Dois anos se passaram e lacunas na aprendizagem entregam alunos com saberes díspares para as escolas no retorno ao ensino presencial. Isso deveria ser evitado, mas não foi. Então, o que fazer agora? Ou melhor, o que não fazer?
É por este ponto que o professor e pesquisador da UFRJ Tiago Bartholo pontua as possibilidades para a escola pública pós-pandemia. Na visão do especialista, um ponto importante é evitar a "segregação escolar". Com diferentes condições socioeconômicas, alunos aprenderam de maneiras diferentes no tempo em casa. E nesse retorno, o professor pontua que colocar esses estudantes para que trabalhem juntos e troquem conhecimentos é essencial.
Por isso, criar turmas específicas de alunos com dificuldades pode não ser uma saída ideal. Mas, sim, trabalhar as dificuldades em conjunto com outros colegas que também possam fazer parte do processo de aprendizagem. Isso nos turnos normais em que os alunos já vão à escola. As aulas específicas de reforço e projetos de turno inverso também podem e devem ocorrer.
Outro ponto citado por Tiago está relacionado à reprovação escolar. Apesar de pais manifestarem insegurança com os filhos sendo aprovados automaticamente, ele cita que o melhor caminho para um aluno recuperar as lacunas de aprendizagem não é fazer ele repetir todo o aprendizado, mas sim fazer com que ele trabalhe essas lacunas ao mesmo tempo em que avança. O aprendizado em corequisitos, como também citado pelo professor da UnB, Francisco Thiago.
— A reprovação não é uma estratégia eficaz para recuperação de aprendizagem, pois aqueles que passaram de ano, também têm algum tipo de atraso ou dificuldades. Os alunos têm que acompanhar seu grupo e ter estratégias de reforço, que possam ser feitas ao mesmo tempo em que acompanham seus grupos, não sendo retirados do convívio com colegas. E isso não pode servir para empobrecer as experiências de aprendizagem, focar demais em apenas uma ou duas disciplinas, tem que ter multidisciplinar — diz Tiago Bartholo.
O professor da UFRJ ainda pontua a importância da atividade física neste período, para contrapor o tempo de tela e o tempo ocioso que aumentou no período da pandemia, quando as crianças estiveram isoladas. A atividade física faz parte do aprendizado cognitivo, como pontua o especialista.
Iniciativas e laboratórios
Nas escolas municipais de Porto Alegre visitadas pela reportagem, dois projetos levam em conta iniciativas propostas por especialistas. Na Emef Aramy Silva, na Zona Sul, o professor e doutor em Matemática Celso Peçanha Machado toca um projeto focado em lógica e xadrez. São 80 vagas para alunos do 6º ao 9º ano, divididos em quatro turmas. Eles frequentam a escola em turno inverso uma vez por semana, para fomentar o aprendizado da lógica e ainda têm a atividade do xadrez, lúdica e estimulante cognitivamente.
— Não é um trabalho de recuperação de aprendizagem, é uma continuidade. Hoje, diversos concursos públicos também exigem conhecimentos em lógica, que não são contemplados no currículo normal da escola, por isso a importância do trabalho — defende o professor Celso.
Na Emef José Mariano Beck, na Bonja, comunidade da Zona Leste, a professora Marizete Camargo toca um projeto da Smed. É o laboratório de aprendizagem. Com o retorno dos alunos para a escola, o laboratório mudou um pouco a destinação, focando na cobertura das lacunas trazidas pela pandemia.
Neste caso, os alunos indicados para o laboratório vão à escola duas vezes por semana, no turno inverso ao das aulas normais. Por uma hora, trabalham atividades focadas, principalmente, na alfabetização.
— Sinto que muitos estão aprendendo a ter o ritmo do ensino presencial, pois estavam acostumados com a realidade do atendimento remoto — pontua Marizete.
Poder pública ainda está focado em diagnósticos
E depois destes dois anos de pandemia, o que o poder público tem feito para receber e atender estes alunos que chegam à escola em 2022? Como pontuam os pesquisadores e também professores ouvidos na reportagem, o trabalho ainda é inicial, muito focado em diagnósticos e com ações pontuais tomadas.
