Estabelecido neste ano letivo, um novo formato de recuperação de notas nas escolas estaduais gaúchas tem dividido opiniões de estudantes e professores da rede. Nomeada como Estudos de Recuperação Contínua, a modalidade prevê atividades avaliativas que permitem, a cada trimestre, a melhoria da nota daquele período pelo aluno.
Nas redes sociais da Secretaria Estadual de Educação (Seduc), usuários alegam que a ferramenta visa melhorar os índices de aprovação do Estado, e que "forçam" os docentes a passarem seus alunos de ano. Estudantes também reclamam que a medida desvaloriza o esforço daqueles que se dedicam ao longo dos trimestres.
A visão dos entrevistados por GZH, entretanto, é menos contundente. Uma estudante do 2º ano do Colégio Protásio Alves relatou a desorganização com que as atividades estão sendo conduzidas.
— Foi algo que pegou a nós, alunos, de surpresa, porque já tínhamos uma recuperação e, de um dia para o outro, muitos descobriram que precisariam fazer mais uma. Tem muitos colegas que trabalham e estão tendo que tirar um tempo que não têm para fazer essa segunda recuperação — relata.
Em algumas matérias, a adolescente de 16 anos conta que mesmo aqueles que tiraram boas notas, como 8,5 ou 9, estão sendo orientados a fazer a recuperação. Em outras, a participação, para esses, é opcional. Além disso, o cronograma de aplicação envolve dois dias que, na prática, serão de feriadão: 8 e 9 de junho.
— O segundo trimestre vai ser um pouco adiado por conta das atividades de recuperação. Por isso, mesmo quem atingiu a nota acaba sendo prejudicado, porque já estaria tendo conteúdos novos e está passando pela revisão — analisa a estudante.
Problemas estruturais
Presidente da União Gaúcha dos Estudantes Secundaristas (Uges), Anderson Farias considera positivo que sejam oferecidas mais chances para os alunos serem aprovados, mas que outras medidas seriam mais efetivas para reduzir a reprovação.
— Tem escolas, como a Ernesto Dornelles e a Protásio Alves, em que faltam professores. Para aprender, o estudante precisa ter aulas com professores, que deem as orientações para ele. Como o Novo Ensino Médio, as disciplinas estão com uma carga horária menor, então há menos tempo para o aluno aprender. Não somos contra, mas há problemas que vêm antes da recuperação do estudante — observa Anderson.
Alex Saratt, vice-presidente do Cpers, sindicato que representa os professores da rede estadual, avalia que o novo formato dos Estudos de Recuperação adequa a ferramenta, que, no início de 2023, gerou "muito desconforto e insatisfação" à categoria.
— O grande problema tem sido a sobrecarga de trabalho, as exigências cada vez mais burocratizadas, o preenchimento de uma série de planilhas que fazem com que o tempo que os professores dispõem para trabalhar seu conteúdo fique comprometido. Entendemos que a legislação prevê que os estudantes tenham estudos de recuperação e, do ponto de vista pedagógico, é correto, mas, do ponto de vista operacional, isso tem acarretado dificuldades para educadores — pontua Saratt.
O docente ressalta, ainda, que o baixo desempenho dos estudantes pode ter outras razões, para além da dificuldade de entender um conteúdo, o que pode envolver o modelo curricular, as situações de trabalho, o salário dos professores e as boas condições da escola.
— Encontramos dificuldades em todos esses aspectos, e, aí, parece que a solução para a educação deixa de ser resolver questões estruturais e estruturantes, e passa a ser a necessidade de ter um bom desempenho, para, no cansaço, se chegar a uma nota mínima. A ideia de fazer a recuperação ao longo do ano está correta, mas não pode estar desconectada da vida dos estudantes — analisa o vice-presidente do Cpers.
Marcelo Jerônimo, subsecretário de Desenvolvimento da Educação da Secretaria Estadual de Educação (Seduc), destaca que os Estudos de Recuperação Contínua não são uma aprovação automática do aluno, mas, sim, a oferta de novas oportunidades de aprendizagem. O objetivo é acabar com a cultura de achar que a reprovação é um problema só do próprio aluno:
— É um problema para todos nós, porque quando um estudante está com um nível muito abaixo do esperado para aquela etapa, o nível de toda a turma acaba caindo. Por isso, todos têm que estar preocupados: o aluno, o colega, o professor, o gestor e a secretaria como um todo.
No entendimento de Jerônimo, muitas das críticas à ferramenta refletem a ideia de que o aluno que reprova é incompetente.
— Achar que o aluno não entendeu por culpa só dele não está certo. Às vezes, o aluno não tirou uma nota ruim por falta de esforço, mas de oportunidades. Muitos estudantes, na pandemia, tiveram dificuldade de acessar os conteúdos, ou moravam em ambientes familiares impróprios para estudar, ou tinham uma baixa autoestima para se desenvolverem. O olhar precisa ser mais amplo do que só para o cognitivo — afirma o subsecretário.
As atividades dos Estudos de Recuperação, que envolvem revisão dos conteúdos e realização de novas avaliações, ocorrerão em três períodos: de 1º a 9 de junho, de 4 a 15 de setembro e de 7 a 15 de dezembro.