Esta é uma história daquelas que mostram que nunca é tarde para aprender, e que também sempre é possível ajudar o próximo. É a história da auxiliar de serviços gerais Carmem Regina Estreito da Fonseca, 49 anos, que recentemente decidiu aprender a ler e escrever, e da pensionista Maria Beatriz Piccini Borges, 59 anos, que, comovida pela falta de internet da vizinha, resolveu compartilhar seu sinal de wi-fi.
Carmem, que é de Viamão, não conseguiu ir à escola quando deveria. Frequentou a 1ª série, mas nem chegou a completá-la. Perdeu o pai ainda jovem. Problemas ocasionados pela depressão a afastaram dos estudos.
– Minha mãe passou muito trabalho comigo – recorda.
Pouco depois dos 20 anos, Carmem deixou a casa da mãe. Engravidou pela primeira vez aos 25. Teve duas filhas – Kátia, 24 anos, e Amanda, 19 –, mas sempre foi mãe solteira. O tempo ocupado pelo trabalho e a criação das gurias nunca a deixou espaço para a educação.
Trabalhando há 10 anos no Retiro de Yoga e Meditação Ananda Marga, em Viamão, Carmem se afirmou nas funções ligadas aos serviços gerais. Com o passar do tempo, começou a dominar também as panelas, aprendendo com os cozinheiros do local. Entretanto, o sonho de dedicar-se ainda mais à culinária tinha um empecilho: não saber ler nem escrever. Uma das integrantes do grupo levou Carmem até o Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee-RS), no centro da Capital, e a incentivou para fazer a inscrição no curso de alfabetização realizado ali.
Para estar mais próxima, Carmem mudou-se para a Capital, alugando um pequeno espaço na Vila Farrapos. Como o local de trabalho também tem uma sede em Porto Alegre, pôde continuar se dividindo entre a cozinha e os serviços gerais.
A volta aos estudos foi em julho do ano passado. Porém, para Carmem, os desafios não param. No final do ano passado, enquanto voltava do trabalho, foi atacada e agredida nos arredores do Parque da Redenção, sem motivação aparente. Com fraturas no rosto e na costela, precisou passar por cirurgias e se afastar dos estudos.
– Sou grata aos meus amigos e, principalmente, aos professores do Ciee-RS que me ajudaram nesse período, não me deixando desassistida em nenhum momento – agradece Carmem.
"Nunca é tarde para tentar"
Recuperada dos ferimentos, Carmem voltou aos estudos, mas as aulas foram suspensas em razão da pandemia. Com o passar dos meses, as atividades reiniciaram por meio do WhatsApp, para que os alunos do programa de alfabetização não perdessem o ritmo de aprendizado. O problema é que a renda de Carmem cobre apenas as despesas básicas.
O pacote de internet fica de fora. De casa, ficaria impossível estudar. Então, aí surge o segundo sopro de esperança desta história. Em uma falta de luz no prédio, ela conheceu uma das vizinhas, a pensionista Maria Beatriz Piccini Borges, 59 anos.
Ao relatar a dificuldade para seguir com os estudos por não ter internet em casa, Maria respondeu de pronto que poderia compartilhar a senha de seu wi-fi.
– Gostei da Carmem desde o primeiro dia que a vi, parece que foi um encontro dos nossos anjos. E quando ela falou que só faltava a internet para conseguir estudar, vi que era algo que eu poderia ajudar. Ela merece ser ajudada, é uma mulher muito batalhadora, uma pessoa muito boa. E se podemos fazer algo para ajudar alguém, porque não fazer? – diz Maria.
Agora, com internet e a possibilidade de estudar em casa, Carmem está realizada. Já aprendeu a escrever o próprio nome. O sonho é embalar nos estudos, frequentar um curso de Educação para Jovens e Adulto (EJA), conseguindo a obtenção dos certificados de Ensino Fundamental e Médio, para depois ingressar de vez na área que tanto admira, a culinária.
– Eu vou fazer 50 anos e estou tendo essa chance maravilhosa. Nunca é tarde para tentar algo que a gente gosta – aconselha a cozinheira sonhadora.
O curso
- O Programa de Alfabetização do Ciee-RS foi criado no ano de 1998 e atende a uma parcela da população que não teve acesso ao ensino regular.
- A meta do programa é inserir jovens, adultos e idosos no mundo da leitura e da escrita, reduzindo, assim, os índices de analfabetismo absoluto e funcional.
- Em tempos normais, os encontros acontecem na unidade do Ciee-RS no Centro Histórico, nos turnos da manhã e tarde. O curso é totalmente gratuito, inclusive, os materiais didáticos.
- Em virtude da pandemia, as aulas são online, via WhatsApp. Ainda assim, as inscrições estão sempre abertas.
- A qualificação é restrita a moradores de Porto Alegre e Região Metropolitana.
- Informações sobre inscrições podem ser obtidas pelo telefone (51) 99961-5145, com Camila Alves.
- Também é possível entrar em contato pelo e-mail: camila.alves@cieers.org.br.