Nascido na Inglaterra, o economista James Alan Robinson, 64 anos, foi um dos três acadêmicos laureados com o Prêmio Nobel de Economia deste ano. Ao lado de seu parceiro de longa data, o turco Daron Acemoglu, e do também britânico Simon Johnson, recebeu a distinção por sua pesquisa sobre a diferença na prosperidade das nações, analisada, principalmente, a partir do estabelecimento das instituições políticas que alicerçam cada sociedade.
Atualmente professor da Universidade de Chicago, Robinson se graduou na prestigiada London School of Economics and Political Science, além de ter feito mestrado na Universidade de Warwick e concluído doutorado na Universidade de Yale, já nos Estados Unidos. Com grande interesse na América Latina, o pesquisador também lecionou cursos de verão na Universidade dos Andes, na Colômbia, durante 28 anos. É autor dos best-sellers internacionais Por Que As Nações Fracassam: As Origens do Poder, da Prosperidade e da Pobreza (2012) e O Corredor Estreito: Estados, Sociedades e o Destino da Liberdade (2019).
Nesta entrevista exclusiva, o economista comenta o seu trabalho e explica conceitos fundamentais de sua pesquisa, como instituições extrativistas e instituições inclusivas. Robinson também analisa o desenvolvimento econômico e social de países da América Latina nas últimas décadas, incluindo o Brasil, e a ascensão de políticos de extrema direita no cenário global.
Há muito tempo o senhor pesquisa a desigualdade em diferentes partes do mundo. Agora, com outros colegas, recebeu o Prêmio Nobel. Qual é, até agora, a maior contribuição do seu trabalho?
Bem, acho que a maior contribuição é ilustrar que são as próprias pessoas que criam as sociedades que geram prosperidade ou pobreza. A razão para o Brasil ser mais pobre do que os Estados Unidos, por exemplo, é a maneira histórica como cada sociedade foi desenvolvida, como as instituições em cada país foram estabelecidas, os incentivos e oportunidades que são gerados a partir disso. Tudo está relacionado às políticas que sustentam as sociedades e suas instituições. Então, creio que a maior contribuição do meu trabalho é demonstrar às pessoas como a formação das sociedades e de suas instituições geram esse impacto no desenvolvimento de cada local. A geografia e a cultura de cada lugar também influenciam, mas não há nada de inevitável em relação a isso, é o seu processo de desenvolvimento histórico e o poder e formato das instituições que regem as nações que definem isso com mais força.
Como o processo de colonização europeia influenciou no desenvolvimento das sociedades?
Parte da nossa pesquisa justamente tenta explicar o porquê do mundo ser hoje como é. É o resultado de um processo histórico profundo, que passa, definitivamente, pela influência da colonização europeia. O exemplo das Américas é, de certa forma, fascinante do ponto de vista de pesquisa, porque temos casos bem distintos de desenvolvimento dentro do continente. Há países bem prósperos e também países bem pobres, e é impossível pensar na comparação do desenvolvimento dos países sem levar em conta o colonialismo e seu legado em cada lugar. Nós apontamos que o que determinou, por exemplo, os aspectos iniciais de colonização do Brasil, é que as condições locais eram favoráveis ao estabelecimento de grandes plantações, como de cana-de-açúcar, e os colonizadores usaram a força de trabalho dos africanos escravizados para massificar essa produção. Em lugares como a Bolívia, os colonizadores se utilizaram do trabalho forçado dos indígenas locais para trabalhar na agricultura e também na extração de minerais. Então, você tem como resultado essas sociedades hierárquicas, desiguais, que emergem desse período, essa é de certa forma a raiz da desigualdade na América Latina. Na América do Norte, as condições locais eram diferentes, não foi possível organizar uma sociedade local baseada no trabalho escravo em um primeiro momento, quando as instituições estavam se formando — no sul dos Estados Unidos isso ocorreu, mas só depois das instituições básicas já formadas — e isso criou uma dinâmica institucional muito diferente do que ocorreu na América do Sul.
Vocês trabalham muito o conceito de instituições extrativistas na pesquisa. Pode explicar um pouco mais sobre isso?
Podemos dizer que a gênese do problema de desigualdade nas sociedades da América Latina está ligada às instituições extrativistas que foram estabelecidas nos países. Elas eram as bases das sociedades que tinham como objetivo principal extrair riquezas minerais e produtos agrários das colônias, concentrando o poder político e econômico nas mãos de pouquíssimas pessoas, que eram donas de massivas quantidades de terra, por exemplo. Essa economia extrativista e as instituições políticas e econômicas estabelecidades para dar suporte a esse sistema geraram desigualdade, com injusta distribuição de recursos e oportunidades provenientes dessa extração. Há uma sinergia entre o sistema econômico e o sistema político que o sustenta, gerando instituições fracas e um Estado fraco, controlados pelas poucas pessoas que detêm o poder econômico e político local. Se você pensar nos países da América Latina, a desigualdade do período colonial se estabeleceu porque o sistema político dos países era altamente oligárquico e autocrata, a grande maioria das pessoas não tinha nenhum poder para pressionar por mudanças, porque todo esse poder estava concentrado nas elites.
