A segunda audiência de conciliação entre favoráveis e contrários ao retorno dos trabalhos presenciais nas escolas gaúchas, nesta quarta-feira (5), terminou sem um acordo entre as partes. O grupo já havia se reunido na segunda-feira (3). Foi marcada uma próxima sessão de mediação para o dia 14, às 9h.
Dulce Oppitz , juíza e mediadora do caso que também atua como coordenadora do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) de Porto Alegre, explica que não há prazo para que se chegue a um consenso. Ela relata, por exemplo, que em 2020 houve 16 audiências de mediação sobre os rumos do transporte coletivo da Capital.
Durante a sessão, que começou às 14h e durou quatro horas, entre outros questionamentos foi citado o fato de atividades como comércio e bares terem sido reabertas antes das escolas. Assim como a questão de as crianças carentes ficarem em locais clandestinos e sem o apoio da rede pública.
O desembargador Leoberto Brancher exaltou a qualidade da reunião e falou que é preciso propor um ponto de equilíbrio para lidar com a realidade como ela se apresenta.
— Temos que compilar e harmonizar os prós e contras para ver o que é excludente e o que pode ser aproveitado. Temos que achar um método para traçar calendários, protocolos, sistema de controle e fiscalização — disse Brancher.
O encontro reuniu diversos especialistas. Márcia Adriana de Carvalho, presidente do Conselho Estadual de Educação, destacou a importância do encontro e os indicativos de que são as autoridades sanitárias que poderão auxiliar na construção de protocolos seguros e das condições para efetivação deles.
— O processo de fiscalização é necessário também, assim como os Centros de Operações de Emergência, os COEs nas escolas. Não basta planejamento só no papel, o plano de contingência tem que ocorrer na prática — avaliou Márcia.
Armando de Negri, médico na área de políticas públicas de saúde, gestão clínica e medicina de emergência, atua na rede brasileira de cooperação na área de emergências, é pesquisador convidado da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e participa também de espaços internacionais vinculados à sociedade civil. Ele salientou que a pandemia obrigou a todos a um aprendizado contínuo.
— O que sabemos ainda não é suficiente para prevenção definitiva. O distanciamento, o uso de máscara e o fechamento de atividades não essenciais deveriam ser observados rigorosamente até a efetiva vacinação da população. Não trocamos o distanciamento pela vacinação. Precisam caminhar juntos. As crianças são vetores que movimentam o vírus e concentram cargas virais, mesmo não tendo casos clínicos exuberantes, e facilitam o contágio de outras pessoas, no caso, adultos mais suscetíveis a desenvolver a doença — analisou.
O médico epidemiologista e ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Pedro Hallal afirmou não defender que só haja o retorno quando todo mundo estiver vacinado:
— As crianças não serão vacinadas tão cedo. Também não podemos passar todo o ano de 2021 sem aulas presenciais. A questão é se é hoje, se é em algumas semanas ou meses. Precisamos de protocolos seguros e vejo evolução nesse ponto, mesmo vendo as dificuldades estruturais das escolas. Mas o modelo de distanciamento gaúcho, que foi referência no país até outubro, perdeu sua credibilidade e acabou sendo politizado. E os números pioraram muito desde então.
Há riscos dentro da escola. Há uma série de interações sociais quando se abre a escola, quase inevitáveis, e a transmissão pode existir. É mais difícil ainda de controlar dentro da escola
CARLOS MAGNO CASTELO BRANCO FORTALEZA
Presidente da Sociedade Paulista de Infectologia
O presidente da Sociedade Paulista de Infectologia, médico Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza, apresentou na sequência dados sobre a eficiência das restrições e do isolamento.
— Há riscos dentro da escola. Há uma série de interações sociais quando se abre a escola, quase inevitáveis, e a transmissão pode existir. É mais difícil ainda de controlar dentro da escola.
O especialista também apresentou dados de escolas abertas em outros países e os reflexos nos índices de contágio. Ele ressaltou que para abrir muitos países fizeram testagem e rastreamento de contato. O médico ainda mostrou casos de cidades paulistas com aumento de casos na população após abertura de escolas.
Andressa Stolz, médica oftalmologista que atua na gestão de saúde no Hospital da Brigada Militar, apresentou slides com gráficos e números.
— Eu defendo a segurança das atividades escolares com base em dados científicos, os dados reais da pandemia e as condutas de países, tanto em ambientes públicos como privados, para dar segurança às atividades presenciais. Defendo que as crianças têm menor número de casos de covid e baixa mortalidade. Se formos falar de medos de infecções de terceiros, ou crianças como disseminadores de surtos, uma pesquisa mostrou que raramente crianças são o caso fonte. A cada cem surtos, 3,8% deles eram uma criança o disseminador inicial da infecção — afirmou a médica, que salientou a necessidade de protocolos sanitários.
Se formos falar de medos de infecções de terceiros, ou crianças como disseminadores de surtos, uma pesquisa mostrou que raramente crianças são o caso fonte. A cada cem surtos, 3,8% deles eram uma criança o disseminador inicial da infecção
ANDRESSA STOLZ
Médica oftalmologista que atua na gestão de saúde no Hospital da Brigada Militar
O médico Rogério Dornelles falou por último e disse que visitou escolas municipais e constatou que muitas estavam em condições internas muito boas, mas também percebeu problemas estruturais que seriam fatores a serem considerados no retorno às aulas, analisando as medidas sanitárias indispensáveis para o retorno. Segundo ele, é necessário analisar todas as falas dos demais técnicos para reunir os dados e avaliar o que é necessário para a volta com segurança.
A Federação dos Professores, Trabalhadores Técnicos e Administrativos e Auxiliares Empregados em Estabelecimentos de Ensino (FETEE-Sul), o Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro), o Cpers/Sindicato e a Associação de Mães e Pais pela Democracia queriam que as aulas fossem suspensas novamente. Isso porque, segundo eles, o decreto do Piratini, editado em 23 de abril, violaria a liminar concedida pela Justiça e também acórdão do Tribunal de Justiça.
Esse pedido foi apreciado em caráter de urgência pela juíza Cristina Marquesan da Silva, que decidiu, nesta quarta-feira, que o decreto não viola a liminar, já que houve uma mudança das regras do distanciamento controlado e o que mantinha a suspensão das aulas era o Estado todo estar em bandeira preta — o que é considerado um risco altíssimo para contaminação pelo coronavírus. Com isso, a retomada das aulas foi mantida.
Caso as partes cheguem a um acordo na audiência de conciliação, a decisão terá prioridade frente à da juíza. O acerto poderá, então, modificar a decisão.