As novas gerações têm suas próprias maneiras de ler e escrever o mundo – e elas são bem diferentes das comuns entre seus pais e avós. Com as mudanças na forma de se relacionar com as narrativas, fruto do contato cotidiano com os recursos digitais, torna-se um desafio para especialistas em Educação que o gosto pela leitura seja renovado.
Foi pensando nisso que Passo Fundo inaugurou há pouco menos de um ano o Prisma – Espaço Geek. O prédio, localizado dentro do Parque da Gare, reúne elementos da cultura digital, como jogos de tabuleiro, RPGs, computadores e impressoras 3D, como solução para cativar e construir o leitor contemporâneo. Inédito no Rio Grande do Sul, o atendimento ocorre mediante agendamento prévio e é gratuito.
Tudo começou quando Luciano Azevedo, então prefeito da cidade, propôs à equipe que organizava as Jornadas Literárias de Passo Fundo, coordenadas por Tania Rösing, que a edificação - entregue como parte de uma obra de revitalização do Parque da Gare em 2016 – recebesse uma biblioteca. A educadora, então, fez outra proposta:
— Eu disse para ele que em hipótese alguma eu iria construir uma biblioteca ali, porque biblioteca não cumpre mais o seu papel. Mas que se ele me deixasse formar um grupo para criar um projeto a partir de games, eu toparia fazer. E ele aceitou — conta Tania, que é curadora do Prisma.
A estratégia de Tania e da coordenadora do Prisma, Maria Augusta D’Arienzo, que idealizou o espaço junto com a educadora, é a seguinte: partir do mundo pelo qual as crianças e os jovens estão interessados, que é o dos celulares, tablets e games, e, com base nisso, formar leitores de livros.
Por isso, o Prisma é, por si só, uma narrativa, que se inicia a partir de um portal por onde o visitante entra e passa a ser chamado de “aventureiro”. As aventuras e as expedições podem ser realizadas individual ou coletivamente e sempre contam com o apoio de “conselheiros” – monitores do espaço – para solucionar dúvidas e ajudar a concluir desafios e fazer reflexões.
Mas o que essas aventuras têm a ver com a leitura? Segundo Maria Augusta, tudo:
— Sim, a gente trabalha a leitura do livro, mas consideramos todas as linguagens que a cibercultura nos proporciona. Nós vivemos em meio a múltiplas linguagens. Por isso, resolvemos trabalhar com as narrativas que perpassam a cultura digital, por meio da cultura geek — pontua a coordenadora do Prisma.
O que é jornalismo de soluções?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Cada ambiente revela uma fase do jogo
Com um bom prisma, tudo nos dois andares do prédio é colorido. Os armários para guardar as mochilas, na entrada, têm chaveiros e referências a Star Wars, Super Mario, Dragon Ball e Among Us, entre outros elementos da cultura geek. Nas prateleiras, figuram dragões, cubos mágicos, quadrinhos, livros e animes. Cada espaço é ambientado como se fosse uma nova fase de um jogo, que inclui o Portal, o Forte, a Torre, a Forja, a Ponte e, no andar de baixo, o Calabouço e a Arena.
Além das aventuras e expedições permanentes, todo mês há eventos diferentes programados no Prisma. Em maio, por exemplo, atividades com robótica foram promovidas para crianças e adolescentes, em homenagem ao 4 de maio – data escolhida pelos fãs como Dia de Star Wars. Em junho, haverá o Detona Day, quando os participantes serão desafiados a jogar os games de computador oferecidos na Arena. Já em julho haverá um torneio de xadrez.
Nós estamos ali formando um leitor e um pensador criativo, capaz de fazer a leitura de múltiplas linguagens. Dentro do game eletrônico, por exemplo, estão quase todas as possíveis leituras: ali está o som, a imagem, a escrita."
MARIA AUGUSTA D’ARIENZO
Coordenadora do Prisma
— Nós estamos ali formando um leitor e um pensador criativo, capaz de fazer a leitura de múltiplas linguagens. Dentro do game eletrônico, por exemplo, estão quase todas as possíveis leituras: ali está o som, a imagem, a escrita. Ali, o jogador/autor tem a possibilidade de criar a sua própria narrativa, por conta das tomadas de decisões que ele tem que fazer na hora do jogo — observa Maria Augusta.
Tania cita a pesquisadora Lucia Santaella, que apresenta o leitor moderno como um leitor ubíquo, que já nasce inserido no universo eletrônico e não diferencia mais o que é digital e o que é físico – em resumo, para a nova geração, trata-se de um mundo só, com ambos os segmentos. A educadora entende que é necessário chamar a atenção desses jovens para elementos que envolvem aspectos que lhe interessam para, então, ir apresentando narrativas mais complexas.
— Podemos citar o caso da série de livros Harry Potter, que as crianças até hoje, depois de tantos anos, adoram. Os leitores ubíquos estão envolvidos com a história em jogos no celular e no tablet para, ao final, ir para o livro físico — exemplifica a curadora.
Aventureiros
Giovana Garcia de Assis costuma levar seus filhos, Mateus Thomé, nove anos, e Tiago Thomé, sete, para viver as aventuras do Prisma semanalmente. Os meninos participam tanto dos eventos mensais quanto das aventuras permanentes.
— Lá no Prisma é muito legal. Tem aventuras e eu já fiz uma de disparar um avião. O meu voou 14 metros — conta Tiago, que também gosta de usar os computadores e os tablets do espaço para jogar.
No verão, os irmãos participaram de expedições científicas de férias. Aproveitando que o prédio fica dentro do Parque da Gare, as crianças foram convidadas a desbravar o local.
— A gente investigou as árvores da Gare. Tinha até uma bananeira. Tinha também aquelas colmeias de abelha, que pareciam um caldinho — comenta Mateus.
O serviço conta com a confiança total dos pais da dupla, que deixam os meninos lá e, depois, voltam para buscar.
— A gente não precisa da mãe pra fazer a aventura, porque nós temos os conselheiros. Eles nos chamam de aventureiros e nós chamamos eles quando tem alguma dúvida para responder — explica Mateus.
Giovana achou o lugar maravilhoso:
— A forma como as coisas são trabalhadas é diferente da escola convencional. Eles voltam sempre felizes, curiosos, querem investigar mais. Eles sempre falam que queriam que ali fosse a escola deles — relata a mãe.
Na opinião de Giovana, iniciativas como a do Prisma deveriam ser expandidas para outros locais.
— A gente vê que eles têm prazer de ir. O tempo passa rápido e, às vezes, a gente vai buscar e eles ainda estão lá, entretidos. Seria muito bom se tivesse alguma política do poder público para manter aquilo e também expandir para outros espaços. Acho que o futuro é esse, e não a escola como nós temos hoje — opina.
O Prisma abre de terça a sexta-feira, das 8h às 18h, e aos sábados, das 14h às 18h. As atividades são abertas para pessoas de todas as idades, mas devem ser agendadas por meio do site.