A perspectiva de crescimento do desemprego não é o único fator que atemoriza o setor produtivo do Rio Grande do Sul diante do veto do presidente Lula à desoneração da folha de pagamento. Os efeitos da medida no orçamento das empresas e das famílias são considerados danosos por diferentes segmentos econômicos do Rio Grande do Sul, que projetam aumento de custos e crescimento da inflação se o benefício não for mantido.
Vigente desde 2012, a desoneração representa redução de custo para 17 setores na contratação de trabalhadores. A prorrogação até 2027 foi aprovada na Câmara e no Senado, mas acabou vetada por Lula. Se o Congresso não derrubar o veto, deixará de valer a partir de 2024. O tema deverá ser apreciado na próxima semana pelos deputados e senadores.
Nesta quarta-feira (6), a desoneração da folha foi tema da reunião-almoço Tá na Mesa, da Federasul. Palestraram no evento líderes setoriais da indústrias do calçado, da construção civil e do transporte de cargas, além da deputada federal Any Ortiz (Cidadania-RS), relatora do assunto na Câmara Federal.
Um dos painelistas do evento, o presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga e Logística do RS (Setcergs), Sérgio Gabardo, ressaltou que, além das demissões, o custo adicional das empresas será repassado ao consumidor em "efeito cascata".
—Na hora em que repasso (o custo adicional) ao setor de transporte, vai ter a soma com o setor calçadista, com a construção civil... é um efeito cascata. Temos que fazer as contas de quanto será esse custo. Somos um país 90% rodoviário —argumentou.
Conselheiro da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), José Paulo Boelter corroborou o argumento de que haverá um aumento em cadeia sem o alívio na folha.
— Toda a sociedade vai pagar mais e vamos gerar inflação — alertou.
Boelter classificou o veto como um "tiro no pé do governo" e lembrou que uma das bandeiras da gestão de Lula é geração de empregos.
—O fim da desoneração é uma medida antissocial e antipática, que não vem ao encontro da proposta do nosso governo.
Para Ricardo Michelon, vice-presidente do Sindicato das Indústrias da Construção Civil do RS (Sinduscon), o fim da desoneração representa um desestímulo ao emprego formal e afeta o planejamento das empresas para os próximos anos, já que os orçamentos de 2024 haviam sido planejados considerando a manutenção do benefício:
— Nosso negócio é de longo prazo, precisamos de previsibilidade, e isso cria um ambiente de mudança. Estamos nos preparando para um ciclo importante do Minha Casa Minha Vida, um programa que é altamente sensível a isso (desoneração), em que as margens são pequenas. Isso vai na contramão do que era esperado, diminuindo o emprego formal.
Atualmente, os 17 setores econômicos beneficiados pela desoneração da folha de pagamentos representam cerca de 20% dos empregos com carteira assinada.
Sem alternativa
Uma das principais articuladoras pela derrubada do veto de Lula no Congresso Nacional, a deputada Any Ortiz também chamou atenção para a possibilidade de crescimento da inflação:
— A desoneração impacta fortemente no custo de vida das pessoas. Vai impactar no transporte público, vai aumentar o preço da passagem, e também da comida, pela proteína animal. O aumento da inflação é inevitável.
Após Lula vetar o benefício, o ministro da Economia, Fernando Haddad, disse que o governo apresentaria uma alternativa aos setores afetados. No entanto, nenhuma proposta concreta surgiu até agora. Any sugere que isso seja discutido com mais tempo no ano que vem, ainda com a desoneração vigente.
—Não temos tempo hábil para o governo sentar agora com os setores, em 15 dias, apresentar uma medida e essa medida ser votada no Congresso — avaliou.
O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou na terça-feira (5) que Lula vetou a desoneração por considerá-la inconstitucional e que Haddad negociará com os grupos afetados após retornar de Dubai, onde participa da COP28.
Para derrubar o veto de Lula, são necessários votos de ao menos 257 deputados e 41 senadores em sessão conjunta da Câmara e do Senado.
Entenda o benefício
- A política de desoneração da folha foi criada em 2011, no governo de Dilma Rousseff, como forma de cobrar menos imposto de empresas de setores específicos, considerados os maiores empregadores.
- A medida substitui a contribuição previdenciária patronal de 20%, incidente sobre a folha de salários, por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, a depender do setor produtivo. Na prática, reduz a carga da contribuição previdenciária devida pelas empresas.
- Atualmente, a lei prevê que o benefício dure até o final de 2023. Um projeto que prorrogava a desoneração até 2027 foi aprovado na Câmara e no Senado, mas foi vetado pelo presidente Lula
- No veto, Lula alegou que a proposta é inconstitucional e contraria o interesse público por criar renúncia fiscal sem apresentar impactos financeiros e formas de compensação
- Setores beneficiados pela desoneração da folha articulam a derrubada do veto no Congresso. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse que o veto deveria ser apreciado nesta semana, mas a tendência é de que fique para a próxima
- A renúncia fiscal do benefício é calculada em R$ 9,4 bilhões ao ano. Para compensar a perda de receita, haveria prorrogação do aumento de um ponto percentual na alíquota da Cofins-Importação, cuja arrecadação estimada é de R$ 2,4 bilhões.
- Levantamento de GZH em abril apontou que que os setores contemplados respondiam por 8,11 milhões de vagas com carteira no país e quase 711 mil no RS.
- Além de beneficiar setores econômicos, o projeto também reduz de 20% para 8% a alíquota previdenciária paga por municípios com menos de 142 mil habitantes
Os 17 setores econômicos desonerados
- Confecção e vestuário
- Calçados
- Construção civil
- Call center
- Comunicação
- Empresa de construção e obras de infraestrutura
- Couro
- Fabricação de veículos e carroçarias
- Máquinas e equipamentos
- Proteína animal
- Têxtil
- Tecnologia da informação (TI)
- Tecnologia de comunicação (TIC)
- Projeto de circuitos integrados
- Transporte metroferroviário de passageiros
- Transporte rodoviário coletivo
- Transporte rodoviário de cargas