Em abril, o Ministério da Educação (MEC) anunciou o contingenciamento de 30% do orçamento das universidades e institutos federais. E desde maio, a Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) vem sofrendo bloqueios em suas bolsas de pesquisa. O último foi nesta segunda-feira (2), com mais 5.613 benefícios voltados para o mestrado, doutorado e pós-doutorado afetados — no total, já são 11.811 bolsas bloqueadas.
Ao mesmo tempo, o MEC anunciou em julho o programa Future-se. O projeto, de adesão voluntária, tem como objetivo fazer as universidades buscarem seus próprios recursos junto à iniciativa privada, deixando de depender tanto do poder público. A proposta do governo federal foi vista com maus olhos pela comunidade acadêmica. Isso porque a minuta apresentada não detalharia diversos pontos da proposta.
Conforme o MEC, os dados obtidos em 40 dias de consulta pública serão reunidos nas próximas semanas a fim de aperfeiçoar a proposta que será enviada ao Congresso Nacional. Abaixo, veja o posicionamento das instituições federais do Rio Grande do Sul sobre o programa.
Em documento divulgado em julho, a UFPel afirmou que as propostas do Future-se não têm "coerência e são superficiais". Entre outras queixas, é apontada a falta de objetividade da União para explicar o papel das Organizações Sociais (OSs) ao falar que elas "exerceriam um papel de estrutura paralela às administrações". Pedro Hallal, reitor da UFPel, afirma que, por isso, a administração da instituição de ensino é contrária ao programa.
— O Consun (Conselho Universitário) deve emitir nota na próxima semana e, provavelmente, por unanimidade, deve se posicionar contra à iniciativa. Caso tenhamos que nos posicionar sobre nossa adesão ou não, promoveremos um plebiscito sobre o tema com a comunidade acadêmica, isso já foi aprovado pelo Consun. Contudo, esperamos não ter que chegar a este ponto, porque o programa é muito ruim e inconstitucional em vários aspectos — diz o reitor, que ressalta preocupação com o futuro:
— O governo faz um reforço de discurso de que as universidades que não aderirem não terão prejuízo, mas até o reforço excessivo de que ninguém será prejudicado é indicativo do contrário. A adesão ao Future-se representa a privatização da administração da universidade, a terceirização por uma OSs e não estamos dispostos e cogitar isso.
Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a apreciação do Future-se não chegou ao Consu ainda, mas já foi analisada pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, que emitiu parecer contrário. Paulo Burmann, reitor da UFSM, diz que a proposta do governo federal traz reivindicações antigas das universidades, como a demanda de que os recursos gerados pelas instituições sejam administrados pelas próprias em conta separada, não em um fundo único. Além disso, ressaltou que o modelo de gestão sugerido pelo MEC fere a autonomia das federais.
— Por não concordar com o que foi proposto, vamos apresentar aos deputados federais e ao MEC uma alternativa ao Future-se, que deve ficar pronta até o final deste mês. Queremos construir uma alternativa consistente e comprometida com o futuro da pesquisa e da extensão, já que negar por negar não é o caminho — explica o reitor, que diz não ter prazo para o plano da União ser analisado pelo Consun da UFSM.
Porém, Brum é incisivo ao dizer que a universidade não irá aderir a um projeto inconsistente:
— Se a proposta não nos servir de fato, não iremos aderir. Tendo em vista as estratégias do MEC, pode ser que estejamos correndo risco, mas não vamos colocar a universidade é uma situação delicada.
O Conselho Universitário (Consun) da Universidade federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) aprovou no dia 23 de agosto moção de rejeição ao programa. No documento, assinado pelo reitor Rui Oppermann, é dito que “pelas graves ameaças à autonomia universitária, consagrada na Constituição Federal, a Comunidade da UFRGS vem a público declarar que rejeita a proposta do MEC expressa pelo Programa Future-se".
É destacado ainda que a medida levará “à fragilização e, eventualmente, ao fim de novas universidades interiorizadas, fundamentais para o desenvolvimento social e econômico das regiões distantes das capitais”. Foi ressaltado, ainda, que a sugestão nasce de um “processo não democrático de consulta à sociedade”. Como a iniciativa não foi concretizada, a assessoria de imprensa da instituição afirmou que “não há prazo estipulado para aderir ou não ao Future-se".
