Ao subir em seu tapete para praticar posturas de ioga, Lilian Bettoni se encheu de coragem e decidiu que não iria mais esperar: daria início ao processo de transição de sua carreira imediatamente. Era junho de 2020, as mortes por coronavírus subiam em disparada no Brasil, e ela oficializou o pedido de demissão do escritório de advocacia onde trabalhou mais de uma década. Seis meses depois, em dezembro do mesmo ano, ela se desligou do cargo de gerente administrativa e financeira.
De acordo com a gaúcha de 42 anos, a ideia de mudar de profissão surgiu um pouco antes, quando percebeu que passou a maior parte da vida no "piloto automático", sem se autoconhecer ou fazer escolhas conscientes. Foi nessa época de buscar autoconhecimento que ela começou a fazer terapia e praticar ioga. Diante da própria transformação emocional, entendeu que precisava levar essa experiência para outras pessoas. Então, em janeiro de 2020, entrou na faculdade de Psicologia, planejando iniciar a nova carreira somente depois que finalizasse a graduação. Mas a chegada da pandemia bagunçou todos os planos.
— Eu não sabia quanto tempo a pandemia levaria para acabar, nem se eu iria passar por ela. Não sabia o que poderia acontecer e não queria mais esperar, porque eu já tinha esperado muito tempo e queria viver o meu sonho, o meu propósito — explica Lilian, que atua como instrutora de ioga e meditação e mentora comportamental desde o segundo semestre de 2021.
A vontade de Lilian se assemelha a de pelo menos 53% dos profissionais brasileiros, que consideraram mudar de emprego no último ano, devido à pandemia, segundo uma pesquisa realizada pela Kaspersky. O estudo chamado Protegendo o Futuro do Trabalho também apontou os motivos por trás dessa intenção: a manutenção do equilíbrio entre a vida pessoal e profissional (50%); o desejo de receber um salário melhor (49%); a vontade de ter uma função mais significativa (31%); a redução da quantidade de tempo trabalhado ou do estresse gerado pelo trabalho (31%); e a ideia de trabalhar por prazer (14%).
Em nível mundial, uma análise da Microsoft mostrou, em março de 2021, que mais de 40% das pessoas considerou deixar seu empregador naquele ano. Na América Latina, o número de trabalhadores que pensou em trocar de carreira no mesmo período subiu para 53%. A intenção, no entanto, não significa que a transição seja realmente realizada, isso porque requer muito planejamento e força de vontade para não desistir diante das dificuldades, que são inevitáveis, afirma Lilian.
Entre o desligamento do escritório de advocacia e o início das aulas de ioga, foram seis meses. Neste período, ela buscou parcerias, mentorias e a ajuda de pessoas que já tinham experiência na área. A gaúcha salienta que se programou financeiramente para o movimento, pois sabia que levaria um tempo até que o negócio começasse a gerar lucro:
— Fui fazendo, aprendendo, me assustando, me frustrando e tendo medo de desistir, porque é muito difícil e por diversas vezes pensamos em desistir. Claro que tive medo, que muitas vezes achei que estava louca, que daria tudo errado e que teria que voltar para a CLT. Mas também tinha medo de morrer sem viver esse sonho.
Apesar do medo, Lilian garante que não se arrepende da decisão e que fica feliz de ver o quanto progrediu em tão pouco tempo. Com os resultados atuais, ela julga estar no caminho certo. Entretanto, não se diz totalmente satisfeita ainda, pois a mudança é recente. Ela conta que ainda tem objetivos a conquistar. O próximo passo é aumentar o negócio e contratar mais pessoas — por enquanto, ela dá aulas online em casa e atua em parceria com um estúdio da Capital, onde trabalha de forma presencial.
— Hoje não penso mais em desistir, não é mais uma alternativa para mim. E, olhando para o meu processo, o que tiro de positivo é acordar todos os dias sabendo que estou cumprindo meu propósito de vida. Isso me deixa feliz porque sei que meu trabalho não serve só a mim, ele acrescenta na vida de outras pessoas e transforma vidas — enfatiza.
Um novo desafio profissional
A curiosidade pela manutenção do home office e a descoberta de um problema de saúde fizeram com que Deiver Meinen Ribeiro, 35 anos, repensasse sobre a carreira durante a pandemia. Em 2021, ele trocou a estabilidade de um cargo como analista administrativo e financeiro na empresa em que trabalhou por 11 anos pelo trabalho autônomo. Observando a atuação da esposa como tech recruiter (recrutador de profissionais de TI), ele viu o potencial da sua formação dentro de uma nova atividade.
— Descobri que tenho pancreatite, uma deficiência no pâncreas, e foi uma luta, uma movimentação muito grande na minha vida. Tudo isso foi acumulando, me fazendo repensar e refletir sobre a vida, e a transição de carreira encaixou com isso — explica, destacando que já tinha interesse na nova área:
— É um mercado que sempre achei legal e gostei porque tem relação com a minha formação.
Apesar de ser formado em Administração com ênfase em Gestão de TI pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), até então, Deiver não tinha desenvolvido atividades associadas à tecnologia da informação. Mas isso não o impediu de buscar saber mais sobre o funcionamento prático da seleção de profissionais do ramo. Ele aproveitou o tempo livre que o home office proporcionava e, com a ajuda de uma amiga que atua na mesma área, aprendeu a respeito das conexões no LinkedIn e como descobrir novos talentos pela rede social. A busca fez o interesse pelo ramo aumentar ainda mais.
Diferentemente de Lilian, o gaúcho nascido em Porto Alegre fez sua mudança de carreira de forma paralela. Enquanto ainda trabalhava em casa para a antiga empresa, fazia freelancer como tech recruiter. O objetivo adquirir experiência, pois sabia que a transição só poderia ser eficiente se já tivesse algum conhecimento para apresentar ao novo empregador. Então, quando surgiu uma oportunidade na WK JobHub, ele se candidatou:
— Essa transição mexeu com tudo, era uma área nova, que eu apenas me interessava, mas nunca havia trabalhado. Foi trocar o certo pelo duvidoso, mas eu estava super empolgado para que acontecesse, era uma virada de chave e eu precisava disso. Então, eu fiz freelas, peguei experiência, me candidatei à vaga e fui bem na entrevista. Estava com o coração apertado, sem saber daria certo ou não, mas mesmo assim pedi demissão.
O desligamento do emprego antigo foi em novembro de 2021 e, apesar dos esforços para se atualizar no mundo da tecnologia, Deiver confessa que o começo foi bem difícil e que chegou a pensar em desistir e voltar atrás. Ele se descreve como uma pessoa focada em resolver problemas, mas, no novo ofício, encontrou dificuldades que não dependem somente disso. No início, precisou lidar com incômodo e autocobrança.
— Faz pouco que venho me curando dessa dificuldade, e assim estou me realizando, mas foram muitas noites sem dormir. Hoje trago muito da minha cultura da administração para esse mundo de seleção de profissionais, é isso que vem me acalmando. Já consegui transformar o período de arrependimento inicial em um momento em que estou me realizando, me aventurando — comenta.
O gaúcho aponta que é difícil encontrar realização plena na vida profissional, mas diz estar em “constante realização”. Também afirma que a transição de carreira transformou sua vida para melhor e o abriu para outras mudanças e que, agora, pensa em fazer outras coisas que antes não teria coragem de fazer.