Esperado há semanas e com a missão de ajustar as contas e sossegar o mercado financeiro, o detalhamento do pacote de cortes de gastos, nesta quinta-feira (28), parece ter sido parcialmente ofuscado pelas mudanças propostas no Imposto de Renda (IR), provocando movimento inverso entre os agentes econômicos. Formatado para reforçar o compromisso do governo federal com o equilíbrio fiscal, o conjunto de mudanças, que pega desde o salário mínimo até os supersalários, não conseguiu diminuir a guinada do dólar e nem a queda da bolsa no país.
Horas após o anúncio das propostas, o dólar atingiu, no começo da tarde, a casa dos R$ 6. No fim do dia, fechou em R$ 5,989, renovando recorde histórico.
Já a Bolsa engatou queda ao longo do dia. O índice da B3 fechou o dia com queda de 2,4%, em 124.610,41 pontos, o menor nível desde 28 de junho.
Parte dos analistas entende que lançar o pacote junto do anúncio de isenção maior no IR explica esse estresse nos principais indicadores econômicos.
O pacote de contenção de gastos, que será enviado ao Congresso, prevê pontos como mudanças no cálculo de reajuste do salário mínimo, restrições na concessão do Bolsa Família, novas regras para o abono salarial, limitação na concessão de benefícios fiscais e alteração na previdência de militares. O governo federal estima um impacto econômico de R$ 71,9 bilhões entre 2025 e 2026 e de R$ 327 bilhões entre 2025 e 2030.
Já a mudança nas regras do IR estipula isenção da cobrança do imposto para pessoas que ganham até R$ 5 mil. Para compensar a perda de arrecadação com essa ampliação de limite, o governo planeja taxar mais quem recebe acima de R$ 50 mil.
Durante o anúncio das medidas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o mercado não acertou projeções recentes e precisa fazer uma “releitura” dos movimentos do governo:
— O mercado também tem de fazer uma releitura do que o governo está fazendo. Nem em crescimento e em déficit o mercado acertou.
O ministro também destacou que, se for necessário, a equipe econômica poderá apresentar novas medidas de corte de gastos ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para "sintonizar as aspirações".
Parte do mercado entende que, mesmo apresentando uma compensação via taxação de pessoas que ganham acima de R$ 50 mil, a isenção do IR para quem recebe menos rendimentos pode criar um risco fiscal. Como a tributação maior em classes de renda costuma enfrentar resistência no Congresso, existe um temor de que o governo diminua a arrecadação em um ambiente onde enfrenta dificuldades para equilibrar as contas. Com isso, inflação e juro ficariam mais pressionados, segundo analistas.
A expectativa é de que o Congresso vote o pacote de corte de gastos ainda neste ano. Já a mudança no imposto de renda deve ficar para 2025.
Repercussão
A Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) adotou tom de cautela ao avaliar a proposta do Planalto. Segundo a entidade, os cortes são grandes, mas ainda incertos, pois alguns deles dependem de aprovação do Congresso.
Em comunicado, o presidente da Fiergs, Claudio Bier, afirma que providências são necessárias porque o governo gasta muito mais do que arrecada. Além disso, a federação afirma que algumas medidas são positivas “mas ainda insuficientes, como o limite do reajuste do salário mínimo pouco acima da inflação”.
Por fim, a Fiergs entende que o governo federal “misturou os assuntos” ao anunciar cortes de gastos e mudanças no Imposto de Renda ao mesmo tempo.
“Confundiu e tirou o foco da discussão. São temas importantes, mas que deveriam ter sido tratados separadamente”, pontua a nota.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) elogiou o pacote, destacando que as alterações estão na direção correta, mas destacou alguns pontos de atenção, como a necessidade de revisão dos pisos dos gastos com saúde e educação e a alteração do imposto de renda:
“Sem entrar no mérito da proposta, que vai na linha de melhorar a distribuição de renda, ressaltamos a necessidade de que essas medidas de isenção do IR, de um lado, e de sobretaxa nas faixas mais altas de renda, de outro, não comprometam o esforço para se alcançar a contenção de gastos no montante necessário para o equilíbrio fiscal”, destaca trecho do comunicado da entidade.
