Anunciado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o Programa de Repatriação de Talentos - Conhecimento Brasil tem sido comemorado com ressalvas pelos pesquisadores brasileiros. A iniciativa, que visa combater a “fuga de cérebros”, prevê o investimento de R$ 1 bilhão nos próximos anos para incentivar o retorno de cientistas brasileiros que migraram para o Exterior e a participação desses profissionais em projetos locais.
O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine, destaca que a iniciativa é bem-vinda, uma vez que é importante dar condições para que os cientistas brasileiros retornem ao país, mas diz que não acredita que bons cientistas voltem ao Brasil por dinheiro.
— Eu acredito que bons cientistas que queiram voltar virão para cá porque sentem um compromisso com o Brasil, porque em termos de valores, o Brasil não é competitivo. Cientistas, vamos dizer, de “alto gabarito”, têm mais recursos do que isso, e não estou falando de salário no bolso, mas de qualidade de laboratórios e acesso a material, o que se tornou muito caro nas últimas décadas. Então, para quem o dinheiro é fundamental, esse programa não é extremamente atrativo — avalia Janine.
O pesquisador deixa claro que ninguém é contra a medida, propriamente, mas que existe uma preocupação da comunidade acadêmica de que a iniciativa gere sacrifícios para os cientistas que seguem trabalhando no Brasil mesmo com “todo o desastre que foram os últimos anos, toda a perseguição na ciência, todo o corte de verbas”. Janine considera importante investir em quem está no país, que, muitas vezes, encontra poucas perspectivas de atuação, diante de falta de concursos públicos e vagas, que são mais almejadas do que bolsas, que não são permanentes.
Helena Nader, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), também afirma não ser contra a iniciativa, mas diz que critica o descuido “dentro de casa”.
— Quando eu vejo o valor da bolsa de mestrado e de doutorado, que é para uma pessoa que já fez uma faculdade, ela não consegue sobreviver com aquele recurso. Por isso, a demanda diminuiu, ainda mais que essas pessoas não têm vale-refeição, vale-transporte, plano de saúde. Os benefícios concedidos por esse programa são extremamente importantes, mas não estamos oferecendo o mesmo para quem está aqui segurando a tocha — pontua Helena.
Para a acadêmica, quando a demanda por bolsas registrada nas chamadas de órgãos como o CNPq é muito maior do que o número de bolsas abertas, a mensagem passada aos jovens é de que não há emprego para eles no Brasil, e é assim que a “fuga de cérebros”, mais comumente chamada entre os pesquisadores de “diáspora científica”, passa a acontecer.
— A gente tinha que fazer um programa em parceria com a indústria que dissesse “vamos, vocês entram com um valor, nós com outro, e vamos pôr esses jovens dentro da indústria, para fazer a neo-industrialização, que vai depender das neo-cabeças desses jovens” — pondera a presidente da ABC, que ressalta que o país forma bons cientistas e o Exterior “leva de graça”, sem ter que investir.
Os benefícios concedidos por esse programa são extremamente importantes, mas não estamos oferecendo o mesmo para quem está aqui segurando a tocha.
HELENA NADER
Presidente da Academia Brasileira de Ciências
Diretora de Ciências do Instituto Serrapilheira, Cristina Caldas observa que o Conhecimento Brasil é um programa muito “válido, estratégico e louvável”, e que atende a uma demanda antiga dos pesquisadores. Em sua visão, são necessárias políticas públicas diversas para atender e se conectar com essa diáspora, formada por cientistas que querem voltar e outros que não querem.
— A única questão é que um programa desse tamanho e desse alcance deveria vir acompanhado de um projeto que modernize os processos burocráticos associados à execução dos recursos da ciência. Há uma série de desafios enfrentados pelos cientistas brasileiros que precisam ser revisitados, para que o ambiente fique dinâmico, atrativo, internacionalizado e diverso tanto para quem está aqui agora, quanto para quem quer vir — analisa Cristina.
Uma das defesas da diretora do Serrapilheira é que a ciência conte com um “financiamento robusto e ininterrupto”, pois a falta de previsibilidade gera insegurança nos pesquisadores sobre dar continuidade a grandes projetos. Cristina indica, ainda, a necessidade de dar agilidade e flexibilidade ao uso e ao acesso aos recursos da ciência, que, hoje, são muito amarrados a rubricas que geram uma grande carga burocrática aos cientistas e os impedem de, por exemplo, mudar os rumos dos seus projetos, o que é natural nesse meio.
Essa flexibilização também permitiria algo comum em outros países, mas raro no Brasil: a permissão de dupla filiação, que autorizaria um cientista a atuar de forma permanente, por exemplo, em universidades de dois países distintos, ou em uma instituição de ensino e uma empresa.
Há uma série de desafios enfrentados pelos cientistas brasileiros que precisam ser revisitados, para que o ambiente fique dinâmico, atrativo, internacionalizado e diverso.
CRISTINA CALDAS
Diretora de Ciências do Instituto Serrapilheira
— A gente tem talentos incríveis lá fora, que são desconectados do Brasil e querem estar conectados. Esse programa é uma oportunidade de oferecer uma ferramenta de reconexão, mas precisamos pensar políticas que contemplem a diversidade da diáspora. Tem gente que quer voltar, mas tem gente que quer ficar. Para esses últimos, podemos permitir dupla filiação, permitir que venham com mais frequência, participem de bancas, enfim. Precisamos abrir os poros de conexão entre o Brasil e a sua diáspora — resume Cristina.
O perfil da diáspora
A pesquisadora Ana Maria Alves Carneiro da Silva, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), estuda sobre a diáspora científica desde 2017. No ano passado, lançou, por meio do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (Nepp), um questionário para traçar o perfil dos componentes desse grupo de cientistas que migraram. O resultado foram 1,8 mil respostas, sendo 1,2 mil delas completas e dentro dos critérios estabelecidos.
Quase metade (49%) era formada por doutorandos e professores/pesquisadores permanentes no Exterior. Outros 17% eram pós-doutorandos e 15% eram professores/pesquisadores com contrato por tempo determinado. Sete em cada 10 eram brancos. Em todos os quatro principais perfis, o país onde moravam era os Estados Unidos.
Algo que chamou muito a atenção de Ana foi a quantidade expressiva de pessoas que, apesar de estarem no Exterior, estão inseridas em pesquisas feitas no Brasil ou com pesquisadores brasileiros, o que varia entre 40% e 80%. Sobre a possibilidade de retornar para o país, 44% dos doutorandos, 51% dos pós-doutorandos e 40% dos professores e pesquisadores com contrato por tempo determinado voltariam ao Brasil em função de oportunidades de emprego.
— É importante levarmos em conta a diversidade desses membros da diáspora, porque eles têm interesses diferentes, mas têm um traço em comum, que é essa vinculação, ainda, com o Brasil, alguns com interesse em retornar — salienta a pesquisadora.
A possibilidade de retornar com um vínculo parcial, como a dupla filiação, também foi algo destacado pelos respondentes como uma condição importante para a sua volta.