Carlos André Bulhões Mendes afirma que o processo que busca destituí-lo do cargo de reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) tem natureza política, partidária e ideológica. O acadêmico reforça ter seguido à risca o rito necessário para exercer o cargo e que não tem relação com o ex-presidente Jair Bolsonaro, que o indicou para a função.
A destituição de Bulhões e da vice-reitora, Patrícia Pranke, foi aprovada pelo Conselho Universitário (Consun) nesta sexta-feira (1º), com anuência de 60 dos 77 conselheiros. A decisão final sobre o pedido será do Ministério da Educação (MEC), o que não tem prazo para ocorrer.
Por uma chamada de vídeo, Bulhões conversou com GZH na tarde desta sexta-feira.
Qual o seu posicionamento sobre o pedido de impeachment?
Desde o início tive rejeições, mas eu me concentro no plano administrativo, de fazer a universidade funcionar. O plano político, partidário ou ideológico, inclusive manifestado no Consun, eu não me envolvo, inclusive porque o estatuto da universidade veda isso. Não sou vinculado a nenhum partido.
Por que não querem o senhor à frente da UFRGS?
É uma rejeição política, partidária e ideológica. Estou há 40 anos dentro da universidade, obtendo resultados com alunos e projetos. Sempre cumpri à risca, fiz absolutamente tudo que eu podia fazer. Tenho as condições, tenho o currículo (para ser reitor). Participei de um pleito no qual obedeci às regras. Todos os candidatos assinaram os mesmos documentos.
Por que o senhor quis ser reitor?
Foi por uma circunstância. Inicialmente, eu não pensava em ser reitor, estava apenas ajudando uma chapa. Em 2019, o cabeça dessa chapa disse que não queria mais concorrer e aquele grupo que tinha se formado “apontou” o dedo em minha direção. Eu disse que não sabia se tinha condições políticas e fui falar com pessoas externas da universidade, que me disseram que eu tinha, sim. Concorri sem maiores pretensões, diziam que eu era o “patinho feio”. Vi pela mídia a indicação (de Bolsonaro para o cargo) e não acreditei: liguei para Brasília para saber se aquilo era verdade ou não.
Uma das alegações dessa destituição é ser negacionista e anticientífico. Como o senhor responde a isso?
Sou engenheiro civil, tudo que eu faço baseia-se em metodologia de pesquisa científica, em refutar, levantar, formular hipóteses de trabalho, aprovar ou refutar essas hipóteses. Por que eu sou negacionista? Esta é uma pergunta que deve ser feita para a pessoa que me colocou isso: eu neguei o quê?
Qual é a sua relação com o ex-presidente Jair Bolsonaro?
Nunca falei com ele pessoalmente, também não tenho nenhum grau de amizade com os membros da família (Bolsonaro). Se falasse com ele, agradeceria a indicação do meu nome e diria que retribuiria a escolha trabalhando muito, que é, de fato, o que estou fazendo. Já fui três vezes ao Palácio do Planalto no governo Lula, sempre com características institucionais. Meu relacionamento com o governo federal é dentro da estrutura do MEC.
O senhor gostaria de participar da próxima eleição para a reitoria da UFRGS?
Não. Vou cumprir meu mandato, tenho uma responsabilidade institucional e a meta é acabar o meu período. No ano que vem, vou completar 40 anos de serviço público: não é o cargo de reitor o mais importante, mas toda a trajetória até chegar aqui, que gerou grandes resultados. Ser reitor é algo que demanda muita energia e trabalho. A ideia é a de me aposentar.
Qual foi a sua principal contribuição para a universidade nos três anos de gestão?
Sem sombra de dúvida foi a estrutura organizacional. Hoje temos o maior percentual de assistência estudantil entre todas as universidades brasileiras, o que é fruto do processo de gestão. Hoje estamos, por exemplo, servindo 10 mil refeições por dia. A universidade não é um banco, não tem uma caderneta de poupança, nem visa lucro. Apertamos de um lado para sobrar recursos para outro, e aplicá-lo na atividade final.
E qual foi a maior dificuldade nesses três anos à frente da UFRGS?
São orçamentos completamente diminutos. Este ano, deveríamos ter algo como R$ 260 milhões para fazer a universidade funcionar. Entramos no ano com R$ 127 milhões. Veio a recomposição no início do governo Lula e ganhamos mais R$ 45 milhões. Só que, no ano que vem, há indicativos de queda de novo. Isso significa que essa tensão de enfrentar recursos em queda ou contingências vai permanecer.
O baixo interesse em licenciaturas é uma constante em todo o Brasil e também ocorre na UFRGS. Como mudar esse cenário?
A UFRGS não vai fechar nenhum curso de licenciatura, mas universidades comunitárias ou privadas têm essa tendência. É uma situação multifatorial. Nossa rede de professores está envelhecendo e não está sendo reposta. Daqui a alguns anos, talvez, não tenhamos mais professores suficientes. Além da parte salarial, existe a questão do respeito em função que se perdeu por uma mudança cultural e mudança de hábitos. Outro fator é que o país não está se preparando para a transição demográfica, pois estamos ficando mais idosos. Várias outras estruturas públicas não estão sendo preparadas também para o envelhecimento da população e a educação está incluída nisso.
Por outro lado, faculdades do Ensino A Distância (EAD) têm recebido muitos alunos para licenciaturas. As federais estão atrasadas no EAD?
É uma solução que pode funcionar. Vim de uma universidade pequena em um curso que, há 40 anos, era considerado ruim no Nordeste. Mas, para mim, ela foi a mais importante porque abriu as portas para estar na UFRGS, estudar na Europa e nos Estados Unidos. Foi ela que criou a oportunidade. Mesmo tendo algo ainda mais simples, é preferível que tenha do que não tenha. O próprio mercado vai regular o EAD, mas eu insisto que o trabalho de regulação do MEC pode e deve ser um pouco mais exigente.