A pandemia está fazendo com que adolescentes e crianças tenham que lidar com grandes quebras de expectativa, uma tarefa complicada até para adultos. É uma convivência diária com frustrações relacionadas ao convívio limitado com colegas, amigos e familiares, além da privação de diversas atividades extracurriculares e de sociabilização.
Em fevereiro, uma parcela dos estudantes do Rio Grande do Sul sentiu o gostinho do retorno à "normalidade", com a pontual abertura das escolas. Mas o momento durou poucos dias e, devido ao decreto da bandeiras preta no Estado, veio a insatisfação dos jovens ao verem cair por terra os planos de voltar às instituições de ensino.
— Em 2021, o Bernardo teve apenas um dia de aula presencial, em uma sexta-feira de boas-vindas aos estudantes. Quando chegou em casa, contou que foi o melhor dia de aula que ele já teve, estava muito feliz de ter visto os colegas. Na semana seguinte, veio a decepção de precisar voltar a estudar em casa. É uma luta fazê-lo manter a atenção no computador —afirma a jornalista Roberta Pschichholz, mãe do menino, de sete anos.
A família de Bernardo, que mora em Santa Maria, concorda com a decisão de manter escolas fechadas na fase atual da pandemia, mas enfatiza que as dificuldades são muitas.
Para encontrar caminhos que auxiliem os pais a lidar com as frustrações dos filhos e guiá-los nesse período de readaptações constantes, GZH buscou dicas de especialistas das áreas de educação, pedagogia e psiquiatria. Confira:
Foco no diálogo
Uma conversa sincera informando os motivos pelos quais as aulas remotas continuam a ocorrer é o primeiro passo para lidar com a frustração dos filhos. Além de situar os pequenos a respeito do cenário, a psicanalista Idete Zimerman Bizzi reforça que é essencial a criação de um espaço de escuta, já que a sensação de ser ouvido e compreendido transmite tranquilidade aos jovens.
— É necessário vivenciar a experiência pela qual se passa. Ter liberdade e espaço para sofrer é importante para tentar dar nome a algumas sensações como "não sei bem o que eu sinto, mas é tão ruim" e "me sinto perdido". Quando o que anda lá pelo fundo ganha voz, tudo fica mais fácil — afirma Idete.
Enquanto os filhos Leonardo, oito anos, e Sofia, quatro, não medem palavras para expressar seu incômodo com as restrições de circulação e os estudos em casa, as emoções que a filha mais velha, Julia, 11, guarda para si são motivo de preocupação para a mãe Eliana Castilhos, de Porto Alegre. Para acompanhar as tardes de estudo, mãe e pai decidiram acomodar o trio no escritório onde trabalham, no bairro Santo Antônio. O casal de arquitetos se divide entre os projetos e o auxílio às atividades escolares dos filhos menores. A mais velha, que já encara matérias mais complexas, estuda sozinha na sala de reuniões.
— "Mãe, eu não aguento mais aulas online", ela disse, numa das poucas vezes em que desabafou. Sente dificuldades e acha que não está aprendendo. As crianças estão guardando dentro delas uma frustração imensa. Nós dizemos que podem chorar, que isso tudo vai passar e que a vacina está vindo. Falamos "já está chegando a vez do vovô vacinar", tentando construir essa esperança neles — afirma Eliana.
Interação com a escola
Como diversas famílias estão mais inseridas na rotina de aprendizado dos filhos, as fronteiras entre ser pai e ser professor podem acabar se mesclando. A professora titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal do RS (UFRGS) e coordenadora do Núcleo de Tecnologia Digital Aplicada à Educação, Patrícia Behar, afirma que é importante fornecer apoio aos filhos, mas reforça que esse não é um momento de cobranças exageradas por desempenho.
