A partir desta terça-feira (10), após 60 anos do início do regime militar brasileiro, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) terá sua própria Comissão da Memória e da Verdade. Formado por professores, alunos e técnicos administrativos, o grupo terá a missão de identificar e revelar os atos arbitrários que atingiram e cercearam a autonomia universitária, as liberdades individuais e os direitos humanos na comunidade da UFRGS entre 1964 e 1988.
Ao longo de dois anos, a comissão irá reunir, organizar e divulgar registros relativos a estas violações durante o período da ditadura militar. Ao final dos trabalhos, previsto para dezembro de 2026, será produzido um relatório com a sistematização dos materiais e atividades da comissão. Além disso, será criado um site para disponibilizar os documentos digitalizados.
— É uma honra muito grande poder trazer luz a estes casos que aconteceram dentro da universidade, para que nunca mais aconteçam. Por isso, a importância do direito à memória e à verdade. Com a comissão, pretendemos impulsionar muitas pesquisas e processos de aprofundamento desse tema — afirma a coordenadora do grupo, Roberta Baggio, professora da Faculdade de Direito da UFRGS.
O grupo foi batizado de Comissão da Memória e da Verdade “Enrique Serra Padrós”. Trata-se de uma homenagem ao professor do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da UFRGS, que contribuiu amplamente nas pesquisas sobre regimes autoritários na América Latina e faleceu em 2021.
Em 2019, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (MPF) já havia emitido recomendação orientando a instituição de uma comissão da verdade no âmbito da UFRGS. Os membros do grupo serão empossados em cerimônia no Salão de Atos da UFRGS nesta terça-feira (10), que marca o Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Espaço de resistência
Durante o período do regime militar no Brasil, as universidades foram foco de perseguição política. Diversos professores e estudantes organizaram grupos de oposição à ditadura, o que gerou uma série de retaliações e intervenções. No Rio Grande do Sul, a UFRGS foi um dos principais espaços de resistência ao regime autoritário instaurado em 1º de abril de 1964.
— A ditadura interrompe o curso de vida das pessoas, o espaço de trabalho e a possibilidade de jovens encerrarem seus percursos no Ensino Superior. Alguns deles foram perseguidos e mortos — ressalta Roberta.
Entre 1964 e 1969, muitos docentes foram afastados arbitrariamente da instituição. Foram identificados pelo menos 41 casos de expurgo, conforme a pesquisa de mestrado do historiador Jaime Valim Mansan. Nesse período, também sofreram perseguição técnicos administrativos e estudantes que fossem considerados subversivos ou opositores do regime.
Segundo Roberta, o papel da comissão é também celebrar a democracia e dar acesso à memória, para que as novas gerações tenham a dimensão do que aconteceu. A UFRGS tem desenvolvido pesquisas e iniciativas nesse sentido.
Em agosto de 2022, a universidade revogou os títulos de professor honoris causa e doutor honoris causa concedidos em agosto de 1967 e junho de 1970, respectivamente, a Emílio Garrastazu Médici, terceiro presidente do período ditatorial. Artur da Costa e Silva também teve o título de doutor honoris causa cassado pela UFRGS.
Alunos da universidade criaram um mapa digital que localiza espaços de violações dos direitos humanos durante a ditadura militar em Porto Alegre, com mais de 200 pontos mapeados. O projeto Caminhos da Ditadura em Porto Alegre inclui caminhadas pelos locais simbólicos.