Correção: os votos são sigilosos, portanto, não é possível identificar quem votou contra e a favor, como mostrava a reportagem entre 16h15min do dia 19 de agosto e 11h20min de 26 de agosto. O texto foi corrigido.
Mais de 50 anos depois de conceder os títulos de Doutor Honoris Causa aos presidentes militares Arthur da Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici, o Conselho Universitário (Consun) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) revogou as homenagens em reunião desta sexta-feira (19). Foram 48 votos a favor, um contra e uma abstenção. É a primeira vez que essa honraria é anulada pela instituição.
A decisão, que é definitiva e não pode ser revogada em outra instância, foi baseada em pedido feito em janeiro deste ano por um grupo de professores da UFRGS. O Coletivo Memória e Luta argumenta que, na época em que Costa e Silva e Médici receberam os títulos, em 1967 e 1970, respectivamente, docentes da própria universidade que eram críticos à ditadura sofreram perseguições e foram afastados de seus cargos.
Para fundamentar sua solicitação, o grupo encaminhou um dossiê com fatos que relacionam essas violações aos anos em que os dois militares ocuparam a presidência, entre 1967 e 1974, fase considerada a mais violenta da ditadura no Brasil. O documento foi produzido pelo professor Enrique Serra Padrós, especialista em pesquisas sobre o regime militar, que morreu em dezembro de 2021.
No parecer, o grupo também trouxe números de professores da UFRGS que foram demitidos por se opor à ditadura ou mesmo aposentados compulsoriamente. Foram 18 profissionais afastados em 1964 e outros 23 no ano de 1969, dados retirados da dissertação de mestrado Os Expurgos na UFRGS: Afastamentos sumários de professores no contexto da Ditadura Civil-Militar (1964-1969), defendida em 2009 por Jaime Valim Mansan na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Para a professora Regina Xavier, do Departamento de História da UFRGS e integrante do Coletivo Memória e Luta, anular os títulos de Doutor Honoris Causa dos ex-presidentes militares é uma forma de corrigir injustiças cometidas contra os docentes que tiveram seus cargos prejudicados, mesmo que mais de 50 anos depois.
— Estamos falando de intelectuais do Rio Grande do Sul que tiveram trabalhos importantes, como Carlos Maximiliano Fayet, da Arquitetura, Ernani Maria Fiori, da Filosofia, que foram aposentados sumariamente. Alguns, inclusive, ainda estão vivos, como Cláudio Francisco Accurso, da Economia. Revogar esses títulos é fazer justiça a eles, às suas famílias, aos seus netos. É recuperar a honra da UFRGS, reconstituindo a missão básica da universidade de garantir os direitos humanos. Não podemos ser coagidos e constrangidos como fomos durante a ditadura — diz.
O professor Fernando Pulgati, do Departamento de Estatística da UFRGS, entende que anular os títulos não é uma decisão que representa a maioria da sociedade. Dentro do Consun, apenas ele propôs um parecer alternativo, também chamado de parecer de vista.
— Eu aposto em uma universidade que olha para frente. O que está sendo feito hoje é um desejo de uma parcela da comunidade universitária e de uma parcela da sociedade. Não representa o todo. Não estou defendendo A nem B — frisou.
Presidente do Consun, o reitor da universidade, Carlos André Bulhões, não esteve presente na reunião. A reportagem entrou em contato com a assessoria da instituição, mas até a publicação desta reportagem não teve retorno.
De acordo com o Estatuto e Regimento Geral da UFRGS, o título de Doutor Honoris Causa é um reconhecimento oferecido a “personalidades que se tenham distinguido na vida pública ou na atuação em prol do desenvolvimento da universidade, do progresso das ciências, das letras e das artes”. Desde 1949, já foram concedidas 70 honrarias desse tipo.