— Não dá para dizer que os jovens estão tendo 100% de aproveitamento, já que ainda estão inseguros com essas mudanças do presencial para o online. Então, esse não é o momento de superexigir dos filhos, haverá tempo para recuperarem os conteúdos perdidos. Os pais também não devem assumir o papel de professor ou brincar de alfabetizar, por exemplo. Essa tarefa é da escola. A função mais importante da família, agora, é passar segurança para que as crianças desenvolvam sua autoconfiança — afirma Patrícia.
No momento das aulas remotas, os pais devem estar calmos, evitando brigas e dando suporte para a criança, reforça a psicóloga e psicopedagoga Pamela Dutra. Se detectarem que está havendo muita dificuldade no aprendizado, a interação com os professores pode ser uma saída:
— Quando surgirem dúvidas sobre o desempenho da criança, a família deve entrar em contato com a escola para entender sobre o processo de aprendizagem. Assim, aliviam cobranças que muitas vezes surgem pelo fato de não compreenderem o desenvolvimento infantil. E os pais podem e devem incentivar os filhos a aprender, não só no momento das aulas, mas brincando com jogos pedagógicos online, por exemplo — afirma Pamela.
Criação de rotina
Televisão ligada, celular e brinquedos têm um apelo grande junto às crianças e são inimigos da concentração necessária para o estudo. A recomendação é que esses objetos estejam fora do alcance dos filhos na hora das aulas e que o ambiente em casa seja tranquilo, sem circulação de pessoas.
— Manter o foco é quase sempre um desafio para as crianças. Algumas apresentam essa habilidade um pouco mais desenvolvida que as outras, mas é comum que se distraiam com facilidade, principalmente no ambiente de casa, com os seus interesses à disposição. É importante não deixar a criança totalmente sozinha, e criar um ambiente organizado e livre de distrações — orienta Pamela.
Em Santa Maria, o marido de Roberta, Eduardo de Medeiros, assumiu a responsabilidade de acompanhar as tardes de estudo de Bernardo. Bonecos e pecinhas de Lego foram retirados da mesa de trabalho, mas, mesmo assim, manter a atenção nas aulas é um desafio.
— Ele acha muito chato ter que sentar na frente de um computador, não gosta de interagir com os colegas. A escola está se esforçando para engajá-los, orientou que usem o uniforme e fiquem de câmera ligada. Mas o Bernardo não quer aparecer, ele vira a câmera ou a desliga. Também não quer que a professora veja quando faz outros desenhos e anotações que não têm muito a ver com a aula — afirma Roberta.
De acordo com as especialistas, uma rotina bem definida, que não se limite aos horários de estudo, ajuda os pequenos a entenderem quando é hora de se divertir e quando devem se dedicar.
— Apesar de a escola estar em casa, bem como o trabalho de vários pais, é importante estabelecer horários. É preciso ter bem definidos os momentos de estudo, de tema de casa, o horário da alimentação e o da diversão. Organização e planejamento servem para gerar equilíbrio emocional, social e cognitivo e para ajudar a lidar com estresse — afirma a professora Patrícia Behar.
Autocuidado
Atender às necessidades dos filhos em meio a um cenário de medo e frustração exige muito dos adultos. Por isso, os especialistas recomendam que pais prestem atenção especial à sua saúde emocional.
— Se o adulto estiver excessivamente confuso, triste, ou ele próprio frustrado demais, as ansiedades de pais e filhos se potencializarão, mesmo que silenciosamente — afirma a psicanalista Idete.
Uma válvula de escape para manter a saúde e fortalecer o emocional é o exercício físico. As duas mães entrevistadas para essa reportagem não abrem mão dos momentos de autocuidado: Roberta faz aulas de pilates e ioga online. Já Eliana acompanha pelo Instagram uma dupla de professores de ginástica.
— No ano passado comi muito, engordei. Este ano, passei a fazer ginástica online e, sempre às 19h, as crianças sabem que é o meu momento de extravasar. É uma maneira de fazer algo por mim — afirma Eliana Castilhos.