Manter adolescentes de 13 ou 14 anos em silêncio e focados em algo pode ser desafiador. Quem observava os cerca de 20 alunos que tocavam em consonância instrumentos do Laboratório de Percussão da Universidade de Passo Fundo (UPF) na quinta-feira (12), porém, não tinha dúvidas: a música tem o poder de fazer até os mais agitados se concentrarem nos sons e ritmos que se formavam no grupo.
Os jovens fazem parte dos cerca de 100 beneficiados pelo projeto de extensão Da Capo, da Faculdade de Artes e Comunicação da UPF. As atividades envolvem aulas semanais em escolas de bairros periféricos de Passo Fundo, nas quais professores e bolsistas da graduação em Música levam instrumentos e oferecem atividades dinâmicas que exercitam a musicalidade e a criatividade dos alunos de nove a 15 anos.
Matheus Ribeiro Xavier, 15 anos, cursa o 9º ano na Escola Estadual Coronel Gervásio Lucas Annes e participa do projeto Da Capo desde o ano passado. Antes, não tocava nenhum instrumento. Sua participação, porém, deu tão certo que o adolescente foi um dos convidados a participar do Grupo Jovem de Percussão da UPF, que, além das aulas dentro da escola, também vai à universidade ensaiar às sextas-feiras.
– Até comprei um pandeiro pra melhorar as minhas habilidades. O projeto é legal, ajuda no cotidiano. Me sinto com mais habilidades nas mãos – comenta Matheus, que pensa em, no futuro, trabalhar com música.
Recém-iniciadas no projeto, quatro meninas da Escola Municipal Guaracy Barroso Marinho conversaram com a reportagem de GZH e se mostraram satisfeitas com as aulas de Música no lugar das lições de Artes que tinham antes.
– Nas aulas de Artes, a gente ficava muito tempo dentro da sala de aula. Agora, a gente sai, aprende mais um pouco – relata Erika Moraes, 13 anos, referindo-se às atividades no Laboratório de Percussão.
Diferentemente do que muitas vezes acontece nas escolas, as aulas do projeto não ocorrem no contraturno – elas são ministradas dentro do próprio currículo dos estudantes e são obrigatórias. No entendimento das adolescentes, as atividades musicais são mais dinâmicas.
Todo mundo tem sua função. É um exercício de empatia, que é o que falta para a nossa sociedade.
MÁRCIO KBECINHA TÓLIO
Professor, músico e coordenador do projeto
– O professor tem bastante paciência conosco e explica bem. Eu gosto das aulas – avalia Thais Schaifer, 13 anos.
Entre a gurizada, o instrumento de percussão preferido normalmente é o pandeiro. Mesmo assim, a maioria insiste que gosta de todos. No projeto, os estudantes se revezam nos instrumentos disponíveis, que são vários – desde chocalho, pandeiro e cuíca até cajón e xilofone.
– Eu prefiro o pandeiro porque é o que tem mais sons diferentes. Tem agudo, médio e grave – analisa Matheus.
Eduardo Pfeuffer da Silva, 14 anos, que também faz parte do Grupo Jovem de Percussão da UPF, prefere o cajón.
– O cajón é legal porque eu consigo ficar sentado e também consigo fazer o grave e o agudo. Se tem só o grave ou só o agudo, eu não gosto – opina o estudante.
Música como exercício de empatia
Há quatro anos, o professor e músico Márcio Kbecinha Tólio pega seu carro, põe vários instrumentos de percussão no porta-malas e os carrega para escolas de bairros periféricos de Passo Fundo. Ele é o coordenador do Da Capo e, desde que assumiu o projeto, inverteu a ordem das coisas – em vez de os alunos irem até a UPF, a UPF vai até os alunos, que moram longe e precisariam gastar com deslocamentos. O docente considera que o ensino exercita muito mais do que apenas a música.
O que é jornalismo de soluções?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
– Quando tu faz música em grupo, tu aprende que a tua função é muito importante e pode comprometer aquele trabalho, assim como dialogar com teus colegas e entender que o trabalho deles também é fundamental. Todo mundo tem sua função. É um exercício de empatia, que é o que falta para a nossa sociedade. Eu vou fazer meu trabalho legal e meu colega vai me devolver da mesma forma – exemplifica.
Tólio também destaca que normalmente o sistema educacional inibe as pessoas de errarem durante o processo de aprendizagem, uma vez que são avaliadas com notas. Na música, considera o processo como mais orgânico.
– Tu pode não soar bem num dia, mas no outro sim, e o aluno vai percebendo que é um processo. Não é que nem as mídias sociais, com um like, não é imediato. Aí o aluno vai alimentando o sentido de que pode sair de onde está, mudar sua realidade e se dedicar àquilo – observa o professor.
A vontade de Tólio é de expandir o projeto. Atualmente, além dele, um bolsista também dá aulas de percussão para as crianças e os adolescentes nas escolas, e uma aluna voluntária oferece lições de piano. Há possibilidade de que o número de bolsistas aumente e, com isso, seria possível atender mais instituições de ensino.
As atividades se baseiam na Teoria do Cotidiano, sob a ótica da pesquisadora Jusamara Souza, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em resumo, a ideia é partir da realidade do meio onde a pessoa está para, a partir dali, ampliar seu leque de conhecimento. No caso das aulas do projeto, em vez de ensinar os jovens a lerem partituras ou incentivar que se profissionalizem na música, a prioridade é oferecer entretenimento e descontração com elementos da própria realidade de cada um.
– Na prática, pegamos ritmos da música brasileira, como o funk, que eles mesmos propõem. Fazemos rodas, onde dispomos de vários instrumentos de percussão, apresentamos determinado ritmo e todos os alunos giram nesses instrumentos – pontua o professor.
Mesmo que o foco não seja profissionalizar, muitos contemplados ao longo dos anos de projeto desenvolveram um interesse maior e resolveram investir na profissão. Alguns, hoje, são alunos do curso de Música da UPF.