O ano de 2023 foi o que registrou o maior número de contratações de imigrantes no mercado de trabalho formal do Rio Grande do Sul. Conforme dados do Novo Caged, computados pela Federação Gaúcha do Trabalho e Ação Social (FGTAS), o saldo de contratações de trabalhadores estrangeiros no Estado no ano passado chegou a 6.745, após 29.505 admissões e 22.760 desligamentos.
O número supera os registros de 2022, até então o maior ano da série histórica, com saldo de 4.556 após 21.293 admissões e 16.737 demissões. No ano anterior, 2021, o saldo positivo havia sido de apenas 221.
— O saldo de 2023 foi muito positivo, e 2024 também teve um bom ritmo de contratações nos primeiros meses. O emprego formal é uma grande ferramenta de inclusão para os imigrantes em nossa sociedade. O setor de Serviços é historicamente o que mais contrata, seguido por Indústria e agora Agronegócio — afirma José Scorsatto, diretor-presidente da FGTAS.
A federação mantém parceria com o escritório que a Organização Internacional para as Migrações (OIM), agência ligada à ONU, tem em Porto Alegre. Pelo menos uma vez por semana, na agência da FGTAS na Rua José Montaury, no Centro Histórico, e também eventualmente nas outras unidades da entidade na Capital e no Interior, há um atendimento especial para imigrantes.
O serviço ocorre nas línguas mais faladas entre os habitantes estrangeiros da Capital, como espanhol e francês. Também conta com outras possibilidades de auxílio, incluindo tradução de documentos e orientação jurídica.
— A empregabilidade de imigrantes contribui para o desenvolvimento socioeconômico do Estado, reforçando a sua força de trabalho e fomentando o setor privado. Ela ainda impulsiona a diversidade, a troca de saberes e a inovação dentro das empresas. Por outro lado, o acesso ao mercado de trabalho e ao empreendedorismo também permite às pessoas migrantes terem autonomia financeira, suprindo necessidades básicas como alimentação e moradia, e facilitando sua integração no país de maneira duradoura — aponta a coordenadora do escritório da OIM em Porto Alegre, Patrícia Siqueira.
Levando-se em conta a nacionalidade, os venezuelanos continuam liderando os índices de contratações no Rio Grande do Sul. Do total de admissões em 2023, 17.497 foram de imigrantes da Venezuela, seguidos por 3.307 haitianos, 2.290 argentinos, 1.686 uruguaios e 1.048 cubanos. No saldo do ano, os venezuelanos lideraram com 6.060 novos empregos, seguidos por 597 para argentinos, 420 para cubanos e 168 para uruguaios — os haitianos tiveram saldo negativo de 728 postos, em razão dos 4.035 desligamentos do ano passado.
Em relação ao gênero, as contratações masculinas seguem superando as femininas. Do total no saldo positivo de 2023, 4.131 foram de homens e 2.614 de mulheres. Contando todos os cerca de 37,2 mil imigrantes estimados pela FGTAS que estejam hoje no mercado de trabalho formal do Rio Grande do Sul, 24,1 mil são homens e 13,1 mil são mulheres.
Analisando a escolaridade entre o saldo positivo de 6.745 imigrantes empregados no Rio Grande do Sul em 2023, 3.678, ou seja, a maioria, têm Ensino Médio completo. Outros 485 iniciaram cursos de Ensino Superior, e, destes, 376 concluíram esses estudos.
— A questão do acolhimento e da solidariedade na recepção é primordial, mas o mercado local de trabalho também se beneficia com essas chegadas, pois preenche vagas em demanda e recebe mão de obra qualificada — reforça o secretário de Trabalho do Governo Estadual, o deputado Gilmar Sossella.
Trabalho como ferramenta de integração
Entre os 29,5 mil imigrantes contratados no Rio Grande do Sul em 2023 está Yoledine Bonhomme Joseph, 32 anos. Nascida no Haiti, onde estudou enfermagem e trabalhou como enfermeira e cuidadora, decidiu rumar ao Brasil em 2018, em busca de melhores condições de vida, dada a crise econômica e social que atinge o país caribenho.
Em território brasileiro, primeiro tentou a sorte em São Paulo, onde encontrou muitas dificuldades para obter emprego e se manter. Casada, viu o esposo ir atrás de melhores oportunidades em uma cidade até então desconhecida por ela no sul do país, Porto Alegre. Poucos meses depois, ela o seguiu.