A nível estadual, por exemplo, a Seduc cita a criação do Aprende Mais - Programa de Recuperação e Aceleração da Aprendizagem. Entretanto, a ideia da ação vai de encontro ao que citam especialistas, focam apenas em dois componentes curriculares.
"A partir dos resultados, a carga horária de Matemática foi ampliada em 3 horas semanais e a de Língua Portuguesa em 2 horas semanais", diz a Seduc. A pasta não quis gravar entrevista para a reportagem, respondendo apenas por nota.
A base para a criação do Aprende Mais vem do Avaliar é Tri, outro programa estadual criado no ano passado em que as escolas fazem a avaliação diagnóstica dos alunos e encaminhar para o Estado. A pasta cita que o Avaliar é Tri também serve para "orientar os educadores sobre como trabalhar com os resultados da avaliação diagnóstica de modo a potencializar a recuperação das fragilidades identificadas nos estudantes".
A ação também oferece R$ 154,7 milhões em bolsas para os docentes da rede estadual e disponibiliza formações síncronas pelo canal do YouTube TV Seduc RS e assíncronas com materiais complementares pelo Portal Educação. São as formações extras citadas pelos docentes como um item que afeta a sobrecarga de trabalho.
A Seduc cita que os professores dos anos iniciais, que compreendem do 1º ao 5º do Ensino Fundamental, tem formações "com enfoque na consolidação da alfabetização, na gestão da sala de aula e na recuperação de habilidades essenciais previstas para essa etapa de ensino, sendo que o acesso aos dados e evidências da avaliação diagnóstica podem ser acessados pelas Coordenadorias Regionais de Ensino (CREs), município, escola, turma e aluno, o que subsidia a ação e intervenção dos docentes, possibilitando ações específicas em cada ano escolar".
Para 2022, o Estado aposta em seguir com a avaliação diagnóstica Avaliar é Tri RS, que será realizada de forma bimestral, com os primeiros dados de 2022 disponibilizados durante este mês. "A proposta é avaliar continuamente os estudantes para que as intervenções pedagógicas necessárias se tornem mais efetivas", projeta a pasta estadual da Educação.
Na Capital, projeto para combater lacunas de aprendizagem
O caminho é parecido no nível municipal, onde a recém empossada secretária da Smed, Sônia Maria Oliveira da Rosa, garante que a Capital está construindo um sólido programa de ação para combater as lacunas de aprendizagem deixadas pela pandemia.
— Temos dois pontos importantes para lidar depois da pandemia: desenvolver a cidade e tratar as pessoas, onde entram também nossas crianças. E como fazemos isso? Primeira coisa é sim o diagnóstico, saber onde estão as lacunas de aprendizagem. E, por isso, desenvolvemos a avaliação em larga escala que ocorreu no final do ano passado e novamente agora, para alunos dos 2º, 5º e 9º anos. Com esses resultados, vamos trabalhar no projeto para solucionar ou minimizar o impacto que a gente encontrar — diz Sônia.
A secretária garante que as ações devem entrar em prática ainda neste ano, para que as lacunas comecem a ser combatidas tão logo for possível. Entretanto, apesar de estar com o escopo bastante encaminhado, diz Sônia, o programa ainda dependerá do aval do prefeito Sebastião Melo (MDB), pois depende de investimentos financeiros da prefeitura:
— Estamos em fase de elaboração, mas será algo que terá impacto financeiro, então, tem que ser avaliado pelo prefeito. Mas, saíra este ano. Estamos com pressa para atingir esses alunos.
Concurso
Em relação a problemas com falta de professores, a Smed informou que a prefeitura nomeou 176 professores aprovados em concurso público. "Os profissionais de diversas áreas atuarão na rede municipal de ensino", diz a pasta, em nota.
A homologação foi publicada no Diário Oficial do dia 24 de março. Segundo a Smed, "também já foram nomeados 92 monitores, dos 135 autorizados, que irão trabalhar com os déficits de aprendizados dos alunos na educação infantil e ensino fundamental, além de 73 professores temporários nomeados em março".
Entretanto, não foram dados prazos exatos de quando esses docentes chegam as instituições e a se as duas escolas municipais citadas na reportagem estão entre as contempladas.
A reportagem também entrou em contato com o Ministério da Educação (MEC), mas até o fechamento da reportagem, o órgão não havia retornado os questionamentos.