O Conselho Universitário da UFCSPA também redigiu uma moção, em 15 de agosto, contrária à adesão ao programa. Na nota, é dito que o Future-se foi construído “sem prévio diálogo com a sociedade, especialmente com as comunidades acadêmicas” e que ele desobriga “o Estado de seu dever constitucional no que toca ao financiamento do Ensino Público Superior, condicionando a sustentabilidade financeira das Instituições de Ensino Superior à captação de recursos junto a empresas privadas e gerando obstáculos à autonomia acadêmica e à função social dessas instituições”.
— O que nós, e as outras universidades, queremos é que sejam dados mais detalhes sobre o programa, porque as propostas apresentadas pelo governo são muito vagas e não esclarecem dúvidas sobre vários pontos. Outra preocupação é que o programa conflita com o artigo 207 da nossa Constituição, que determina a garantia democrática da autonomia universitária, disse ela que ressaltou não haver um prazo para aderir ao plano — afirmou Lucia Pellanda, reitora da UFCSPA, por meio da assessoria de imprensa.
Após a reitoria visitar as nove unidades acadêmicas da Furg promovendo debates sobre o Future-se, o Consun afirmou, em 19 de agosto, por meio de carta-aberta que a minuta do programa “merece ser rejeitada”. Isso porque ela se contrapõe “aos princípios e fundamentos norteadores preconizados por uma instituição pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada, posto que constitui grave ataque à autonomia universitária ao sugerir um sistema de cogestão com profunda inserção de uma Organização Social e ataca o caráter público, imprescindível a matriz identitária da universidade”.
Marco Hansen, reitor da Unipampa , informou que, por se tratar de um rascunho de projeto de lei, a instituição não aderiu a nada. Porém, ressaltou que a entidade tem dialogado com suas unidades espalhadas pelo Rio Grande do Sul para definir seu posicionamento em relação à minuta.
— Realizamos uma consulta a todas as unidades universitárias sobre o Future-se. As informações dos campi e das pró-reitorias foram compiladas e devem ser submetidas à votação, na próxima reunião, do Consuni. Em relação às decisões a serem tomadas, não temos nada a temer, pois estamos fazendo uma análise detalhada para dar andamento e contribuir da melhor maneira possível — assinala o reitor.
Por meio da assessoria de imprensa, foi informado que a UFFS aguardará a volta do reitor Marcelo Recktenvald, que tomou posse nesta quarta-feira (4), em Brasília, para emitir um posicionamento sobre o assunto.
Principais pontos do Future-se
- Uma das questões mais polêmicas do projeto diz respeito às Organizações Sociais (OSs). Essas associações privadas, sem fins lucrativos, devem reverter para sua atividade-fim o dinheiro excedente das parcerias e, além disso, devem atuar em áreas relacionadas ao ensino, pesquisa, saúde, cultura e desenvolvimento. Pelo projeto, é sugerido que o governo federal, universidades e OSs formem parcerias.
- O problema, segundo a comunidade universitária, diz respeito ao poder que essas entidades teriam dentro das instituições de ensino. De acordo com o projeto, elas poderiam participar da elaboração dos planos de ensino e dos projetos de pesquisa e gerência sobre o quadro de funcionários e definição do corpo docente. A União, por sua vez, afirma que as OSs estreitariam a relação das universidades com o setor privado e melhorariam as pesquisas entre outros.
- O Future-se prevê, ainda, a criação de um Comitê Gestor que poderia definir as diretrizes, avaliar desempenho, estabelecer metas e multar as universidades, caso os objetivos traçados não sejam alcançados. Em entrevista, a GaúchaZH, no mês passado, o reitor da UFRGS disse que aceitar a gestão de um órgão externo seria “dar um cheque em branco” para uma entidade cuja constituição é desconhecida.
- Seria possível também alugar ou vender imóveis do governo e aplicar o dinheiro em um fundo imobiliário. A proposta prevê o repasse de R$ 50 bilhões em imóveis do governo federal pelo Ministério da Economia ao MEC. Para que as universidades tivessem renda, seria permitido que empresas batizassem salas, prédios e campi de faculdades.