— O MEC está omisso, não adianta esperar. A nossa esperança é que as secretarias municipais e estaduais sejam mais propositivas em planos de apoio pedagógico. A questão é que as prefeituras ainda têm impacto das eleições municipais e os Estados têm discutido novos modelos, como esse novo Ensino Médio proposto pelo governo federal. A prioridade deveria ser atender os jovens que ficaram sem aula presencial na pandemia. Vamos aplicar novas reformas em cima de jovens que sequer voltaram direito à escola.
A fala do professor da Feevale, Gabriel Grabowski, resume um pouco do que o aluno que chegar na escola em 2022 deve encontrar. A falta de participação do Ministério da Educação (MEC) nas estratégias de retomada é um ponto citado por diversos os especialistas. Ao mesmo tempo, as soluções para a educação citadas por esses mesmo estudiosos dependem da integração entre governo federal, estadual e municipal. Como conciliar os dois pontos?
Em resposta a reportagem, o MEC informa que iniciou em agosto deste ano (um ano e cinco meses depois do início da pandemia) um ciclo de debates sobre o tema. O primeiro evento foi batizado de "Retorno às aulas presenciais: ações concretas para o retorno seguro e roda de conversa para compartilhamento de experiências". Segundo o ministério, serão 12 encontros, todas as quintas-feiras, até o final de outubro. "O ciclo de debates visa apresentar diagnósticos e propor soluções, que permitam a adoção de medidas articuladas para verificar as respostas aos efeitos provocados pela pandemia, através das trocas de experiências entre os diversos atores sobre as principais questões relacionadas aos impactos da pandemia na educação", escreveu o MEC.
Escolas precisam de autonomia na retomada
— Todo trabalho de organização precisa ser coletivo, de todos entes federados. Mas, o MEC vive um apagão, está alheio ao processo. Por isso, quem está na ponta, que são as escolas, deve ter ainda mais autonomia para formatar o que vem por aí. Ninguém conhece mais a realidade da comunidade escolar da região do que os professores que trabalham ali — defende Francisco Thiago, da Universidade de Brasília.
Para a professora Elmara Souza, doutora em Difusão do Conhecimento pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e que gere o Centro Juvenil de Ciência e Cultura de Vitória da Conquista, depois de entender que o conhecimento durante a pandemia regrediu, os órgãos públicos têm que identificar a defasagem neste período e retomar o que não foi aprendido, defendendo também a autonomia das escolas:
— Não dá para continuar como se nada tivesse acontecido. Cada local tem uma realidade específica, por isso, a escola precisa entender como atuar no seu espaço. E isso não se deve ser desconsiderado nas políticas públicas que estão sendo formatadas sem o auxílio do MEC.
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Projetos em nível estadual e na Capital
Soluções propostas e discutidas sempre acrescentam na conversa, mas o que de fato, está sendo feito para que a educação volte aos trilhos? Secretária adjunta da Seduc, Stefanie Eskereski reforça a visão de especialistas ao citar que a aula híbrida veio para ficar. Cada vez mais a escola precisará entender que não adianta estar numa sala de aula onde o que está sendo ensinado não faça sentido para o aluno, define Stefanie. E a inserção da tecnologia é um passo importante nisso, como se viu nesta reportagem. Por isso, a Seduc investiu, além da aquisição de Chromebooks, na melhoria de conectividade das escolas.
— Temos o programa ConectaRS, com objetivo de levar internet de fibra ótica para todas escolas. A aquisição de equipamentos para as escolas também vai focar na montagem de laboratórios com cerca de 30 chromebooks para alunos, não deixando essa ferramenta restrita ao professor e dando mais que um celular para o aluno — diz Stefanie.
A secretária também garante que o conhecimento adquirido durante a pandemia não será perdido, principalmente dentro de competências como a cultura digital, que deve ser incorporada de maneira cada vez mais forte na rotina escolar:
— Precisamos mostrar aos professores também como ensinar, como atrair o aluno neste novo modelo. Os docentes entenderam que o computador não é uma barreira, na verdade, ele torna o professor ainda mais útil no processo de aprendizagem.
Em relação ao período de transição entre o ensino remoto e o presencial, Stefanie pontua que as instituições têm se esforçado para o acolhimento de todos, desde alunos, funcionários e professores:
— A gente tentou manter algum nível de normalidade em casa, mas não é igual. Alunos do segundo ano, por exemplo, ainda não conheciam colegas. É um processo intenso de readaptação. Temos feito lives para falar sobre, temos o programa Aprende+, com avaliação de aprendizagem dos alunos para conseguirmos identificar os mais fragilizados neste período.
A avaliação, aliás, já resultou na criação de um programa de capacitação para português e matemática, aumentando o tempo de aula dos alunos nestas matérias. Em relação ao viés socioeconômico, a adjunta da Seduc entende o cenário delicado, citando que 45% das famílias perderam metade da renda na pandemia e isso impacta no retorno das aulas. A criação de um ano extra para suprir essa demanda de atraso ou para quem quiser seguir estudando ainda está sendo avaliada. O mesmo ocorre em relação a programas sociais que forneceram benefício aos alunos, como o exemplo da Bahia.
Smed traça ações em Porto Alegre
Em Porto Alegre, a Secretaria Municipal de Educação (Smed) tem 40 mil alunos na rede municipal, mais da metade já retornou ao ensino presencial. Para o próximo ano, a cidade "está construindo uma nova proposta pedagógica, definindo os tempos de aula, expressão de resultados e matrizes curriculares". Em nota, a Smed diz que "ao mesmo tempo, implementará programas específicos direcionados à correção de fluxo de estudantes em distorção idade-ano, formação continuada para professores regentes de classe e residentes de alfabetização em turmas de 1° e 2° ano.
Para promover estratégias direcionadas à alfabetização, um novo formato de parceria com as organizações da sociedade civil (OSCs) será criado, ofertando no contraturno escolar atividades voltadas às atividades de letramento, alfabetização e matemática para estudantes de 1° ao 3° ano".
A Smed também faz atualmente um avaliação diagnóstica com o objetivo de "desenvolver uma cultura de avaliação efetiva, estruturada e sustentável que impacte nos resultados de aprendizagem dos estudantes". Essa avaliação também tem auxiliado na aferição dos níveis de aprendizagem dos estudantes que voltam às escolas.