar na forma como ele aprende, no que se interessa e na conexão entre essas duas coisas.
— Não tenho uma visão romântica, o estudante não vai aprender só o que quer. A questão é como gerar interesse em um conhecimento que pode não parecer importante para ele. A matemática é importante para um engenheiro que pretende trabalhar com inteligência artificial, mas ele pode não querer — ilustra a coordenadora.
Assim como defende o reitor da Feevale, ela acredita que o real interesse é alcançado a partir de muita escuta e interesse no aluno, entendendo suas fragilidades e fortalezas. Por isso, a instituição também faz pesquisa junto aos alunos, especialmente os que estão chegando.
— Tenho muito interesse que ele aprenda, então vamos trabalhar juntos. Ele leva minha marca, meu conhecimento, me representa lá fora — conclui.
As profissões do futuro
Até 2027, a estimativa é de que 23% dos atuais postos de trabalho sejam modificados. Entre as profissões em alta, aparecem:
- Tecnologia — Tratamento e análise de grande quantidade de dados: inteligência artificial, big data, business intelligence, machine learning e cibersegurança
- Saúde — Cuidado com bem-estar e longevidade: Medicina, Enfermagem, Psicologia, Fisioterapia e Educação Física
- Humanas — Áreas ligadas à reflexão sobre o uso da tecnologia: Direito, Filosofia e Sociologia
- Alimentos — Demanda cada vez maior: agricultura e áreas correlatas, assim como a tecnologia no campo
- Varejo — E-commerce e integração de sistemas: questões como a experiência do usuário (UX) e manutenção de lojas digitais aparecem cada vez mais fortes
Fontes: "O Futuro do Trabalho 2023" (publicado pelo Fórum Econômico Mundial) e especialistas ouvidos na reportagem