O Rio Grande do Sul terá de fazer o caminho inverso da queda anual do número de matrículas da rede estadual no Ensino Médio. O Estado precisará aumentar, em média, 28% ao ano o número do estudantes entre 15 a 17 anos matriculados nestas séries até 2024, a fim de atingir a meta do Plano Nacional de Educação (PNE), definido pela lei 13.005, de 2014. A legislação prevê que 85% dos jovens desta faixa etária estejam matriculados no Ensino Médio. Para chegar lá, seria preciso um aumento médio de 93 mil estudantes por ano em sala de aula.
A constatação aparece em estudo inédito realizado pelas secretarias estaduais da Fazenda e do Planejamento com projeções de matrículas na rede estadual até 2030 ao qual GaúchaZH teve acesso em primeira mão. Feito em 2018 por recomendação do Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) após a cedência de empréstimo para reforma em escolas, em 2011, o relatório considerou previsões populacionais por faixa etária e o atingimento das metas do PNE. O trabalho tem como objetivo ajudar o Estado na decisão de quantas vagas disponibilizará em cada período letivo e quantos professores terá que nomear ou contratar por região.
A principal revelação do estudo é a necessidade de aumentar consideravelmente as matrículas no Ensino Médio enquanto a queda do contingente no cenário do ensino básico, que engloba ensinos infantil, fundamental, médio, profissional e Educação de Jovens e Adultos (EJA), caminha na direção oposta. De 2013 para 2018, as matrículas totais da rede estadual decresceram de 1.050 milhão para 880 mil, queda de 16%.
Desafio para as cidades
Entre 2013 e 2017, o total de alunos com até 19 anos no Ensino Médio caiu 13% nas escolas estaduais, passando de 319 mil para 278 mil alunos. Em 2017, dado mais atualizado do levantamento, 55,4% dos jovens entre 15 e 17 anos estavam matriculados no Ensino Médio, 22,3% continuavam no Ensino Fundamental e 7,5% no EJA. Os outros 13,6% estavam fora da escola.
— Os números sugerem que o Estado deve ter uma preocupação especial com o Ensino Médio e que as políticas não podem ser as mesmas para todas as regiões, já que há diferenças significativas entre os números de acordo com a região — explica o técnico-tributário e doutor em Economia do Desenvolvimento Volnei Piccolotto.
Os técnicos da Fazenda e do Planejamento avaliaram o cenário das matrículas em cada uma das Coordenadorias Regionais de Educação (CREs) do Rio Grande do Sul e identificaram as regiões que precisarão maior empenho para atingir a meta do PNE até 2024 — data limite do plano estabelecido pelo Ministério da Educação (MEC) em 2014.
A região de Rio Grande (onde fica a 18º CRE) terá de aumentar em torno de 60% as matrículas de jovens entre 15 e 17 nos próximos cinco anos, passando de 4.655, em 2017, para 7.621, em 2024. Regiões como a de Porto Alegre (1º CRE), Pelotas (5º CRE) e Gravataí (28ª CRE) terão que crescer suas matrículas em mais de 50%.
Coordenadora-adjunta da 28ª CRE — com sede em GravataÍ, abrange ainda as cidades de Alvorada, Cachoeirinha, Glorinha e Viamão —, Shirley Maciel avalia que, para muitos estudantes, a escola deixou de ser prioridade. A necessidade de trabalhar, a falta de motivação da família, a vulnerabilidade para o tráfico de drogas e a violência são fatores determinantes para afastar o aluno da escola, afirma Shirlei.
Os números sugerem que o Estado deve ter uma preocupação especial com o Ensino Médio e que as políticas não podem ser as mesmas para todas as regiões, já que há diferenças significativas entre os números de acordo com a região.
VOLNEI PICCOLOTTO
Técnico da Secretaria da Fazenda
Permanência na escola
Professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenadora do Observatório do Ensino Médio, Mônica Ribeiro da Silva pesquisa o abandono escolar nestas séries. Ela acredita que há dois pontos principais a serem considerados pelo poder público: a inclusão do jovem que está fora da escola e a permanência e acessibilidade dos que estão matriculados.