Instuições e Estados fracos são inoperantes para estabelecer um equilíbrio nessas sociedades. Por outro lado, instituições políticas e econômicas inclusivas são mais igualitárias, distribuem melhor as riquezas geradas pelas atividades econômicas locais, e os indivíduos têm maior poder de decisão sobre as políticas públicas, o que forma um Estado mais forte e que garante um maior equilíbrio.
Os europeus colonizaram boa parte do globo, dominando essas regiões por séculos. Atualmente, em nações que se tornaram pobres por causa dessa colonização, principalmente na África e na Ásia, há um movimento inverso, de cidadãos rumando à Europa em busca de melhores condições de vida, algo que parcela dos europeus rejeita fortemente. Como o senhor enxerga esse processo?
Essa é uma das principais questões políticas e sociais atualmente nos países desenvolvidos, especialmente nos europeus, mas nos Estados Unidos também, basta ver como o tema da imigração foi debatido durante as eleições. Por causa da colonização e do estabelecimento de instituições e de Estados fracos, que se mantêm até hoje, os cidadãos mais pobres não têm, muitas vezes, condições básicas de vida, muito menos oportunidades justas de desenvolvimento. Por isso, eles vão em busca de viver em lugares que possam proporcionar essas oportunidades, que são ter acesso a educação, saúde, emprego, segurança. Historicamente, a absorção de talentos de outras regiões pode representar importante vantagem econômica para os países, mas quando esse movimento de imigração vem em massa, torna-se uma questão política muito difícil de administrar. Isso se torna especialmente sensível nos tempos atuais, com a volta da força de ideologias ligadas ao nacionalismo e à identidade. Isso se tornou uma questão política muito influente nessas sociedades, com difíceis soluções práticas à vista. Países europeus têm tentado todo tipo de possibilidade para tentar evitar esse movimento, construindo o que chamam de "fortaleza europeia" ou mesmo aparecendo com ideias como deportar imigrantes para países africanos, como a Inglaterra tentou fazer com Ruanda. A solução mais efetiva para essa questão seria desenvolver as instituições nos países de origem e fortalecer os Estados, mas demandaria muito investimento e também um longo prazo para colher resultados efetivos.
O senhor tem uma longa trajetória pesquisando a América Latina. Como surgiu esse interesse, e qual a sua avaliação sobre o desenvolvimento da região?
Comecei a dar aulas na Colômbia há 32 anos. Desde quando eu era estudante, tinha vontade de entender melhor outras partes do mundo além de Europa e Estados Unidos, queria entender mais sobre o Sul Global, sobre os países em desenvolvimento. Quando fui à Colômbia pela primeira vez, já me apaixonei pelo país e pelas pessoas, então passei os verões lecionando na Colômbia pelos 28 anos seguites. Nesse meio tempo, também me casei com uma colombiana.
Se pensarmos na América Latina como um todo, muito dos problemas atuais ainda estão ligados à desigualdade e a instituições e Estados fracos, mas, de forma geral, houve um grande movimento de democracia nos últimos 40 anos, após a queda dos regimes militares. O problema é que é difícil construir instituições democráticas realmente transformadoras, pois muitas vezes essas instituições são corruptas, clientelistas, e acabam capturadas pelas elites econômicas e políticas. Se você observar países como México, Peru, Bolívia e a própria Colômbia, eles elegeram nesse período líderes que pregam mudança, que até desejam mudança, mas que muitas vezes não sabem como mudar, ou mesmo que ficam reféns de instituições fracas e das classes dominantes. Talvez a grande história de sucesso no continente nas últimas décadas seja o Chile, que, após seu período de ditadura, conseguiu botar em prática um projeto de sucesso, que trouxe prosperidade e um avanço significativo na qualidade de vida.
E como observa o desenvolvimento do Brasil nas últimas décadas?
Nós falamos sobre o Brasil em nosso livro Por Que As Nações Fracassam: As Origens do Poder, da Prosperidade e da Pobreza. Para nós, o desenvolvimento brasileiro após o período militar nos pareceu um exemplo claro de transição para uma situação muito melhor, com uma sociedade verdadeiramente mais inclusiva. Em Porto Alegre mesmo, você tem o exemplo do Orçamento Participativo, uma iniciativa realmente democrática, pregando uma participação efetiva da população nas tomadas de decisões. O crescimento do PT realmente parecia representar a ascensão de um movimento político diferente e genuíno, e quando chegaram ao governo do país de fato conseguiram mudanças sociais significativas e contundentes. Contudo, me parece que acabaram corrompidos pelo sistema, como acontece também em outros países da América Latina, você se vê refém do sistema para governar. E o PT, me parece, não conseguiu quebrar esse sistema, foi sugado por ele e se perdeu nesse caminho.
