O Colégio Estadual Cândido José de Godói, de Porto Alegre, possui cozinha e refeitório novos, praticamente intocáveis há cerca de dois anos, por falta de merendeira. A escola de 550 alunos deveria ter três funcionários para preparar, manusear e distribuir alimentos, mas não tem nenhum. A mesma instituição, localizada no bairro Navegantes, tem uma biblioteca completa com todas as leituras obrigatórias para o vestibular da UFRGS que está fechada desde março, por falta de bibliotecário. O acervo com mais de 500 obras repousa em cinco estantes mantidas no escuro, encerrado em uma sala a qual os estudantes não têm acesso.
Na Cândido José de Godói, ainda são necessários mais dois secretários e um auxiliar de disciplina. A falta de seis funcionários complica a rotina da escola, assim como afeta outros educandários pelo Rio Grande do Sul.
Um levantamento espontâneo feito pelo Cpers/Sindicato e respondido por 270 escolas em todo o Estado, mostrou que nas 219 instituições que apontaram falta de funcionários há um déficit total de 555 profissionais.
A maior escassez ocorre nas funções de monitoria (118), merenda (108), administrativo (108) e limpeza (103). A Secretaria Estadual de Educação (Seduc) não informa o número total de falta funcionários nas 2,5 mil escolas estaduais gaúchas. Afirma, porém, que só neste ano, de janeiro a setembro, foi necessário contratar 825 funcionários de forma emergencial para estas funções.
Acúmulo de tarefas
Com insuficiência de pessoal para fazer serviços básicos que envolvem a rotina de uma escola, há sobrecarga de serviço para quem está trabalhando. No Colégio Cândido José de Godói, a alternativa encontrada para não deixar os alunos sem merenda é direcionar a tarefa para a responsável pela limpeza. Oneide Schaefer, 47 anos, – 27 deles em escolas estaduais –, além de limpar o prédio de 3,7 mil metros quadrados de área construída, recebe a merenda, armazena e entrega aos alunos no turno da manhã.
– É um acúmulo claro de função. Faz o serviço de outra pessoa e não recebe para isso – afirma o diretor Mário Antônio da Silva.
Como não há uma pessoa para cozinhar, o cardápio é adaptado à realidade da escola. Ao longo desta semana, foram servidos barra de cereal na segunda-feira, bergamota na terça e banana na quarta. Hoje, será servido maçã, e amanhã, iogurte com bolacha.
– Não vou deixar os alunos sem merenda, então me organizo para também fazer isso. Mas eles reclamam, especialmente quando tem maçã. Acho que não sacia – comenta Oneide.
Refeitório e cozinha intocados
O refeitório e a cozinha recém-reformados com recursos do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) – ao custo de R$ 87 mil – foram usados só duas vezes desde 2017. Fogão, geladeiras, pia, mesas e outros utensílios novos estão intocáveis. A direção lembra que o espaço foi reivindicado pelos alunos durante as ocupações nas escolas em 2016: eles queriam um local mais adequado para produzir e servir merenda. O local hoje existe, mas está fechado por falta de merendeiras.
O diretor e a vice Lilian Balbinot dividem a sobrecarga com os demais funcionários, fazendo muito além de suas tarefas:
– Quando eu ligo para a Secretaria pedindo mais gente, eles me respondem que "se não tem quem faça, faça o senhor".
Na biblioteca, o acervo que sempre orgulhou a direção da escola está em uma sala chaveada a que os alunos não têm acesso, a menos que peçam autorização para a direção. Na falta de um bibliotecário, o espaço fica fechado, já que não há quem oriente a leitura.
– Tínhamos feira e brechó de livros e os alunos tinham hábito de vir e consumir essas obras. Hoje, esse espaço fica meses fechado e os próprios estudantes vão perdendo o interesse pelo lugar – explica Lilian.
Para a presidente do Cpers, Helenir Aguiar Schürer, é "inconcebível" uma escola sem biblioteca que, segundo ela, é fundamental para qualquer disciplina:
– A grande maioria das crianças de periferia só tem acesso a livros pela escola, pois os pais não têm dinheiro para comprá-los. E se na escola a biblioteca está fechada, se impede o acesso dessas crianças ao mundo da leitura, onde são abertas diversas oportunidades.
Na secretaria, Isabel Flores dos Santos, 52 anos, é a única secretaria onde deviam trabalhar três. Ela atende telefone, registra notas, fornece atestados e cuida a portaria. Com 19 anos de magistério e há três anos e meio na direção, Mário acredita que este é o período mais crítico de falta de pessoal:
– Hoje o vice-diretor, além de todas suas atribuições, faz o papel de coordenador pedagógico, cuida do RH e do financeiro. É muita coisa.
Helenir destaca também que a falta de monitores – aqueles cuidam de turmas sem professores e observam a circulação de pessoas estranhas ou de alunos que estão fora da sala de aula – abre uma possibilidade de insegurança na escola:
– A falta de funcionários atrasa todo bom andamento que teria que ter dentro da escola para atender os alunos.
Também há um prejuízo para a saúde dos profissionais, destaca Helenir:
– É muito difícil achar uma escola com número ideal de professores e funcionários. Isso gera uma sobrecarga, um stress muito grande. Hoje temos muitas meredeiras com graves lesões na coluna, na bacia e nos joelhos por fazer esforços demais.
O que diz a Seduc
Segundo a Seduc, atualmente há 9.253 funcionários concursados e 7.524 contratados trabalhando nas escolas estaduais do Rio Grande do Sul. A secretaria afirma que em junho de 2019 foram nomeados monitores e auxiliar administrativo, técnico em informática, técnico em nutrição, assistente financeiro e intérprete em libras. Após esta nomeação, está sendo feito estudo sobre as necessidades das escolas para 2020 com base na matrícula da rede.
A respeito da situação do Colégio Estadual Cândido José de Godói, a Seduc informou que possui o pedido de apenas uma merendeira.