Confira as principais medidas do pacote
Imposto de Renda
Elevação da faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês. Atualmente, não paga IR quem ganha até R$ 2.259,20 mensais.
Essa medida tem impacto de R$ 35 bilhões por ano na arrecadação federal. Com a tramitação da segunda fase da reforma tributária ao longo do próximo ano, a tendência é que a mudança só entre em vigor em 2026.
O limite de isenção completa é previsto apenas para quem recebe até R$ 5 mil. Entre R$ 5 mil e R$ 6.980 o contribuinte vai pagar imposto, mas aproveitando parte da isenção. Ou seja, pode ter desconto maior na alíquota.
Quem recebe a partir de R$ 7,5 mil segue sob as regras atuais de desconto progressivo. No entanto, o governo ainda não divulgou como seria essa nova tabela escalonada de alíquotas.
Aumento de imposto para ricos
Para financiar o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, o governo pretende introduzir uma alíquota efetiva de 10% para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês. A medida pretende fazer com que pague mais tributos quem se aproveita da “pejotização”, conversão dos rendimentos de pessoas físicas em rendimentos de empresas.
Nada muda para quem trabalha com carteira assinada e recebe mais de R$ 50 mil porque essas pessoas já pagam alíquota de 27,5%. Atualmente, segundo o governo, o 1% mais rico da população paga alíquota efetiva de 4,2% de Imposto de Renda. Para o 0,01% mais rico, a alíquota efetiva é 1,75%.
Isenção de IR por problemas de saúde
Isenção de Imposto de Renda por problemas de saúde valerá apenas para quem ganha até R$ 20 mil por mês. Dedução de 100% de gastos com saúde não mudará. Junto com aumento de imposto para ricos, medida garantirá os R$ 35 bilhões para bancar o aumento da isenção do IR.
Salário mínimo
A mudança na regra de reajuste do salário mínimo, prevista no pacote de contenção de gastos do governo federal, terá um impacto econômico de R$ 2,2 bilhões em 2025 e de R$ 9,7 bilhões em 2026.
A proposta manterá a regra de crescimento real do salário mínimo pelo Produto Interno Bruto (PIB), mas a variação real seguirá os limites do arcabouço fiscal, com crescimento de, no máximo 2,5% e, no mínimo, 0,6% ao ano acima da inflação.
Em 2027, a estimativa de impacto é de R$ 14,5 bilhões; de R$ 20,6 bilhões em 2028; de R$ 27,8 bilhões em 2029; e de R$ 35 bilhões em 2030.
Abono salarial
O pacote prevê uma mudança nas regras do abono salarial. Hoje, o trabalhador que recebe até dois salários mínimos tem direito ao benefício. Com a proposta, haverá fixação da renda para acessar o abono em R$ 2.640, valor que será corrigido pelo INPC até chegar ao nível de um salário mínimo e meio, convergindo a esse valor somente em 2035.
Benefício de Prestação Continuada (BPC)
O pacote traz ajustes nas regras de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC). As medidas preveem focalizar em pessoas incapacitadas para a vida independente e para o trabalho e a vedação de dedução de renda não prevista em lei.
Além disso, passam a contar para acesso a renda de cônjuge e companheiro não coabitante e renda de irmãos, filhos e enteados (não apenas solteiros) coabitantes.
Haverá atualização obrigatória para cadastros desatualizados há mais de 24 meses e para benefícios concedidos administrativamente sem Código Internacional de Doenças (CID).
A biometria será obrigatória para novos benefícios e atualizações cadastrais. Em uma mesma família, a renda de um benefício volta a contar para acesso a outro benefício.