Após um período com Bolsonaro no poder, Lula voltou, já mais velho, e aí entra outro problema que acontece normalmente na política da América Latina, os partidos e os movimentos políticos são muito personalistas, não me parece ter uma renovação nas lideranças do partido, o que deixa as coisas indefinidas para o futuro.
O senhor mencionou o governo de Jair Bolsonaro, que parece fazer parte de um movimento global populista de extrema direita, que levou ao Brexit no Reino Unido, às eleições de Donald Trump nos EUA, de Javier Milei na Argentina, entre outros exemplos. Como analisa esse fenômeno?
É uma questão complicada, acredito que exista essa onda global, mas que os casos se encaixam no contexto de cada país. Nos Estados Unidos, uma boa parcela da população não teve uma melhora significativa nas condições de vida nas últimas décadas, principalmente se não tem formação no Ensino Superior, as ofertas de emprego diminuíram, a mobilidade social diminuiu. E de alguma forma Trump conseguiu criar um projeto com apelo a essas pessoas. Obviamente, a culpa não é dos imigrantes, mas Trump culpa uma suposta imigração ilegal por essas questões, diz que os imigrantes estão roubando os empregos dos americanos, o que não é verdade, só que o discurso funciona. Mas a imigração não é uma questão na Argentina, nem no Brasil, e mesmo assim Milei e Bolsonaro foram eleitos. Acredito que essa onda está mais ligada à frustração das pessoas com a ideia de democracia. Se você observar, nos últimos cem anos, o mundo ficou mais democrático de forma geral, muitos países que antes não tinham eleições ou governos democráticos agora têm, foram ocorrendo ondas de democratização com as declarações de independência e com o fim de regimes militares, principalmente em países de América Latina, África e Ásia, entre os anos 1970 e 1980.
As sociedades ansiavam pela democracia, e muita coisa foi prometida a elas, mas, para uma parcela das populações, não necessariamente a qualidade de vida melhorou, e a partir desta frustração, líderes políticos com ideias claramente antidemocráticas têm conseguido captar esse sentimento, culpando qualquer que seja o inimigo que tenha mais apelo naquele contexto.
Nesse processo, os países com instituições mais sólidas tendem a resistir com mais força contra tentativas de subverter governos, enquanto os com instituições mais fracas acabam sofrendo mais riscos de intervenções e hiatos democráticos.
O senhor mora e trabalha nos EUA há muitos anos, mas nasceu e iniciou sua formação no Reino Unido. Como analisa a política na região nos últimos 15 anos, nos quais a Inglaterra teve uma sequência de governos conservadores, passou pelo Brexit e agora vê os trabalhistas voltarem ao poder?
Assim como em muitos lugares, a política britânica funciona em ciclos. Ainda antes desse período, teve o governo de Tony Blair, que em muitos aspectos foi um governo bem sucedido, do ponto de vista econômico e também político, com feitos como o Acordo de Paz com a Irlanda do Norte, por exemplo. Mas o que sempre ocorre com o Partido Trabalhista é que, quando eles perdem para os Conservadores, rumam muito mais à esquerda - isso já havia ocorrido quando perderam para Margareth Thatcher, por exemplo - e aí vão ainda pior nas eleições. Então, quando apontaram Jeremy Corbin para líder, isso novamente aconteceu, e os Conservadores tiveram um novo longo período de governo, a partir da vitória de David Cameron. Quando os Trabalhistas decidem por apontar um líder mais sensível e voltam ao poder, os Conservadores já ficaram bons anos governando e colocando suas políticas em prática, e foi o que ocorreu com o Brexit, também nesse contexto global que conversamos anteriormente. A Inglaterra também passa por um processo de crescimento da desigualdade, inflação, diminuição do poder de consumo da população média. Por lá, além da tentarem colocar a culpar dessa situação em imigrantes, tentavam canalizar a frustração das pessoas em direção à globalização, à União Europeia, isso desde a época da Sra. Thatcher. Agora, com os Trabalhistas de volta ao poder, provavelmente os Conservadores também darão uma guinada mais à direita, favorecendo discursos anti-imigração, por exemplo. E se os Trabalhistas não tiverem sucesso em aplacar a crise fiscal que atinge o Reino Unido, seu período no poder pode não durar muito, e então iniciarmos novo ciclo conservador na política britânica.