A volta ou não das aulas presenciais para a Educação Infantil e o 1° e 2° anos do Ensino Fundamental, mesmo sob a vigência da bandeira preta em todo o Estado, tem motivado debates políticos, jurídicos e educacionais no Rio Grande do Sul.
Depois de o governo estadual liberar as aulas presenciais apenas para esses níveis, alegando que existe segurança sanitária para a retomada e que é possível cumprir os protocolos de distanciamento social neste cenário, o Tribunal de Justiça do Estado (TJRS) impediu que o retorno acontecesse em um cenário grave para a saúde da população gaúcha.
Na sua decisão, a juíza Rada Maria Metzger Kepes Zaman, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, definiu como uma contradição a reabertura de escolas em um momento de superlotação nos hospitais.
No movimento mais recente, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) recorreu, pedindo ao Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão da liminar que interrompeu a liberação das aulas presenciais. Nesta quinta-feira (4), o STF negou o pedido, mas não divulgou o conteúdo da decisão. A PGE aguarda essas informações para saber se vai recorrer.
Governo, sindicatos, professores, mães e pais de alunos matriculados em escolas públicas e particulares também têm participado do debate, dividindo-se entre quem considera seguro o retorno dos estudantes mais jovens e quem julga impossível uma volta às aulas em meio ao pior cenário da pandemia no Rio Grande do Sul até o momento.
Confira, abaixo, o que dizem a Justiça, governo e sindicatos sobre o retorno das aulas presenciais sob bandeira preta no Estado.
O que diz o governo
Para a PGE, a possibilidade de atividades presenciais para Educação Infantil e os dois primeiros anos do Ensino Fundamental está embasada na segurança sanitária obtida nas escolas a partir de rigorosos protocolos sanitários e na essencialidade do ensino presencial para as crianças que se encontram nesses níveis iniciais.
Do ponto de vista educacional, o governo destaca que as crianças menores, que ainda se encontram no início da vida escolar, sofrem maior prejuízo em seu desenvolvimento integral e pedagógico, inclusive no processo de alfabetização, dadas as dificuldades de aprendizado pelo sistema integralmente remoto e da necessidade de vínculo afetivo para potencializar o processo de aprendizagem.
Além da alegada segurança sanitária nas escolas, a suspensão prolongada das atividades presenciais impossibilita que o Estado atenda às finalidades constitucionais, causando prejuízos à saúde mental de crianças de idade na qual são incapazes de compreender a situação atualmente vivenciada e de desenvolver de forma minimamente satisfatória atividades na modalidade remota.
O que diz a Justiça
O TJRS indeferiu, na quarta-feira (3), o recurso apresentado pelo governo do Estado que pedia a retomada das aulas presenciais em regiões com bandeira preta. No documento, o desembargador Antonio Vinicius Amaro da Silveira reconhece a essencialidade da educação, mas alerta para o agravamento da pandemia no Estado e a necessidade de adotar medidas mais restritivas para reduzir a disseminação do vírus.
Denota-se absolutamente incoerente com os critérios historicamente estabelecidos pelo próprio administrador, especialmente pela exposição ao risco no momento mais grave da pandemia
ANTONIO VINICIUS AMARO DA SILVEIRA
desembargador
Conforme o desembargador, o ato "denota-se absolutamente incoerente com os critérios historicamente estabelecidos pelo próprio administrador, evidenciando contradição intrínseca e irrazoável entre o objetivo do ato e sua motivação, especialmente pela exposição ao risco no momento mais grave da pandemia".
Para ilustrar a situação do Rio Grande do Sul, Silveira cita os alarmantes números sobre leitos e disponibilidade de respiradores no Estado, colhidos no momento da decisão: ocupação de leitos chegando a 99,9% e uso de respiradores alcançando 70,9%. Fora isso, o magistrado acrescenta que, entre casos suspeitos e confirmados de covid-19, já são 66 crianças ocupando leitos: 20 em unidades de terapia intensiva (UTIs) pediátricas, sendo sete confirmados de covid-19; e 46 fora da UTI, sendo 24 com a doença.
Silveira reconhece a importância da educação, especialmente nos anos iniciais, mas lembra que o momento é de risco aumentado em razão da lotação das casas de saúde.
O que dizem os professores da rede pública
A liminar que suspendeu as aulas presenciais nas escolas públicas e privadas de todo o Estado, enquanto vigente a decretação de bandeira preta do sistema de distanciamento controlado, independentemente de eventual flexibilização de protocolos, foi comemorada pelo Cpers-Sindicato.
Retomar as aulas presenciais agora seria uma grande irresponsabilidade com a comunidade escolar e uma enorme contradição
HELENIR AGUIAR SCHÜRER
presidente do Cpers
— Venceu o bom senso e a preservação da vida — avalia a presidente do Cpers, Helenir Aguiar Schürer. — Como disse o governador, se não é possível parar o vírus, é preciso parar a circulação de pessoas. Mas é preciso ter coerência entre discurso e prática. Retomar as aulas presenciais agora seria uma grande irresponsabilidade com a comunidade escolar e uma enorme contradição.
A suspensão das aulas presenciais nas escolas públicas e privadas do Estado foi solicitada em ação civil pública ajuizada pelo Cpers em parceria com a Associação Mães e Pais pela Democracia (AMPD).
O que dizem as escolas particulares
A partir da decisão da Justiça, o Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe-RS) orienta que as atividades presenciais sigam suspensas na Educação Infantil e 1º e 2º anos do Ensino Fundamental.
O presidente do sindicato, Bruno Eizerik, reconhece a gravidade do atual momento, mas destaca a preocupação com os pais que precisam trabalhar e não têm onde deixar seus filhos.
Vamos cumprir com a decisão judicial e aguardar para que tão logo possamos reabrir nossos ambientes escolares
BRUNO EIZERIK
Presidente do Sinepe-RS
— É importante pensar em quem irá atender as crianças desses profissionais que precisam trabalhar. Certamente essas crianças não terão um ambiente tão seguro como nossas instituições de ensino — garante ele.
O dirigente cita também os prejuízos pedagógicos e emocionais nas crianças que estão afastadas da escola há quase um ano. Eizerik reforça que as instituições da rede privada permanecerão fechadas e atenderão os estudantes de forma remota.
— Vamos cumprir com a decisão judicial e aguardar para que tão logo possamos reabrir nossos ambientes escolares — diz Eizerik.
O sindicato informa que seu setor jurídico está analisando as alternativas cabíveis frente à decisão judicial.