Enquanto no ano passado a preocupação era com a segurança no retorno ao convívio presencial nas escolas, em 2022 uma nova realidade tem dado as caras na sala de aula. Depois de dois anos e com a pandemia já bem arrefecida, estudantes voltaram à rotina do ambiente escolar.
E nestes dois primeiros meses de aula, professores, pesquisadores e o poder público têm se surpreendido com os efeitos que o tempo de isolamento social e o ensino remoto deixaram nas crianças e adolescentes.
Uma das maiores preocupações está nas séries iniciais. Ou melhor, nos estudantes que estavam nas séries iniciais quando a pandemia causada pelo coronavírus interrompeu o ensino presencial. Alunos do 3º ano do Ensino Fundamental em 2019, por exemplo, fizeram o 4º e 5º anos em casa e agora retornam ao ambiente escolar no 6º ano, com uma ambientação totalmente diferente, tanto em rotina quanto em espaços utilizados.
Aqueles que entraram na escola em 2020, tiveram os primeiros dois anos de estudo em casa e agora conhecem a vida na escola física só no 3º ano. No tempo em casa, além do afastamento do ensino em sala de aula, outras importantes atividades para o desenvolvimento cognitivo também foram consideravelmente afetadas.
— Essas crianças ficaram alheias ao brincar, foram capturados pelas telas, seja do celular, TV ou computador. Só que o brincar é fantástico para infância, é assim que a criança aprende a elaborar conflitos, manejar sua própria angústia, se organizar. É estruturante para a infância. E muitas crianças ficaram alheias a isso ou tiveram essa experiência achatada — pontua a psicóloga e professora do mestrado e doutorado em Diversidade Cultural e Inclusão Social da universidade Feevale, Lisiane Menegotto.
Mais devagar
Sem interação presencial, tolhidos do convívio com outros colegas e muitas vezes sem sequer conseguir acompanhar aulas online e ter suporte dos pais em casa, números consideráveis de estudantes entre o 3º e 6º ano do Ensino Fundamental têm apresentado níveis pré-silábicos de alfabetização. Esses dados surgem em diagnósticos feitos em pesquisa, nas próprias escolas ou por testes feitos pelas secretarias de Educação, tanto no nível estadual quanto municipal.
No final do ano passado, uma avaliação diagnóstica da Secretaria Municipal de Educação (Smed) de Porto Alegre testou 20 mil estudantes de 50 escolas públicas municipais. Os alunos foram avaliados por seu desempenho, respondendo a questões de matemática e língua portuguesa. A avaliação mostrou que 37,61% dos estudantes do 6º ano municipal, por exemplo, tinham proficiência "abaixo do básico" em português.
No 9º ano, 92,17% dos alunos apresentaram conhecimentos "abaixo do básico" em matemática. No dia 31 de março, semana retrasada, a Smed repetiu as provas com alunos de 2º, 5º e 9º anos. Os resultados devem ser publicados em breve e servirão de base para os planos pedagógicos da Smed neste e nos próximos anos.
A alfabetização, o ensino da matemática básica e o desenvolvimento emocional e motor. Esses são grandes desafios que já se impõem nas salas de aulas e nos pátios das escolas com o retorno diário dos alunos. O estado emocional dos professores, com a sobrecarga de trabalho e a necessidade de readaptação ao atendimento de um grupo grande de maneira presencial também é um ponto importante dessa discussão.
Que ações o poder público têm tomado para lidar com este problema? E que caminhos ou exemplos são possíveis soluções para os percalços dessa nova escola? É isso que GZH busca responder nesta reportagem especial, em conversas com especialistas e pesquisadores do tema, professores em sala de aula, alunos, pais e também gestores públicos.