Após um período de adaptação e nova busca por trabalho, foi contratada como auxiliar de hospitalidade no Hospital Dom João Becker, em Gravataí, em junho passado. O complexo hospitalar é administrado pela Santa Casa de Porto Alegre, que desde 2021, em parceria com a OIM, já contratou 111 imigrantes, sendo 25 somente em 2023. Uma destas foi Yoledine, que se matriculou em um curso técnico em enfermagem e trabalha a cada dia para voltar a praticar a profissão que escolheu também no país em que foi acolhida.
— A chegada ao Brasil foi muito difícil, não tínhamos dinheiro para nada, e a diferença da língua era como se fosse um portão que nos impedia de entrar de verdade no país. Após aprender um pouco melhor o português, as oportunidades apareceram e consegui um emprego. Essa estabilidade é muito importante para pensar o futuro com mais confiança — diz.
Outra mulher imigrante contratada em 2023 no Rio Grande do Sul foi a venezuelana Anaís del Valle Zabala, 49 anos. Também casada, viu o marido partir antes em direção ao Brasil. Quando conseguiram juntar dinheiro suficiente, ela também veio ao país, fugindo da crise venezuelana.
Anaís chegou à capital gaúcha em outubro de 2022 e foi contratada em fevereiro do ano seguinte como operadora de caixa na unidade do bairro Santana do Supermercado Asun. A rede conta hoje com 49 colaboradores imigrantes, 15 deles contratados em 2023.
Seu marido também conseguiu emprego na Capital, e atua hoje como técnico em refrigeração. Feliz e adaptada em Porto Alegre, Anaís só não consegue superar uma dificuldade: a saudade dos filhos, já adultos e frutos de outro relacionamento, que moram na Colômbia e na Venezuela.
— Estamos felizes aqui, por enquanto pretendemos ficar, e conseguir um emprego foi muito importante para conhecer mais pessoas e se sentir parte deste lugar. A saudade dos familiares e dos filhos é muito grande, e desejo visitá-los o mais rápido possível — afirma.
Como colega de empresa, Anaís tem Yoxsbel Argenis Pena Bravo, 42 anos. Também venezuelano, Yoxsbel foi outro a deixar seu país de origem para fugir da crise e buscar uma vida melhor.
Um pouco mais experiente em terras brasileiras, Yoxsbel veio sozinho ao país, tendo chegado em 2018. Seu plano era seguir até Argentina ou Chile, em razão da língua espanhola, mas acabou permanecendo em Porto Alegre, onde ainda no ano em que chegou foi contratado pelo Asun, inicialmente como segurança. Formado como técnico em mecânica industrial na Venezuela, Yoxsbel foi acumulando promoções na rede até chegar ao cargo de chefe de loja, que desempenha no supermercado da rede localizado em frente ao Hospital Nossa Senhora da Conceição, na Capital.
— É inevitável você sentir medo quando sai do seu país e arrisca tudo para viver em outro. Não falava nada de português e desejava ir para um país que falasse espanhol, mas achei a cidade acolhedora para os estrangeiros, comecei a estudar a língua e consegui um emprego, o que mudou tudo pra mim — reforça o venezuelano, que hoje tem uma companheira porto-alegrense com quem tem um filho, gaúcho, de dois anos.
Fluxos migratórios no RS
Conforme dados do Departamento de Economia e Estatística (DEE) do governo estadual, com base no Sistema de Registro Nacional Migratório (Sismigra), dos cerca de 232 mil imigrantes que tiveram sua entrada no Brasil registrada pela Polícia Federal em 2023, 17,5 mil vieram ao Rio Grande do Sul.
O maior fluxo segue vindo da Venezuela, com 9,8 mil ingressos, cerca de 56% do total no ano passado. Completam a lista das cinco primeiras nacionalidades os uruguaios, com 2.355, os argentinos, com 1.381, os haitianos, com 902, e os cubanos, com 717.
Com base nos dados do Sismigra, a Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão do Governo Estadual estima que 128 mil imigrantes vivam hoje no Rio Grande do Sul. A maior população é a de venezuelanos, com 35,5 mil, seguida de uruguaios (32 mil), haitianos (17 mil) e argentinos (8 mil).