Para todos os anos com economia projetada, de 2025 a 2030, a estimativa é que o governo poupará R$ 2 bilhões por ano com os ajustes.
"O BPC tem como alvo pessoas com deficiência de baixa renda e idosos em situação de vulnerabilidade que não tiveram capacidade contributiva ao longo da vida laboral. Estamos aperfeiçoando os mecanismos de controle para endereçar os principais problemas identificados", disse o governo.
Bolsa Família
O reforço na fiscalização do programa social Bolsa Família, previsto no pacote, terá um impacto econômico de R$ 2 bilhões em 2025 e de R$ 3 bilhões em 2026, segundo o governo. Entre 2027 e 2030, o impacto anual seria de R$ 3 bilhões.
As medidas incluem restrição para municípios com percentual de famílias unipessoais acima do disposto em regulamento; determinação de que a inscrição ou atualização de unipessoais deve ser feita obrigatoriamente em domicílio; atualização obrigatória para cadastros desatualizados há 24 meses; biometria obrigatória para inscrição e atualização cadastral; e disponibilização por concessionárias de serviços públicos de informações de seus bancos de dados para viabilizar cruzamento de dados.
Previdência dos Militares
O pacote prevê ajustes na seguridade dos militares. A proposta acaba com a morte fictícia, fixa em 3,5% da remuneração a contribuição do militar para o Fundo de Saúde até janeiro de 2026, extingue a transferência de pensão e estabelece progressivamente idade mínima para reserva remunerada.
Segundo a apresentação do governo, de 2025 a 2030, a economia anual estimada com as mudanças é de R$ 1 bilhão.
Emendas parlamentares
As novas regras para emendas parlamentares, previstas no pacote de contenção de gastos do governo federal, terão um impacto econômico de R$ 6,7 bilhões em 2025 e de R$ 7,7 bilhões em 2026. As propostas estarão previstas em um projeto de lei à parte, que será enviado ao Congresso.
De acordo com os dados disponibilizados pelo Ministério da Fazenda, a estimativa de impacto da medida é de R$ 7,3 bilhões em 2027; de R$ 5,6 bilhões em 2028; e de R$ 6 bilhões em 2029 e em 2030.
As mudanças preveem limitação ao arcabouço fiscal no crescimento das emendas impositivas; restrição de emendas nas despesas discricionárias do Poder Executivo; vedação no crescimento real das emendas não impositivas, de modo que montante total das emendas crescerá sempre abaixo do arcabouço; destinação de 50% dos valores de emendas de Comissão para o SUS, observados critérios e diretrizes técnicas; bloqueio de emendas proporcionalmente aos bloqueios do Poder Executivo, limitado a 15% do total das emendas — valor que representa R$ 7,5 bilhões em 2025.
Ajuste em supersalários
O pacote de medidas fiscais prevê que será submetido a uma lei complementar a lista de exceções ao teto remuneratório nacional, o que valerá para todos os poderes e todas as esferas, segundo o governo.
A equipe econômica afirma que é preciso corrigir distorções existentes no Poder Público em relação ao resto da sociedade. A apresentação do governo não traz estimativa de economia com a medida.
Gatilhos fiscais
O pacote prevê a criação de novos gatilhos no arcabouço fiscal caso ocorra déficit primário ou redução das despesas discricionárias. Se houver déficit primário de 2025 em diante, no exercício seguinte à apuração do rombo fica vedada a criação, majoração ou prorrogação de benefícios tributários.
O arcabouço fiscal já prevê gatilhos em caso de descumprimento da meta fiscal, sendo que um deles veda a "concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária". Para 2024 e 2025, o objetivo fiscal mira o déficit zero, com metas de superávits nos próximos anos.
O outro gatilho que será introduzido diz respeito a despesas com pessoal. Ele prevê a vedação, a partir de 2027, do aumento real acima de 0,6% se a despesa discricionária se reduzir de um ano para o outro.
