Os laços com a universidade pública às vezes são tão fortes que, mesmo depois de um tempo fora do meio acadêmico, alguns alunos egressos procuram retribuir de alguma forma o conhecimento adquirido. É essa vontade que motivou ex-alunos da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) a criarem o EA Angels, uma associação de investidores-anjo que atua desde 2021 para tirar do papel os projetos de alunos ou ex-alunos que almejam empreender.
A ideia começou em 2011, quando ex-alunos da Administração formaram um grande movimento de Alumni — que hoje conecta mais de 500 pessoas — em uma rede de troca de ideias e de experiências. O EA Angels nasce como uma ramificação desse grupo e hoje abarca cerca de 60 membros. Eles são o primeiro grupo de investidores-anjo egressos de uma universidade de renome do sul do Brasil e sua função é mentorar ou patrocinar futuros empreendedores. O investimento-anjo em geral varia de R$250 a R$1 milhão e é feito nos estágios iniciais de um possível negócio.
— O nosso propósito é retribuir para a universidade aquilo que recebemos de graça, não é para entrar aqui pensando só em ganhar dinheiro. Seguindo essa prerrogativa, estamos atentos a alunos que tem boas ideias, mas não têm dinheiro ou contatos. A gente ajuda estes empreendedores, seja com networking, conhecimento ou com investimento de fato — explica Luan Spencer, diretor do EA Angels.
A dinâmica de investimento-anjo é mundial e por vezes aparece ligada às instituições de ensino, que são celeiros de boas ideias à espera de um empurrãozinho. Os anjos de Porto Alegre estão tentando fazer vingar aqui no Sul uma dinâmica que já está consolidada em universidades como Harvard, Yale, Cambridge e London Business School.
— Todas as universidades de referência a nível global possuem grupos de investidores-anjo que advém dessa relação com a universidade, é um movimento que dá certo. Nos Estados Unidos, esses grupos existem há décadas, muitos deles são superfortes. Para ter ideia, comparado com os EUA, o Brasil tem apenas 3% do número de investidores-anjo: são mais 300 mil investidores-anjo lá, contra aproximadamente 10 mil aqui no Brasil — afirma Luan Spencer.
Dentro do mundo de investimentos, o EA Angels tem como objetivo ser o primeiro investidor de uma startup. A ideia é apostar em iniciativas de empreendedorismo que ainda estão bem no início, fornecendo capital-semente (seed money).
Em seu primeiro ano de existência, o grupo já fez seu primeiro investimento na startup TrashIn, que trabalha com gestão de resíduos e logística reversa (que prevê o recolhimento de todos os resíduos gerados por uma atividade econômica), de forma a ajudar grandes empresas a serem mais sustentáveis. O aporte foi de R$1 milhão, parte dele vindo da EA Angels, que liderou a rodada de investimentos com a participação de 17 membros, e o restante vindo da CapTable, uma plataforma onde pessoas físicas podem investir em startups.
O retorno financeiro de um investimento-anjo costuma demorar alguns anos para ocorrer, explicam os investidores da EA Angels: se a empresa dá certo, quem patrocinou a iniciativa fica como sócio e lucra com o crescimento orgânico da empresa ou com sua venda. Por outro lado, se a empresa não prospera, os investidores perdem 100% do valor investido. É por esse motivo que este modelo de investimento é considerado de alto risco. O risco, no entanto, se dilui quando mais pessoas investem juntas na mesma ideia.
O que é um investidor-anjo?
O perfil do investidor-anjo consiste geralmente em indivíduos que estão em uma fase avançada de carreira e que já conseguem acumular recursos adicionais para investir em startups e em ideias embrionárias. A média de idade dos membros do EA Angels é de 40 anos, sendo que pelo menos 70% deles passaram pela escola de Administração da UFRGS. Mas a iniciativa é aberta para quem teve outras formações — como em Economia, por exemplo — ou empresários alinhados com o propósito do grupo.
— A grande maioria dos membros da associação são executivos de empresas ou empreendedores cujas empresas já estão consolidadas, não precisam mais de um grande movimento de crescimento. Eles trabalham e é daí que vem o dinheiro para investir nessas outras atividades. Algo que motiva os investidores é querer acompanhar a transformação do mundo e da economia através das startups, fazer parte disso — afirma Luan
O foco da EA Angels está na universidade, mas também abarca o ecossistema de inovação de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul. Não há intenção de alcançar uma projeção nacional, mas podem, eventualmente, apoiar projetos inovadores que chegarem espontaneamente de outros Estados. Há uma equipe da EA Angels encarregada de analisar todas as propostas enviadas ao grupo, mas eles garantem que as iniciativas que possuem alguma relação com a UFRGS são avaliadas com mais carinho. Muitas vezes, mesmo que não se qualifiquem para receber investimento, as propostas e seus autores recebem ajuda na forma de mentorias, comandadas pelos membros do grupo.
— Nosso papel é o de acelerar o crescimento do empreendedorismo gaúcho e, com essa metodologia de troca, conseguimos ter muito mais gente empreendendo, criando empregos e desenvolvendo negócios aqui no Rio Grande do Sul — afirma Ricardo Hoerde, um dos investidores do grupo.
Que características a proposta deve ter para receber investimento?
Para serem consideradas potenciais candidatas a um investimento do grupo de anjos, as ideias devem abarcar algumas características específicas:
- O grupo está em busca de bons empreendedores: pessoas que já tiveram experiências prévias com o setor em que a empresa atuará ou que têm algum conhecimento a respeito dele.
- O foco são ideias ou empreendedores que estão em busca de capital semente de R$250 a R$ 1 milhão.
- Setores muito específicos não são o foco do investimento: os investidores-anjo avaliam quanto dinheiro gira no setor em que a startup deseja se inserir, sendo que o tamanho do mercado tem que ser superior a R$5 bilhões.
- A startup já deve ter desenvolvido algum tipo de base tecnológica, como um software, um programa ou um aplicativo.
Atualmente o EA Angels trabalha em um dos espaços do Instituto Caldeira, com quem fizeram um termo de cooperação. Para o futuro, o grupo planeja intensificar a formação de investidores-anjo para o mercado brasileiro e investir até R$ 3 milhões em startups ainda em 2022. O EA está em processo de formulação dos contratos para realizar seu segundo investimento.
— A gente conecta bons empreendedores com bons investidores. Estamos interessados em trazer para cá padrões mundiais que dão certo, aplicá-los no Brasil — conclui Luan.