O Conselho Nacional de Educação (CNE) discute, desde o começo deste mês, uma proposta para regulamentar as mudanças aprovadas no ano passado com a reforma do Ensino Médio. Entre as medidas previstas está a oferta de até 40% da carga horária da etapa na modalidade a distância. Para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), a ideia é que 100% do curso possa ser ofertado fora da escola.
A proposta de alteração nas Diretrizes Curriculares do Ensino Médio foi apresentada aos conselheiros no dia 6 de março. O tema foi abordado em reportagem desta terça-feira (20) do jornal Folha de S.Paulo, que aponta a participação de integrantes do governo do presidente Michel Temer nos debates sobre as diretrizes. Em nota, o Ministério da Educação (MEC) disse que não encaminhou nenhuma sugestão à proposta em análise e que discorda do seu conteúdo.
GaúchaZH teve acesso à íntegra do documento, apresentado pelo presidente do Conselho Nacional de Educação e secretário estadual de Educação de Santa Catarina, Eduardo Deschamps, e pelo diretor do Senai Rafael Lucchesi, relator da proposta. Além da educação a distância, o texto de 21 páginas prevê que o estudante poderá comprovar parte da carga horária do Ensino Médio com trabalhos voluntários.
A proposta diz que as atividades a distância poderão contemplar até 40% da carga horária total do Ensino Médio e incidir tanto na parte comum quanto na flexível do currículo. Pela reforma do Ensino Médio, 60% do tempo será destinado à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o restante será dividido em cinco itinerários formativos que o estudante supostamente poderá optar: linguagens, ciências humanas, ciências da natureza, matemática e formação técnica profissional. Assim, toda a parte flexível poderia ser preenchida por atividades fora das escolas.
Pelo texto, as redes de ensino terão autonomia para definir como será feita a oferta do ensino a distância, que dependerá de suporte tecnológico e pedagógico adequado.
O conselheiro do CNE César Callegari questiona a posição do MEC de que não se envolveu com a proposta. Para ele, as diretrizes em discussão receberam o aval da pasta e configuram uma tentativa de antecipar a implementação da reforma do Ensino Médio, que esbarra nas dificuldades enfrentadas pelas redes de ensino para ofertar diferentes itinerários de formação aos estudantes.
A tentativa é regulamentar para abrir o mais rápido possível esses cursos a distância, que na realidade são um engodo porque fazem de conta que os estudantes terão acesso ao conhecimento, mas sem a garantia mínima de eficiência
— A tentativa é regulamentar para abrir o mais rápido possível esses cursos a distância, que na realidade são um engodo porque fazem de conta que os estudantes terão acesso ao conhecimento, mas sem a garantia mínima de eficiência — afirma, ao reforçar que é uma solução precária diante da falta de professores e de estrutura adequada nas instituições de ensino para viabilizar uma educação de qualidade.
Já o presidente do CNE diz que haverá cuidado para não precarizar a oferta do Ensino Médio. De acordo com Deschamps, a proposta ainda é preliminar e depende de debates no Conselho, que devem se estender ao longo dos próximos meses.
— Se é o melhor modelo ou desenho, esses debates ao longo dos próximos meses vão apontar para a gente se é o caminho a seguir. Mas ele certamente é inovador, traz um componente que até agora não estava sendo esperado na educação nacional — afirmou em entrevista ao Diário Catarinense.
Se é o melhor modelo ou desenho, esses debates ao longo dos próximos meses vão apontar para a gente se é o caminho a seguir. Mas ele certamente é inovador
Adequações à reforma do Ensino Médio
A oferta da educação a distância já estava prevista na lei que instituiu a reforma do Ensino Médio, sancionada em fevereiro do ano passado. A diferença é que as novas diretrizes regulamentam a carga horária para essas atividades. Para entrar em vigor, as mudanças precisariam ser aprovadas no CNE e, depois, homologadas pelo Ministério da Educação. O ministro Mendonça Filho manifestou que deve vetar a proposta.
No Rio Grande do Sul, mais de 70% dos municípios têm apenas uma escola pública de Ensino Médio, o que dificulta a oferta de diferentes opções de formação aos estudantes. Em todo o Brasil, a média é de 50%. A diretora pedagógica da Secretaria Estadual da Educação, Sônia Rosa, reconhece as dificuldades para garantir a implementação de um currículo flexível e diz que as atividades a distância são um complemento. No entanto, ela não concorda com o percentual de 40%.
— Percebo com bons olhos (as novas diretrizes), mas não com esse percentual de 40%. Acho que podemos fazer alguns ensaios, alguma proposta de ensino a distância dentro da disciplina presencial, seria algo semipresencial, com acompanhamento mais efetivo do professor.
De acordo com ela, é preciso debater mudanças diante da realidade de um Ensino Médio estagnado desde 2011 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), avaliação que mede o desempenho dos estudantes em provas de português e matemática, e com alta evasão. Para a diretora, as ferramentas tecnológicas terão de ser inseridas nesse contexto de mudanças.
Hoje, aulas são 100% presenciais
Segundo Sônia, nenhuma escola da rede estadual tem aulas na modalidade a distância, ou seja, 100% das atividades são presenciais. Mesmo com a brecha aberta com a reforma do Ensino Médio e com a possibilidade de aprovação das novas diretrizes, ela diz que mudanças só serão efetivadas após a aprovação da base curricular do Ensino Médio, que deve ser apresentada pelo Ministério da Educação até abril e ainda depende de tramitação no CNE.
O mesmo entendimento tem o presidente do Sindicato do Ensino Privado (Sinepe-RS), Bruno Eizerik. Ele projeta que mudanças só ocorrerão a partir de 2021, já que a lei prevê a implementação da reforma dois anos após a aprovação da base curricular. Assim como a diretora da Seduc, Eizerik é otimista com as mudanças, mas diz que é preciso discutir melhor a forma como o ensino a distância poderia ser ofertado nas escolas.
— Ser a favor ou contra neste momento é muito prematuro. Se tivermos investimentos em educação, infraestrutura e gerenciamento desse tempo, eu não vejo porque não (ofertar a EAD). Além disso, não será obrigatória à instituição — disse em entrevista à Rádio Gaúcha.
Para a presidente do Cpers Helenir Schürer, a medida poderia desqualificar o Ensino Médio. Também em entrevista à Gaúcha, a representante do sindicato afirmou que dificilmente haveria fiscalização para saber se os alunos, de fato, estão acompanhando as atividades.
— Muitas vezes a escola é o único espaço onde os professores podem identificar carências. Quem vai fiscalizar o aproveitamento dos alunos na modalidade a distância?. Na nossa visão, é um crime. Abre-se a possibilidade de formar semianalfabetos.