Segundo o trabalho da pesquisadora, realizado em todos os Estados do país, há, no Brasil, 1,5 milhão de jovens de 15 a 17 anos fora da escola. A cada ano, segundo seu estudo, cerca de 500 mil pessoas abandonam o Ensino Médio no primeiro ano.
Mônica discorda que o cerne do problema esteja no desinteresse dos alunos. Neste cenário, pesam, na sua avaliação, fatores como diferentes realidades sociais, práticas pedagógicas e o currículo:
— Não dá para dizer que é um problema da escola ou das práticas pedagógicas. Tem regiões com baixa oferta de vagas, tem o jovem que precisa trabalhar. Como 90% das matrículas do Ensino Médio brasileiro são públicas, é parte do poder público acelerar a permanência desse jovem na escola. É preciso dar condição necessária para que o aluno que trabalha e é pobre permaneça na sala de aula.
Como 90% das matrículas do Ensino Médio brasileiro são públicas, é parte do poder público acelerar a permanência desse jovem na escola. É preciso dar a condição necessária para o aluno que trabalha e é pobre permaneça na sala de aula.
MÔNICA RIBEIRO DA SILVA
Professora da UFPR
Doutorando da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisador de políticas públicas do Ensino Médio, Mateus Saraiva acredita que a escola precisa pensar em reforçar o Ensino Fundamental para reduzir a distorção idade/série entre os estudantes. Afirma que, quando o aluno repetente chega com 18 anos no Ensino Médio, ele já tem um alto potencial de evadir. Além disso, reforça a necessidade de uma política pedagógica especial para os estudantes que trabalham.
Caso o Estado descumpra a meta do PNE até 2024, não há penalização por parte do Ministério da Educação, mas o Ministério Público e a Controladoria-Geral da União (CGU) podem cobrar o gestor público quanto ao não cumprimento do que determina o plano.
Falta de interesse tem como resultado poucos alunos em sala de aula
O cenário de uma sala de aula da Escola Estadual de Ensino Médio Osvaldo Camargo, na periferia de Cachoeirinha, ilustra como o interesse dos estudantes vai minguando com o tempo. A turma 301 do terceiro ano tem 32 alunos na chamada, mas apenas 18 estavam assistindo a aula de Sociologia do professor Eduardo Trindade na manhã de segunda-feira (30).
— Os alunos começam o ano empolgados, mas, ao longo do período, precisam começar a trabalhar, vão para o noturno ou até mesmo abandonam a escola — resume o professor.
A preocupação com o ingresso no mercado de trabalho é determinante nessa fase, avalia a professora de português Sílvia Wilborn, que dá aulas para os primeiros e terceiros anos na escola. Ela afirma que a frequência nas disciplinas dela costuma ser de metade da média dos 30/35 alunos por turma.
— Chama atenção que os estudantes de hoje não têm mais a mesma ambição de prestar vestibular como no passado, não falam mais tanto nisso — considera Sílvia.
A falta de interesse em seguir na sala de aula fica mais evidente em oportunidades como a que ocorreu na última semana de setembro, quando os 40 alunos do terceiro ano da Escola Osvaldo Camargo foram convidados a irem numa feira de profissões, com transporte pago até o local. Apenas 19 compareceram ao evento.
— Há diferentes razões e perfis de alunos, mas o que a gente sente é que o foco dele não está mais aqui. Como se aquele objetivo de estudar estivesse se perdido — analisa a orientadora educacional Leatrice Moreira Perônio.
Aluno da turma 301, Andrei da Silva Fagundes, 18 anos, confirma que a sala de aula era quase lotada no começo do ano. Ele diz que quer continuar estudando ao concluir o Ensino Médio, mas não sabe qual profissão seguir. Se fosse para fazer vestibular agora, diz não ter ideia de curso. Entre os colegas de turma, poucos falam em seguir estudando. O tema, em si, não é comum entre eles, segundo Andrei:
— A gente percebe que, para alguns, vir ou não na escola não faz diferença. Eu quero estudar para não ser mais uma pessoa desinformada no mundo. Sem estudo, não tem trabalho.
Andrei trabalhou nove meses abastecendo prateleiras de um supermercado e está, novamente, procurando emprego.