Conhecidas pela atividade intensa em pautas econômicas que envolvem o país e o Estado, as entidades do setor produtivo gaúcho não demoraram a manifestar contrariedade ao projeto do governo do RS que visa a elevação da alíquota do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS). A meta do Palácio Piratini é aumentar a base dos atuais 17% para 19,5%.
Na prática, significaria produzir acréscimo, em cascata, de 2,5 pontos percentuais no custo de todos os produtos e serviços do Rio Grande do Sul, com efeitos que vão desde pressões sobre a inflação, ampliação de dificuldades setoriais e até a diminuição do poder de consumo da população. Ainda que se trate de movimento generalizado — já ocorrido em outras 17 unidades da federação com a meta de evitar perdas de arrecadação nos próximos anos —, no setor produtivo, vale a máxima: “Se há aumento de impostos, somos contra”.
É o que afirma a Fecomércio, por exemplo. A entidade diz que aguardará a integra do projeto para se manifestar, mas que não apoiará qualquer que seja a tentativa de ampliar tributos. O presidente em exercício da federação, Joel Dadda, também destaca que a receita tributária no RS teve ganhos superiores à inflação, enquanto medidas de aumento permanente de despesas foram adotadas e a “conta de tais medidas não pode ser repassada à sociedade gaúcha”.
Da mesma forma, em nota, o presidente em exercício da Fiergs, Arildo Bennech Oliveira, exaltou que a o projeto “compromete a competitividade” da indústria gaúcha, que tende a “sofrer caso a elevação se concretize”. Ele também chama a atenção para os reflexos sobre a inflação estadual. Segundo Oliveira, o momento atual já é permeado de dificuldades setoriais. Até setembro, a produção gaúcha registra queda de 5,1%, o que resultou, lembra o dirigente, no fechamento de 7,5 mil empregos formais nas fábricas em 12 meses.
Além disso, o presidente em exercício da Fiergs salienta que o "custo RS", ou seja, o valor adicional de produção em relação a outros Estados, “vai crescer atingindo negativamente a economia como um todo”. E, por fim, antecipa que uma reunião será realizada para ouvir os Sindicatos Industriais na próxima terça-feira (21), quando o assunto será debatido.
O contra-argumento dos empresários
Em reunião realizada na manhã desta quinta-feira (16), o governador do Estado, Eduardo Leite, reforçou o argumento de que o aumento do ICMS é necessário para evitar perdas futuras. No encontro, que durou mais de duas horas, comentam alguns participantes, Leite fez questão de fixar: não se trata de ação, como em outros momentos, para contornar qualquer ineficiência fiscal do Estado, e sim, algo necessário para manter o potencial da arrecadação em face das regras da reforma tributária.
O que está sobre a mesa é o segundo parágrafo do artigo 131 da PEC 45 (texto que embasa a reforma em tramitação no Congresso). Em resumo, o trecho estipula critérios de compensação e partilha durante a transição dos modelos tributários. Isso envolve alterar a lógica para que a arrecadação passe a ficar no local de destino dos produtos (onde o imposto foi pago e houve o consumo) e não na origem dos produtos (onde o produto foi vendido) e também a unificação de impostos estaduais (ICMS) e municipais (ISS).
Pelo texto, Estados serão recompensados a partir de 2032 de acordo com a média de suas participações no bolo tributário entre 2024 e 2028. Tendo isso em vista, os governadores passaram a elevar suas alíquotas. A meta: aumentar suas fatias às custas de sobretaxa tributária, o que, inclusive, contraria a neutralidade (manutenção da carga) prevista pela reforma.
O problema, explica o economista-chefe da Farsul, Antônio da Luz, é que se todos o fizerem (e 17 já ampliaram as alíquotas) passa a funcionar a chamada teoria dos jogos, em que o incentivo aparente para que haja aumento de alíquotas fará com que o efeito seja nulo nas arrecadações, o que torna, aponta ele, a movimentação “inútil”, e ainda traz aspectos correlatos negativos para as cadeias produtivas e para toda a população, que terá de pagar mais impostos.
— Durante as discussões da reforma, cada setor cuidou das suas demandas. Os governadores fizeram o mesmo. É impossível que não tenham deparado com esse aspecto antes. Não dá para acreditar em surpresa. Mas por que decidiram aumentar impostos e não se uniram para mudar o texto? Por que os 81 senadores não mudaram esse parágrafo? A impressão que passa é de que, sim, houve uma ação articulada — conclui o economista da Farsul, que diz ter levantado essa questão durante a reunião e ouviu como resposta que o ambiente político não era propício à alteração.
— Com ou sem ambiente político, aumentar impostos para mais de 200 milhões de brasileiros e 11 milhões de gaúchos é algo que não faz o menor sentido e não vamos aceitar — rebate.
