O Rio Grande do Sul tem 35.870 estudantes no Ensino Médio da rede estadual que se matricularam no começo do ano letivo de 2019 e nunca frequentaram a escola ou possuem mais de 75% de falta. Eles representam 11,4% do total de 312.805 alunos inscritos nesta etapa de ensino.
O contingente de 35.870 alunos é definido pelo secretário estadual de Educação, Faisal Karam, como "alunos fantasmas" e diz respeito a estudantes com mais de 18 anos. O número abaixo desta faixa etária não é contabilizado porque estudantes menores de idade não são retirados do sistema de matrícula da Seduc.
— É um aluno que está excluído e não se recupera mais. Temos um sistema atualizado para identificá-lo — afirma Karam.
O número representa um desafio extra a ser enfrentado pelo Estado para atrair jovens para o Ensino Médio. Reportagem publicada nesta quinta-feira em GaúchaZH detalhou um estudo inédito feito pelas secretarias da Fazenda e do Planejamento com projeções de matrícula na rede estadual até 2030. O relatório revela que o número de estudantes entre 15 e 17 anos precisa aumentar 28% ao ano até 2024 para que o Rio Grande do Sul atinja a meta do Plano Nacional de Educação (PNE), definido pela lei 13.005, de 2014. A legislação prevê que 85% da população desta faixa etária esteja matriculada no Ensino Médio.
Na avaliação do secretário, alguns estudantes se matriculam na escola apenas com o objetivo de fazer carteirinha do estudante, para ter acesso a transporte público mais barato a fim de procurar uma oportunidade de inserção no mercado de trabalho:
— O primeiro emprego para o jovem hoje é muito mais atrativo do que a sala de aula. Infelizmente. Ele quer ter renda e coisas imediatas.
Alunos "somem"
Em uma tentativa de tornar o número de alunos da rede mais próximo da contingente de estudantes que realmente frequentam a escola, Faisal revela que, quando iniciarem as rematrículas para o ano letivo de 2020, em novembro, elas serão feitas apenas para os alunos em sala de aula. Os que não frequentam terão que fazer uma nova matrícula em janeiro:
— Ele terão que procurar a escola, entrar numa fila de espera para readequação de turma.
Na Escola Estadual de Ensino Médio Osvaldo Camargo, em Cachoeirinha, em turmas que começam o ano letivo com 40 alunos, em média, cinco ou seis matriculam-se e nunca mais aparecerem na escola. O problema é visível especialmente no turno da noite, segundo a orientadora educacional Leatrice Moreira Perônio:
— São os alunos que fazem a matrícula e somem.
Segundo a coordenadora da 1º CRE, Hilda Liana Diehl, é a primeira vez que se faz uma política de governo para identificar alunos infrequentes. A iniciativa faz parte do programa Aluno Presente. Frente ao desafio, Hilda reconhece que atrair o aluno de volta para sala de aula é "um trabalho de formiguinha". Na última semana de setembro, os números de Porto Alegre foram apresentados para diretores em uma reunião na qual se discutiu estratégias para atrair este estudantes:
— Temos que mostrar que ele precisa estar na escola. A grande maioria desse contingente aparece de vez em quando para pegar o comprovante de matrícula para apresentar em estágio ou fazer o cartão TRI. É nesse momento que temos que chamar o aluno individualmente. A escola deve tentar convencer esse estudante a estar ali — afirma Hilda, à frente da maior coordenadoria do Estado, que abrange 245 escolas e 122 mil alunos.
Papel da família para mudar este cenário
No entendimento do secretário, mesmo em um cenário de escolas com problemas estruturais e falta de professores, a família tem papel fundamental no resgate desse estudante:
— A família é base para que seu filho se motive para a sala de aula. Talvez em alguns casos a família pode não saber que o filho não está dentro da sala de aula, o que é difícil de acreditar.
Promotora de Justiça Regional da Educação de Porto Alegre, Danielle Bolzan Teixeira avalia que o sucesso da manutenção do aluno na sala de aula depende de uma boa rede interna das escolas para tratar as situações de infrequência. Para ela, é preciso também que os educandários estejam integrados às redes de proteção de seus territórios e com as demais políticas de atendimento às crianças e aos adolescentes, especialmente saúde e assistência social.
Tão importante quanto saber número de alunos que se matriculam, mas não frequentam a escola é entender a razão pela qual o jovem escolhe esse caminho, avalia a professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenadora do Observatório do Ensino Médio, Mônica Ribeiro da Silva. A pesquisadora defende que a escola e o próprio sistema de ensino devem fazer uma busca ativa desse aluno, identificando que tipo de política pode resolver esse problema:
— Se o estudante abandona e ninguém vai atrás, o jovem está desinteressado, mas será que a escola também não está? O que temos a oferecer ao jovem que não quer ir para escola?
Mônica salienta que é importante tentar compreender os motivos que levam o estudante a deixar a escola levando em conta a complexidade de fatores que envolvem a própria juventude.
— Por que desistir da escola? É o trabalho? São outros interesses? Podem ser muitos fatores. Não dá pra tratar uma juventude tão diversa como se fosse uma coisa só. Olhar como se fosse apenas um número. É preciso enxergar o que eles são de fato.
Doutorando da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisador de políticas públicas do Ensino Médio, Mateus Saraiva acredita que a responsabilidade em decidir se frequenta ou não a escola não pode ser entregue ao jovem.
— Não dá para achar que esse estudante já é um adulto. É preciso ir atrás dessa pessoa, a rede precisa ir buscar esse aluno. É dever do Estado cumprir com a garantia do direito à educação.