A mudança anunciada pelo governo do Rio Grande do Sul, substituindo o critério de controle sobre o número de alunos em salas de aula no Estado, é vista de forma negativa por profissionais de saúde que atuam no combate a pandemia do coronavirus. A alteração foi publicada em decreto estadual no final da tarde de egunda-feira (15), e vale para atividades presenciais em creches, escolas e universidades no RS.
O Executivo gaúcho decidiu acabar com a trava que previa o máximo de 50% de ocupação dos ambientes de ensino e, agora, fica valendo apenas a regra que determina o distanciamento de 1m50cm entre cada aluno sentado.
Assim, as salas com maior área podem quase dobrar a quantidade de alunos. No caso de uma sala com 60 metros quadrados, por exemplo, que recebia 30 alunos por aula antes da pandemia, será possível colocar até 26 pessoas. Antes, com a trava de 50% de ocupação, o limite era de 15 estudantes. Para salas pequenas, a mudança não deve ter grande impacto na lotação.
Para o professor de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Alexandre Zavascki, a alteração desconsidera o que já se sabe sobre a forma de transmissão do coronavírus. Conforme o especialista, é preciso levar em consideração um conjunto de fatores para combater o contágio, e não apenas o distanciamento:
— Para começar, essa distância de 1m50cm não é adequada, ela foi adaptada. O ideal seria 1m80cm. Além disso, não se pode escolher um método ou outro, é preciso aliar o número máximo de pessoas no local e o distanciamento mínimo entre elas. Se há mais estudantes em uma sala, que é um ambiente fechado, há mais chances de contágio.
— Não adianta você controlar o distanciamento e descuidar o volume de pessoas emitindo partículas potencialmente infectantes. Ignorar o fato de que o número de pessoas em um local influencia no contágio é desconhecer a forma como o vírus se propaga — resume.
Chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Eduardo Sprinz destaca que, ao elevar o número de estudantes permitidos dentro da sala de aula, aumenta também o volume de pessoas circulando pela cidade. O médico também vê a medida com negativa.
— Neste momento, quanto maior for a mobilidade urbana, maior será a chance de disseminação do vírus. Quanto mais gente saindo às ruas, transitando, interagindo, maiores serão as chances de disseminação. Ou seja, quanto mais gente ficar em casa, melhor. Estimular a mobilidade não será algo positivo, ainda mais em um momento em que a ocupação de leitos vem subindo de forma exponencial — avalia.
Sprinz também questiona como será mantido o distanciamento em creches, por exemplo, já que crianças mais novas entendem menos sobre a gravidade da situação:
— É difícil imaginar como se pode dar uma aula em uma sala gigantesca. Onde há essa estrutura? Não são todos os locais que têm espaços assim à disposição. Teria que ser muito maior, um local super arejado, com diversos cuidados. Você não vai ter uma creche com distanciamento, por exemplo, é algo muito difícil de administrar.
A alteração do governo também é vista com preocupação pelo Cpers — sindicato que representa os professores da rede estadual. A entidade afirma que a flexibilização na quantidade de alunos por sala irá provocar aglomeração nos espaços de convivência dos estudantes, como na chegada, no intervalo e na saída das escolas. A entidade também destacou que a medida estadual irá aumentar a circulação de pessoas no transporte público e escolar, favorecendo a circulação do vírus.