O Rio Grande do Sul tem 2.377 escolas estaduais. Atualmente, conforme a Seduc-RS, 2.229 destas estão abertas e recebendo estudantes (93,66%). Outras 41 instituições estão em plantão realizando a entrega de materiais (1,72%). Mas, 110 escolas ainda não atualizaram o status do seu funcionamento no sistema (4,62%). Nestas instituições ainda sem informação, o contato com alunos é incerto. Em áreas rurais ou de extrema vulnerabilidade social, se não há o incentivo e a garantia da ida à escola, permanecer estudando acaba deixando de ser obrigação, causando reprovação ou até mesmo a evasão do aluno. Isso resulta em distorção idade-ano (quando o aluno está em um ano de ensino, mas tem idade para estar mais avançado), um problema crônico na educação pública.
Conforme dados do Censo Escolar de 2020, no Rio Grande do Sul, a distorção idade-ano aumentou no 2º e 3º ano do Ensino Médio público. Em 2019, 30,2% dos alunos do 2º ano eram repetentes _ em 2020, o índice foi para 31%. No 3º ano, eram 21,5% em distorção idade-ano em 2019. No ano passado, na pandemia, a distorção subiu para 22,1%. Somente o 1º ano teve redução no dado _ de 41,2% em 2019 para 40,9%. Para se ter ideia de como o número é alto, na educação privada, estes mesmo índices em 2020 foram de 8,3% (1º ano), 6,9% (2º ano) e 6,3% (3º ano), no Rio Grande do Sul.
Os dados com mais efeitos significativos da pandemia serão os deste ano. O Censo Escolar 2021, onde os reprovados em 2020 vão aparecer na distorção idade-ano.
— Quando alguém entre 14 e 17 anos para de estudar para ajudar os pais, dificilmente volta para a escola. A não ser que o sistema consiga captar ela por meio da educação de adultos (EJA) — projeta a professora Patrícia Behar, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Desigualdade entre alunos é uma marca da pandemia
A reprovação virou realidade para Axel Teixeira, 16 anos. Aluno do 1º do Ensino Médio em 2020, a pandemia não caiu bem na sua rotina de estudos. Morador do bairro Sarandi, em Porto Alegre, Axel não conseguiu se adaptar com a rotina de fazer as atividades sozinho em casa e depois entregá-las na escola. Com isso, acabou reprovando na sua chegada ao Ensino Médio.
Com o cenário se desenhando para uma repetição também em 2021, ele resolveu correr atrás de uma mudança. Trocou de escola e se matriculou no Colégio Estadual Piratini. Em conversa com o diretor Maurício Girardi, pediu para frequentar a escola diariamente, mesmo na pandemia. O celular próprio é de um modelo antigo, a tela está trincada. Tentar acompanhar a aula por ali seria um exercício complicado.
— Temos tido um papel ainda mais social neste tempo de pandemia. Além de manter a escola de portas abertas, tenho conseguido até distribuir cestas básicas para alguns alunos, pois estamos com mantimentos suficientes até o final do ano — pontua o diretor.
Enquanto alunos e até professores se comunicavam de casa, Axel seguiu acordando 5h, pegando ônibus no Sarandi e se deslocando até o colégio, no bairro Auxiliadora. A educação é um ponto forte na casa do menino. Sua mãe, Isabel Teixeira, 43 anos, estuda para conseguir concluir o Magistério e dar aula. Apesar do esforço de Axel, seu caso não é um exemplo de superação ou um sinal de meritocracia. É uma demonstração de como a desigualdade vai afetar quem não tem condições.
— Vamos demorar de cinco a 10 anos para entender as consequências desses dois anos nos estudantes — avalia o professor Francisco Thiago, da Universidade de Brasília (UnB).
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Investimento em programas sociais
Uns dos caminhos possíveis para a retomada desse aluno, como a reportagem já mostrou, vai ser a recepção dele no ambiente escolar, além do tipo de currículo adotado, que não pode ignorar todo o tempo distante de uma sala de aula. Mas, houve — e ainda há uma pandemia. Mais de 600 mil pessoas morreram, pais, alunos, professores viveram isso. Isso tudo acentuou dificuldades econômicas e sociais. E como define o diretor da escola Piratini, entre ter comida na mesa e um celular para o filho assistir aulas, a escolha é óbvia.
Uma terceira possibilidade para o retorno à escola serão programas de incentivo. Um exemplo disso é o que ocorreu na Bahia. Por lá, o governo estadual forneceu um benefício chamado Bolsa Presença. Alunos com frequência superior aos 85%, recebiam mensalmente R$ 150. Além disso, também foi entregue um vale-alimentação estudantil de R$ 55 mensais e para alunos que fizeram monitoria em um programa do Estado, seria paga bolsa mensal de R$ 100.
— A gente precisa de políticas públicas para que os estudantes voltem à escola. Isso precisa ser uma ação de todas as instâncias, desde o Ministério da Educação (MEC) até a secretaria municipal, pois é um momento bem difícil para os estudantes. É necessário um conjunto de estratégias, não somente algo pontual — pontua a professora Elmara Souza, gestora do Centro Juvenil de Ciência e Cultura de Vitória da Conquista, uma escola estadual da Bahia.