As novidades promovidas pelo Ministério da Educação (MEC) nas provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para facilitar o acesso de candidatos surdos, aliadas ao tema da Redação aplicada no último domingo, foram consideradas grandes passos em direção à inclusão por estudantes com deficiência auditiva. No primeiro ano com "videoprovas" — disponibilizando questões e alternativas apresentadas na Língua Brasileira de Sinais (Libras) —, estudantes e seus pais destacaram a conscientização promovida pelos organizadores da maior prova do país.
O tema apresentado, "desafios para a formação educacional de surdos no Brasil", fez os quase 5 milhões de candidatos que compareceram às provas refletirem sobre as dificuldades enfrentadas pela população com algum tipo de deficiência auditiva e, mais do que isso, também proporem ideias de intervenção, sugerindo possíveis soluções para os problemas.
— Como mãe de uma jovem surda, gostaria de parabenizar o MEC por ter tratado desse tema na Redação do Enem. É um assunto ainda distante para muitos brasileiros — diz Tatiana Nascimento, intérprete de Libras que trabalha na Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (Feneis), com sede em Porto Alegre.
Para a filha dela, Tháviny, 18 anos, essa foi uma grande oportunidade de mostrar a uma nação inteira que os surdos são tão capazes quanto quaisquer outras pessoas. Surda profunda desde o nascimento, a jovem fez a prova com auxílio de um intérprete de Libras, que traduzia partes da prova em que ela tivesse dúvidas — sem, no entanto, ajudar a encontrar as respostas.
— Foi um marco histórico para a comunidade surda um tema como esse, além da disponibilidade de ter o Enem traduzido em Libras. São vários surdos que acabaram tendo reconhecimento em todo o Brasil a partir dessa prova — ressalta Tháviny.
Destacando a necessidade de conscientização da população em geral sobre os desafios dos surdos, a também candidata Katherine Luige Brasil afirma que poucos entendem que compreender a língua portuguesa é como falar um segundo idioma para quem tem deficiência auditiva.
— O tema da redação foi ótimo. É maravilhoso para mim poder desabafar nessas 30 linhas. Todo mundo precisa entender que Libras é a primeira língua dos surdos, português é a segunda — descreve Katherine, 34 anos, que tenta graduação em Letras/Libras na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) destacou que, ao propor o tema, "traz para o debate uma questão crucial para a comunidade surda no Brasil, que conta hoje com cerca de 10 milhões de pessoas".
A atenção especializada ao processo educativo de pessoas surdas, avalia o instituto, tem se sobressaído desde os anos 2000, quando houve o reconhecimento da língua brasileira de sinais e sua regulamentação. Mais recentemente, com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), houve a reafirmação da Libras como primeira língua no processo educacional para os surdos.
O ministro da Educação, Mendonça Filho, disse nesta segunda-feira (6) que a pasta busca ampliar a acessibilidade e políticas de afirmação de surdos. Segundo ele, está incluído na proposta da Base Nacional Comum Curricular a formação adequada de professores, "para que a gente possa ter uma política pública cada vez mais inclusiva, respeitando a condição específica dos surdos ou daqueles que têm deficiência auditiva no nosso país".
Depois de anos em que estudantes surdos apontaram dificuldades para responder às questões do Enem _ porque, por exemplo, os intérpretes de Libras eram orientados a traduzir apenas palavras, e não todo o contexto das perguntas e alternativas —, o exame nacional passou a oferecer mais opções para os candidatos. No Enem 2017, participantes que pediram o recurso de videoprova ou intérprete, além do apoio de profissionais com certificação de proficiência em tradução e interpretação de Libras, puderam solicitar até 120 minutos a mais no tempo regulamentar da prova.
Segundo o Inep, a maioria dos participantes com direito a recursos de acessibilidade — pessoas com algum tipo de deficiência — declarou não precisar de nenhum apoio para a realização das provas. O instituto também oferece alternativas como prova em braille, tradutor-intérprete de Libras, prova superampliada, guia-intérprete para pessoa com surdocegueira, leitura labial e mobiliário acessível.
Novidade para surdos no Enem 2017
- Na videoprova traduzida em Libras, recurso disponibilizado neste ano pela primeira vez no Enem, as questões e as opções de respostas são apresentadas em Língua Brasileira de Sinais por meio de um vídeo.
- A videoprova tem o mesmo número, ordem e valor de questões da prova regular.
- Só não foram integralmente traduzidas para Libras as questões de língua estrangeira. Nessas questões, somente os trechos originalmente em português foram traduzidos para Libras.
- Cada participante que tenha optado por essa modalidade recebe um notebook para fazer as provas.
- As orientações, os enunciados das questões e as alternativas de respostas são apresentadas em Libras por meio de vídeos gravados em DVDs.
- Junto com o notebook e os DVDs, o participante também recebe o caderno de questões, a folha de Redação e o cartão-resposta, onde deve marcar as alternativas que considera corretas.
- Além disso, o candidato pode escolher qual área do conhecimento fazer primeiro e assistir aos vídeos na ordem que preferir.