Debate sobre algum problema brasileiro, mas sem brechas para polêmicas. A prova de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), aplicada neste domingo (5), não surpreendeu os professores que já apostavam em um tema pouco aberto ao confronto de ideias ou que instigasse posicionamentos ideológicos mais acalorados, considerando toda a efervescência do momento político do país e dos escândalos envolvendo o atual governo. Os participantes tiveram de discorrer sobre os desafios para a formação educacional dos surdos no Brasil.
De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a equipe pedagógica responsável pela prova leva em conta a relevância das temáticas. É elencado um conjunto de questões atuais para a sociedade, observando-se as de mais destaque. A atenção especializada ao processo educativo de pessoas surdas, avalia o instituto, tem se sobressaído desde os anos 2000, quando houve o reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e sua regulamentação. Mais recentemente, com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), houve a reafirmação da Libras como primeira língua no processo educacional para os surdos.
Ao propor o tema, o Inep ressalta que "traz para o debate uma questão crucial para a comunidade surda no Brasil, que conta hoje com cerca de 10 milhões de pessoas".
Para a professora de redação do Unificado Luísa Canella o tema foi um prato cheio para aqueles que não relaxaram no acompanhamento dos jornais e na atenção com mudanças na legislação, algo que os professores sempre apontam como fundamental para se sair bem na redação. A professora reconhece que, em um primeiro momento, o assunto pareceu um tanto específico demais, mas enumerou a lei 13.146 e o recente curso de Licenciatura em Letras — Libras da UFRGS como boa munição para dissertar sobre o tema, bastaria estar ciente desses dois fatos.
— Como não há como adivinhar o tema, o aluno que está ligado é sempre o mais preparado. Certamente terá argumentos para tratar de inclusão — avalia Luísa.
Para a população surda e entidades que lutam pelos direitos das pessoas com deficiência, a abordagem da temática em um exame do tamanho do Enem amplifica reivindicações e leva aos jovens uma realidade distante do cotidiano da maior parte da população.
As redações realizadas pelos alunos serão um indicativo de como essa nova geração de acadêmicos têm assimilado e como suas escolas têm dado vistas à temática da inclusão educacional no Brasil.
Marcelo Bertoluci
Diretor da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos
— Os surdos, para se comunicarem, precisam da Língua Brasileira de Sinais (Libras), mas, na nossa sociedade, praticamente ninguém conhece. Há surdos que relatam que se sentem sozinhos, inclusive na própria família, imagine na escola. Acho que (a prova), é algo positivo no sentido de que os jovens podem começar a discutir isso — diz Paulo kroeff, integrante do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
— O tema do Enem de 2017 é motivo para ser celebrado por todos os usuários e profissionais da área de Libras. As redações realizadas pelos alunos serão um indicativo de como essa nova geração de acadêmicos têm assimilado e como suas escolas têm dado vistas à temática da "inclusão educacional no Brasil". Também evidencia como o governo tem implantado políticas educacionais bilíngues nas escolas. Esse tema despertará muitas discussões sobre a área e será um momento para, com os alunos e professores, debatê-lo nas escolas — completa Marcelo Bertoluci, diretor de Marketing e Comunicação da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis).
Neste ano, pela primeira vez o Enem foi disponibilizado com o recurso da videoprova traduzida em Libras. Segundo o Inep, a maioria dos participantes com direito ao recurso declarou não precisar de nenhum apoio para a realização das provas. O Inep também oferece outros recursos de acessibilidade, como prova em braille, tradutor-intérprete de Libras, prova superampliada, guia-intérprete para pessoa com surdocegueira, leitura labial e mobiliário acessível.
Por decisão da Justiça, nesta edição do exame, o desrespeito aos direitos humanos no texto dissertativo-argumentativo não acarreta nota zero na prova. No entanto, como uma das competências avaliadas na redação faz referência ao respeito a essas questões, o participante perderá pontos se optar por não considerá-los.
*Com agências.