Desigualdade, racismo e pobreza são legados culturais de um país que emancipou escravos há 133 anos, deixando-os à própria sorte, sem qualquer apoio do Estado. Não só os negros, mas também os brancos mais pobres entraram nesse barco de abandono e criaram sua socialização distante dos grandes centros, em favelas ou comunidades extremamente vulneráveis.
Apartados da oportunidade de buscar educação de qualidade e obrigados desde cedo a buscar trabalhos pouco dignos, essas pessoas sem formação viraram mão de obra barata e desqualificada. Essa é a sintetização feita por especialistas ao contextualizar porque o Brasil têm um nível de informalidade que se mantém alto e cresce ainda mais em tempos de crise.
— O trabalho informal sempre existiu no Brasil, onde as ocupações mais convidativas para formação do mercado de trabalho iam para os estrangeiros, os brancos de classe média e os não empobrecidos. Para negros e brancos pobres, as pessoas com necessidades especiais e as mulheres, sempre sobrou o resto — conta a professora e socióloga da Feevale Sueli Cabral.
Com trabalhos pouco dignos, o passar do tempo fez com que os menos favorecidos optassem por tentar seu sustento por conta própria, de forma autônoma. Entre ter um patrão que pague mal e não ofereça mínimas condições de trabalho digno ou ter um emprego precário, mas com autonomia, a escolha foi óbvia.
— O Brasil se constituiu com um Estado onde o trabalhador foi ignorado. Isso só começou a mudar com a criação da leis trabalhistas na Era Vargas — cita a socióloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Patricia Sonia Silveira Rivero , referindo-se ao período da criação da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), sancionada pelo presidente Getúlio Vargas, durante o período do Estado Novo, em 1943.
Sem apelo para uma qualificação mais elevada, a mão de obra brasileira seguiu sua consolidação para uma massa que dificilmente consegue ter opções de variação de emprego. Com isso, em momentos de crise, essa massa menos qualificada é a primeira a ser atingida, pois pode ser facilmente substituída quando houver a retomada econômica. Na avaliação da socióloga Sueli Cabral, esse movimento gera um ciclo que favorece só quem explora a mão de obra.
— Vem a crise e primeira coisa que as empresas fazem é demitir, o que é uma coisa burra. Quando mando embora um ou uma chefe de família, quatro pessoas são afetadas, em média. Então, eu quadriplico o problema no país. Sem políticas públicas de manutenção do emprego dessas pessoas, com recursos indo para conglomerados financeiros e não para pequenas e médias empresas, o problema é ampliado — contextualiza Sueli.
A má distribuição de renda pelo Estado foi um dos pontos mais citados pelos especialistas ouvidos nesta reportagem. Com pouca preocupação em relação à qualificação dos trabalhadores, o país não se prepara para lidar com momentos de crise nem apoia esta parcela da sociedade da maneira adequada.
— Quem perde o emprego não tem qualquer apoio, mas precisa seguir comendo, se sustentando e morando em algum lugar. O que essas pessoas vão fazer? Ir para o mercado informal — exemplifica Sueli.
Soluções podem ser difíceis e demoradas
— São necessárias políticas de macroeconomia, que visem soluções de Estado, não de governo. As mudanças devem vir e ficar, não mudarem a cada troca de governo — aponta a socióloga da UFRJ Patricia Rivero.
A definição é bastante ampla, mas não há como algo pequeno e pontual, sozinho, ser suficiente para solucionar questões de uma massa que representa quase metade das pessoas empregadas no país. A informalidade, seja ela regularizada ou não, não é algo que num estalar de dedos pode ser reduzida e controlada.
Entretanto, os sociólogos e economistas ouvidos nesta reportagem concordam que um dos primeiros passos é a qualificação da mão de obra do país e, por consequência, uma melhoria na renda dos trabalhadores. Mas, isso também depende de um melhor cenário econômico. O economista e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Gustavo Inácio de Moraes ressalta que essa manobra não é tão demorada como pode se pensar e em pouco tempo os resultados podem ser notados.
— A qualificação não quer dizer que todo mundo vai ter Ensino Superior. Cursos técnicos ou outras especializações mais curtas se mostram suficientes para elevar o nível dos trabalhadores e fazer com haja mais opções em momentos de crise — diz o economista e professor da PUCRS.
Com a melhora na qualificação dos trabalhadores, outros caminhos começam a tomar forma e ir ao encontro das demais soluções apontadas pelos especialistas, como a melhor distribuição da renda, por exemplo. Sem a condição de acumular riqueza, a massa de trabalho do país pouco tem o que fazer diante das crises.
— Em outros países, como na Europa ou até mesmo em lugares próximos de nós, Uruguai e Argentina, quando perde o emprego, o trabalhador ainda se mantém um período sem trabalho. No Brasil, não há esse tempo, tão pouco perde-se a ocupação, já se vai para a informalidade, pois não há qualificação para tentar outra coisa ou apoio do Estado — explica Patricia.