O Conselho Universitário (Consun) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) decidiu pelo impeachment do reitor, Carlos André Bulhões Mendes, e da vice-reitora, Patrícia Pranke. A destituição da atual gestão foi aprovada por 60 dos 77 conselheiros do Consun, houve dois votos contrários e três abstenções. Doze não votaram. Embora o conselho tenha aprovado a saída da atual reitoria das funções, o parecer final depende de avaliação do Ministério da Educação (MEC), o que não tem prazo para ocorrer. A atual gestão foi nomeada pelo então presidente Jair Bolsonaro, em 2020.
Em nota divulgada na quinta-feira, a Reitoria da UFRGS afirmou que "independentemente do resultado no Conselho, todas as alegações de supostas irregularidades foram arquivadas pelas instâncias técnicas e jurídicas, que têm reconhecido a probidade dos atos da gestão". Nesta sexta-feira (1º), em entrevista a GZH, Bulhões afirmou que o processo trata-se de uma "rejeição política, partidária e ideológica".
A sessão do Consun ocorreu na manhã desta sexta, no prédio da Reitoria. Cerca de 100 pessoas estavam presentes, e a maioria vibrou com o anúncio da decisão, aplaudindo e gritando palavras de ordem como "fora Bulhões!" e "fora reitoria interventora!".
Além dos integrantes do colegiado e de professores, marcaram presença representantes sindicais e do corpo discente, incluindo militantes de organizações do movimento estudantil, com cartazes de apoio ao impeachment.
— O resultado dessa votação representa nossa manifestação de repúdio a essa gestão que vem praticando o autoritarismo. Esperamos que esse pedido não fique parado no MEC e que a manifestação da universidade tenha o devido encaminhamento — diz Tamyres Filgueira, que integra a comissão especial.
Na ausência do reitor e da vice, que se manifestaram impedidos de participar da reunião, a responsável por presidir a sessão foi a decana Laura Banach Jardim. Também estava na mesa coordenando a atividade Rosemeri Antunes dos Santos, secretária do Consun.
Na sessão, que se iniciou pouco antes das 9h, os conselheiros avaliaram um parecer apresentado pela comissão especial paritária do Consun. Foi realizada a leitura do relatório de mais de 90 páginas, que apresenta indícios para embasar o pedido de destituição. A solicitação foi assinada por 39 docentes da UFRGS e apresentada ao Consun ainda em março deste ano. A leitura do documento durou cerca de três horas.
Depois disso, a conselheira Laura Banach leu uma manifestação enviada ainda na manhã desta sexta-feira pela vice-reitora. Em seguida, seria o momento das manifestações dos conselheiros, mas o grupo decidiu por antecipar a votação, para que a decisão fosse anunciada o quanto antes. Os conselheiros votaram por meio de um dispositivo eletrônico, indicando se tinham posição favorável ou contrária à destituição da chapa. Em pouco menos de um minuto saiu o veredito, revelando o apoio da grande maioria dos integrantes do colegiado ao impeachment.
Por fim, os conselheiros tiveram a chance de fazer suas manifestações de até três minutos, antes do final da sessão, que acabou por volta das 13h30min.
— Foram constatadas diversas irregularidades. Independentemente de faltar um ano ou uma semana para o término da gestão, é papel fundamental do conselho levar esses fatos a conhecimento público e dos órgãos responsáveis. Agora, o Consun encaminhará ao MEC e ao MPF os documentos, e a partir disso vamos aguardar uma deliberação do ministério — explica Natalia Pietra Mendez, presidente da comissão especial responsável por elaborar o parecer.
Próximos passos
Segundo explica Natalia, caso o pedido do Consun seja acatado pelo MEC, será nomeado um reitor pró-tempore, ou seja, alguém que ocupará o cargo da gestão até o final do mandato, que ocorre em setembro de 2024. Conforme o artigo 6º do Decreto nº 1.916/1996, no caso de vacância do cargo de reitor, deve ser organizada nova lista tríplice para apreciação do presidente, no prazo de no máximo 60 dias.