O dilema de Eduardo Leite
Durante a campanha que o reconduziu ao Palácio Piratini, uma das bandeiras programáticas de Eduardo Leite foi a de não aumentar impostos. Diante do cenário, caso o Estado não eleve a carga, estará pagando para que aqueles que o fizerem recebam mais ao longo da transição, a partir de 2032. E, ao mandar o projeto para Assembleia, além de desagradar entidades aliadas durante as reformas estruturantes do primeiro mandato (administrativa e previdenciária), encontra resistência inclusive de deputados de sua própria base.
Presente na reunião com as entidades, o vice-presidente de integração da Federasul, Rafael Goelzer, assim como o economista da Farsul, Antônio da Luz, sustenta que não se pode preferir aumentar impostos a corrigir um texto.
— Se o trecho tem distorções, que se mude o texto — enfatiza.
Goelzer vai além e lembra que, se o Estado sofre pressão fiscal diferenciada, a iniciativa privada é acuada por resultados negativos nos últimos dois anos, motivados por estiagens que derrubaram o Produto Interno Bruto (PIB) do RS. Nesse contexto, argumenta que manter uma alíquota reduzida enquanto os demais Estados aumentam impostos poderia gerar mais arrecadação:
— Atuamos na raiz do problema e não buscamos enxugar o gelo. Não podemos de forma alguma aumentar o imposto para 11 milhões de gaúchos por um equívoco da reforma tributária. Ainda assim, se mantiver a alíquota reduzida, o Estado reforçaria aspectos competitivos que poderiam aumentar a arrecadação por propiciarem melhor ambiente para atração de investimentos.
Expectativas de efeitos
A reportagem consultou diversas entidades para simular eventuais efeitos da elevação da carga sobre o preço de alguns produtos e serviços. A Associação Gaúcha dos Supermercadistas (AGAS) diz que prefere esperar pelo projeto para se manifestar. Na indústria, a Fiergs afirma que o Custo RS aumentará, mas as perdas estão sendo contabilizadas.
Economista-chefe da CDL –Porto Alegre, Oscar Frank explica: a proposta é aumentar a alíquota modal, o que inclui as chamadas bule blue chips, ou seja, itens mais essenciais como energia elétrica, transporte coletivo e telecomunicações. Em síntese, acrescenta, todos os produtos teriam 2,5 pontos percentuais de elevação.
Por outro lado, avalia que é algo complexo, uma vez que o repasse dos custos-extra depende da capacidade de cada empresa em absorver o baque sem repassá-lo ao consumidor final:
— Logo, até mesmo dentro de um mesmo segmento, os impactos são diferentes. Algumas podem fazer em sua integralidade, outras parcialmente, porque são determinantes a situação financeira e a estrutura de concorrência no setor em que o empreendimento está inserido.
O QUE ESTÁ EM DEBATE
- O governo do Estado pretende aumentar a alíquota básica do ICMS dos atuais 17% para 19,5%
- A justificativa é de que o Estado deixaria de arrecadar cerca de R$ 4 bilhões nos próximos anos durante a transição da reforma tributária
- Isso ocorreria caso os termos da reforma tributária que tramita no Congresso passem a valer
- Trata-se de um movimento que ocorre também em outras unidades da Federação
- Sem contabilizar o RS, 17 unidades da Federação já elevaram suas alíquotas de ICMS
- Isso acontece porque a reforma tributária cria um mecanismo de compensação de perdas fundamentado na fotografia da arrecadação consolidada entre 2024 e 2028
- Por essa razão, quanto maior a arrecadação de um Estado no ano seguinte, maior também seria a fatia a que teria direito durante a transição de modelos tributárias a partir de 2032
- É um dos mecanismos alvo de críticas na reforma tributária, justamente, por criar ambiente que proporciona uma “corrida pelo aumento de tributos” nos Estados
- No RS, não aumentar impostos foi um dos pilares de compromissos assumidos por Eduardo Leite durante a campanha que o reconduziu ao Palácio Piratini por mais quatro anos
O QUE SUGEREM AS ENTIDADES
- Ao invés de aumentar os tributos em todos os Estados, é preciso empregar a mesma energia para mudar o texto da reforma que cria tal distorção
- Com 297 deputados federais (77 na região Sul, 179 no Sudeste e 41 no Centro-Oeste), as regiões que se dizem reticentes em elevar tributos têm a maioria da Câmara e deveriam formar uma ampla movimentação para alterar o texto, e não aumentar impostos
- Isso porque, após alterações e aprovação da proposta no Senado na semana passada, o texto voltará a ser apreciado pela Câmara, onde pode sofrer novas modificações — seria esse o momento de agir
- Uma das possíveis soluções apontadas é mudar o critério de partilha durante o regime de transição
- Com isso, o atual mecanismo que contempla a divisão do bolo tributário de acordo com a média de participação de cada Estado na arrecadação seria substituído pela média retroativa dos últimos seis anos
- Como a pandemia alterou os níveis arrecadatórios e houve a desoneração do ICMS sobre os combustíveis em 2022, o período considerado poderia incluir o intervalo entre 2012 e 2019, por exemplo
- A ideia é que, independentemente do formato, seja possível barrar a corrida por elevação de tributos estaduais a partir de 2024