Subsídios e subvenções
O pacote traz uma autorização para ajuste orçamentário em cerca de R$ 18 bilhões em subsídios e subvenções terá impacto de R$ 1,8 bilhão em 2025; de R$ 1,9 bilhão em 2026; de R$ 2,1 bilhões em 2027; de R$ 2,2 bilhões em 2028; de R$ 2,3 bilhões em 2029; e de R$ 2,5 bilhões em 2030.
O documento disponibilizado pelo Ministério da Fazenda não detalha, no entanto, como seria a aplicação da proposta na prática.
Já a proposta de faseamento de provimentos e concursos tem uma meta de economia de, pelo menos, R$ 1 bilhão anual, entre 2025 e 2030.
Fundeb
O pacote de gastos do governo federal prevê que até 20% da complementação da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) poderá ser empregada em ações para criação e manutenção de matrículas em tempo integral na educação básica pública.
A medida terá um impacto de R$ 4,8 bilhões em 2025; de R$ 5,5 bilhões em 2026; de R$ 6,5 bilhões em 2027; de R$ 7,5 bilhões em 2028; de R$ 8,5 bilhões em 2029; e de R$ 9,5 bilhões em 2030.
Lei Aldir Blanc
O pacote vai propor uma medida que mantenha o repasse anual de até R$ 3 bilhões aos entes federados pela Lei Aldir Blanc, mas condicionando esta transferência à execução dos recursos pelos entes no ano anterior.
A medida terá um impacto de R$ 2 bilhões em 2025 e um impacto anual de R$ 1 bilhão entre 2026 e 2030.
Desvinculação de Receitas da União e Fundo Constitucional do Distrito Federal
O pacote prevê a prorrogação da Desvinculação de Receitas da União (DRU) até 2032. Pelo cenário atual, a DRU acabará ao final deste ano. Entre as medidas também está a previsão de que a criação de despesa deve observar a variação do gasto anualizado limitada ao crescimento permitido pelo arcabouço fiscal, que permite avanço da despesa de até 2,5%. A apresentação também cita que a proposta revogará o dever de execução do orçamento, sem mais detalhes.
Além disso, o pacote sugere que os recursos do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) sejam reajustados pelo IPCA.
Há estimativas de economia com a prorrogação da DRU e o ajuste no FCDF. No caso da DRU, a economia esperada em R$ 2025 é de R$ 3,6 bilhões, R$ 3,8 bilhões em 2026, R$ 4,1 bilhões em 2027, R$ 4,4 bilhões em 2028, R$ 4,7 bilhões em 2029 e R$ 5 bilhões em 2030.
Com a mudança no fundo do DF, a economia é de R$ 800 milhões no próximo ano, R$ 1,5 bilhão em 2026, R$ 2,2 bilhões em 2027, R$ 3 bilhões em 2028, R$ 3,8 bilhões em 2029 e R$ 4,7 bilhões em 2030.
Gastos com pessoal
A partir de 2027, o gatilho de reenquadramento vedará aumento real (acima da inflação) acima de 0,6%, se despesas discricionárias (não obrigatória) do governo caírem de um ano para o outro.
Novo Vale Gás e Pé-de-Meia
Gastos com programas serão inseridos no arcabouço fiscal. Pé-de-Meia passará para orçamento do Ministério da Educação, e Vale Gás, ao Ministério de Minas e Energia.
Educação em tempo integral
Até 20% do aporte da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) poderão ser empregados em ações para criação e manutenção de matrículas em tempo integral na educação básica pública.
Criação de despesa
Novas despesas devem observar a variação da despesa anualizada limitada ao crescimento permitido pelo arcabouço.
Dever de execução
Revoga dever de execução do orçamento.
Concursos públicos
Escalonamento de provimentos e concursos em 2025, com meta de pelo menos R$ 1 bilhão de economia.