O relatório indicou que há indícios suficientes para a destituição da gestão, nomeada em 2020. O texto cita, por exemplo, “ações e omissões que comprometem o adequado funcionamento da universidade, com destaque para a desarticulação e os conflitos com os conselhos superiores e direções de unidades”, e “posturas e decisões anticientíficas e negacionistas da reitoria interventora”.
O Consun é a instância máxima deliberativa da instituição de ensino, que é presidida pelo próprio Bulhões. Por ele não pautar o tema — o próprio impeachment —, os conselheiros fizeram um pedido de autoconvocação para que o assunto fosse tratado na reunião do Consun no último dia 24. Mas isso não ocorreu porque Bulhões e Patrícia se manifestaram sobre o assunto.
Para que a pauta fosse avaliada pelo Consun, os conselheiros adotaram a estratégia de uma autoconvocação para a análise do pedido: para isso, foi preciso reunir a assinatura de um terço do grupo (26 integrantes): por fim, o documento teve assinatura de 57 dos 77 conselheiros. A comissão especial foi montada para fazer um parecer sobre os argumentos trazidos para embasar o pedido.
Histórico da discussão
Esta é a segunda vez que a dupla enfrenta um pedido de destituição de seus cargos. Após conflitos envolvendo a forma como a reitoria conduziu a reforma administrativa da universidade, um pedido de impeachment dos dois foi feito e aprovado pelo Consun. A requisição foi encaminhada ao Ministério da Educação, que a arquivou, impedindo que o processo fosse adiante.
Essas foram as duas únicas vezes na história em que foi aprovada pelo Consun a destituição da reitoria, levando em consideração o atual regimento da UFRGS, que conta desde 1994 com um dispositivo que trata sobre a destituição dos gestores. Até a gestão Bulhões-Patrícia, esse instrumento não havia sido acionado.
Leia a íntegra da nota da Reitoria da UFRGS:
"A Reitoria da UFRGS recebe com tranquilidade o pedido de destituição que será apreciado pelo Consun. Independentemente do resultado no Conselho, todas as alegações de supostas irregularidades foram arquivadas pelas instâncias técnicas e jurídicas, que têm reconhecido a probidade dos atos da gestão. Por estas razões, inclusive, 13 decanos do Consun se negaram a conduzir a sessão desta sexta-feira.
Lamentamos que esses movimentos ocorram enquanto a UFRGS acumula bons resultados e reconhecimentos nacionais e internacionais. Estamos na ponta de mais de 25 rankings que atestam a excelência da universidade - exemplo do Ranking Universitário Folha, divulgado na última semana, no qual somos a melhor federal do país. E esta semana recebemos dois prêmios do Ministério da Educação por trabalhos da gestão, durante o 1° Concurso de Boas Práticas do MEC.
Ainda este ano, fomos lembrados como a terceira melhor universidade do país no Times Higher Education, a quinta melhor do Brasil no Center for World University Rankings e a 18ª da América Latina e Caribe no QS World University Rankings 2024. Além disso, dos 90 cursos, metade tem nota máxima no Enade.
Mesmo com recursos cada vez mais restritos, por conta das limitações orçamentárias, somos a federal que mais investe na assistência estudantil. Este ano, celebramos a formatura de mais de 180 mil alunos do curso Saúde com Agente, liderado pela UFRGS, que atuarão como agentes comunitários de saúde e de combate a endemias em todo o Brasil. E na pandemia, as ações da universidade beneficiaram milhões de pessoas, com a realização de testes, barreira sanitária no Aeroporto Internacional Salgado Filho, armazenamento e transporte de vacinas, além de todas as medidas de preservação da comunidade acadêmica.
Essa é a UFRGS que cumpre seu objetivo de ser uma universidade aberta, plural e que contribui com o desenvolvimento do Rio Grande do Sul e do Brasil - e assim seguiremos, com tranquilidade e muito trabalho, até o final desta gestão."