O uso de games na educação é uma realidade cada vez mais presente. Amados por crianças e adolescentes, para além dos jogos pedagógicos, as salas de aula têm sido invadidas por atividades on e offline. Elas envolvem desde sistemas de pontuação, objetivos e recompensas até a programação de games em um verdadeiro mundo de potencialidades que se abre no objetivo de engajar os alunos na construção da sua própria aprendizagem. GZH foi conferir exemplos do uso dos game based learnings - aprendizagem baseada em jogos, em que games desenvolvem determinados aprendizados ou habilidades dos estudantes - e de gamificação - que não são jogos, mas trazem elementos deles - em escolas públicas.
Se em muitas instituições de ensino os professores fazem uso de jogos prontos, a Escola Estadual de Educação Básica Santa Rita, de Nova Santa Rita, possui um projeto desde 2018 no qual os próprios alunos do Ensino Médio desenvolvem games educacionais no contraturno das aulas. Entre monitores e estudantes, cerca de 60 pessoas estão envolvidas no Maker Game. O grupo é dividido entre roteiristas, designers e programadores dos jogos, que, depois de prontos, são levados a competições externas.
Quem coordena os trabalhos é o professor Wagner Camargo, com o apoio da aluna Nicole Martins Silveira. O projeto funciona em um laboratório de criação de games, que já conta com computador, cadeira gamer e bancadas. Neste mês, serão feitos graffitis na sala, a fim de criar um ambiente de liberdade de criação e expressão.
— É uma pegada mais de criatividade e inovação. Queremos ser um local onde aqueles alunos que não se encaixam em nenhum grupo social possam se encaixar. São aqueles alunos que acham que a aula é monótona, mas podem vir aqui desenvolver um jogo e entender na prática o conteúdo de sala de aula — cita Wagner.
Para o docente, a participação em concursos externos, feiras e eventos de outras escolas é importante, porque demonstra aos alunos que aquele projeto pode lhes trazer oportunidades. Ao mesmo tempo, considera fundamental que o laboratório também seja um espaço onde os estudantes possam simplesmente permanecer e se divertir, uma vez que se apropriar do espaço é uma forma de libertação.
— A escola deixou de ser, para os alunos, um lugar legal de ficar, e essas coisas fazem eles quererem estar aqui. Esse recomeço para a educação tem que ser discutido — defende Wagner, que tem ex-alunos participantes do projeto que já estão cursando graduações como Tecnologia da Informação e Matemática.
A escola deixou de ser, para os alunos, um lugar legal de ficar, e essas coisas fazem eles quererem estar aqui. Esse recomeço para a educação tem que ser discutido
WAGNER CAMARGO
Professor na Escola Estadual de Educação Básica Santa Rita
Escolhida como líder do projeto entre os alunos, Nicole entrou no Maker Game em 2021, quando uma conhecida lhe falou do laboratório, ao perceber que a adolescente escrevia e desenhava muito bem. A estudante cria roteiros para os jogos, a partir de debates junto ao grupo sobre elementos objetivos de áreas como História, Artes e Língua Portuguesa e narrativas interessantes de serem usadas. O projeto foi uma bela surpresa para ela:
— Me ajudou muito até em questões psicológicas, porque a pandemia foi muito difícil. Eu estava meio deprimida, com ansiedade. O projeto me ajudou a ter mais autoconfiança, que antes eu não tinha. Quando tu vê que aquilo deu certo, isso cria sonhos.O sonho de Nicole, hoje, é ter sua casa com seus cinco gatos, viver sua verdade e fazer o que gosta. Pretende fazer Psicologia ou Massoterapia e, quem sabe, escrever um livro, já que a vida de roteirista a instigou.— E pretendo sempre apoiar novas gerações no Maker. Levo como um filho meu, que quero, daqui a uns anos, ver que cresceu e ajudou mais gente a ficar mais autoconfiante — projeta a líder.
Jogos personalizáveis
Nem todo o trabalho em sala de aula com games precisa envolver um projeto extenso. Ele pode servir de complemento para as atividades do dia a dia, a partir de softwares personalizáveis, os quais os professores podem simplesmente acrescentar seus conteúdos. A professora Giovana Picolo, que ministra Língua Portuguesa na Escola Estadual de Ensino Médio São Paulo de Tarso, de Pinhal da Serra, utiliza programas como o Jambor, o Google Apresentações, o Google Formulários e o Canva para criar seus games. O uso de ferramentas digitais começou durante a pandemia, errando e acertando.
— O primeiro jogo que eu mandei para os alunos, mandei, sem querer, já com as respostas. Fui aprendendo com o tempo, estudando e com a ajuda deles — conta Giovana.
Um dos desejos da professora era incentivar que seus alunos lessem mais. Criou, então, jogos com partes de narrativas de livros, mas sem contar o final. Percebe que, com isso, muitos estão lendo mais.
— Se dois alunos da minha turma fizerem a leitura, eu já vou ficar realizada. É de pouquinho em pouquinho, mas, como professores, temos a obrigação de atraí-los para os livros — salienta a docente.
A professora Eunice de Moura, da Escola Estadual Cecília Meireles, de Sapucaia do Sul, usa ferramentas como o Scratch, o Classcraft e o Kahoot, todas com jogos prontos que podem ser adaptados. Além dela, os próprios estudantes desenvolvem games nas plataformas, como trilhas, quebra-cabeças e jogos de memória. Ela considera que o engajamento da turma melhorou.
Tem muito aluno que, por mais que tu chame a atenção, dorme ou está desligado da aula. Quando eu trago o Kahoot, por exemplo, eles acordam, porque gostam daquela competição que acontece. Atualmente, acho que a melhor metodologia para eles se engajarem é essa
EUNICE DE MOURA
Professora na Escola Estadual Cecília Meireles
— Tem muito aluno que, por mais que tu chame a atenção, dorme ou está desligado da aula. Quando eu trago o Kahoot (um game de perguntas e respostas que gera um ranking), por exemplo, eles acordam, porque gostam daquela competição que acontece. Atualmente, acho que a melhor metodologia para eles se engajarem é essa — avalia Eunice.
Elaborado em 2016 pelo professor Paulo Francisco Slomp e pelo estudante André Ferreira Machado, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o Software Educacional Livre para Dispositivos Móveis é uma tabela com mais de 300 aplicativos que podem ser usados como complemento do processo de ensino-aprendizagem desde a Educação Infantil até alguns cursos de Ensino Superior. O pesquisador acredita que esta foi a compilação mais numerosa já feita no mundo, além de ser uma tabela dinâmica.
— Levamos um ano para fazer o levantamento dos programas para computadores e outro ano para os de dispositivos móveis. Fizemos uma seleção extremamente rigorosa, colocando apenas programas que atendem determinados princípios de licenças de uso — ressalta Slomp.
Segundo o professor universitário, o uso de games é interessante, pois os jogos desafiam intelectualmente os usuários, que precisam desenvolver determinado tipo de raciocínio para conseguir avançar. Por outro lado, também é positivo proporcionar que as crianças e os adolescentes criem seus próprios jogos, o que favorece o regime de colaboração, quando realizam as criações em grupo.