Um dispositivo previsto na reforma tributária discutida no Congresso gera debate sobre o aumento de tributação por parte de alguns Estados. Levantamento do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz) aponta que 17 unidades da federação elevaram o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para 2023 ou 2024. Para especialistas, a decisão visa recompor perdas após medidas do governo federal, mas pode desequilibrar a divisão do futuro imposto sobre valor agregado (IVA), batizado inicialmente de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). O Rio Grande do Sul está no grupo que não alterou o ICMS.
O dado do Comsefaz aponta que cinco dos 17 governos estaduais que elevaram o imposto aprovaram a medida para 2024. O restante editou projetos ao longo de 2022 para a vigência começar neste ano.
A maior parte dos Estados alega recomposição de arrecadação após perdas em anos recentes. No entanto, esse movimento pode impactar na distribuição do futuro IVA. Isso ocorre porque a reforma tributária estipula a divisão do IVA entre os Estados, o Distrito Federal e os municípios proporcionalmente à receita média de cada ente federativo entre 2024 e 2028. Portanto, unidades com maior arrecadação nesse período teriam uma média maior e vantagem na distribuição do bolo.
Parte dos especialistas em tributação avalia que a reforma cria uma distorção da ideia de simplificar e diminuir a carga tributária. Ederson Garin Porto, professor de Direito Tributário na UFRGS, afirma que esse dispositivo promove um jogo onde Estados acabam pegando carona no movimento de outras unidades da federação para evitar perdas:
— A reforma cria um mecanismo de compensação. Mas essa média cria um incentivo ruim, que obriga os Estados a aumentar tributos. Esse movimento deveria ser vinculado apenas à necessidade do Estado e não a esse jogo. É um incentivo fora da questão fiscal.
O economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, Felipe Salto, afirma que a reforma tributária discutida no Congresso produz algumas distorções:
— Este é o incentivo distorcido que a regra mal-ajambrada da PEC 45 produz. Como a fotografia da arrecadação dos últimos anos será usada como base para definir os cenários de preservação de arrecadação e distribuição das receitas, com uma longuíssima transição, até 2078, então os estados aumentaram as suas alíquotas.
Recomposição de arrecadação
Sobre a recomposição de perdas, Salto destaca a lei complementar que limitou a cobrança do imposto de combustíveis pelos estados no ano passado. O economista classifica essa medida como equivocada, porque provocou prejuízo aos governos estaduais e afetou a lógica de definição de alíquotas, uma prerrogativa de cada Executivo. A lei foi patrocinada pelo então presidente Jair Bolsonaro, de olho no peso dos combustíveis e da inflação na decisão dos eleitores.
— Os Estados, em geral, estão elevando suas alíquotas porque têm de cumprir metas fiscais e entregar resultado em linha com os preceitos da Lei de Responsabilidade Fiscal. E isso em um contexto em que suas finanças foram fortemente afetadas, no ano passado, por essa confusão nos combustíveis promovida pela Lei Complementar 194 — cita.
Projeto de lei complementar aprovado pelo Congresso e remetido a sanção presidencial prevê a transferência de R$ 27 bilhões da União aos Estados e ao DF, a título de compensação pelas perdas com o ICMS em 2022. Na opinião de Salto, essa medida não resolve o problema.
Melina Rocha, consultora internacional e especialista em IVA, também cita esse ponto. Na avaliação dela, a ligação entre esses aumentos e a reforma tributária, levantada neste momento, é indevida. A perda de arrecadação ocorrida após leis complementares do governo federal cortarem o poder de arrecadação em alguns itens, como combustíveis, energia elétrica e comunicação, no ano passado, explica esse movimento, segundo Melina. O período de parte dessas mudanças também justifica essa análise, segundo a consultora:
— O aumento das alíquotas se dá muito mais pela perda da arrecadação por decorrente dessas duas leis complementares e começou muito antes da própria apresentação e aprovação do texto da reforma tributária.
Melina também afirma que não há na PEC uma metodologia de cálculo para distribuição da arrecadação durante o período de transição. Isso vai ser feito de forma detalhada via lei complementar.
RS não elevou alíquota
Na Região Sul, apenas o Paraná elevou o ICMS. O Estado aumentou a alíquota de 18% para 19% no fim do ano passado. Na época, o governo local justificou o aumento para cobrir o rombo nos cofres públicos provocado pela redução do imposto sobre a gasolina e energia elétrica.
Os governos gaúchos e catarinense mantêm, até o momento, o imposto em 17%. No Rio Grande do Sul, o assunto é discutido internamente tanto pelo lado da divisão do futuro IVA, quanto pela recomposição de perdas recentes. No entanto, o Piratini não detalha como está esse processo. Procurado pela reportagem de GZH, o governo limita-se a informar que acompanha o tema:
"Estamos acompanhando esses movimentos no escopo mais abrangente da reforma tributária, de forma individual e também com estados, juntamente com as outras pautas, do fundo de desenvolvimento, conselho federativo e fundo constitucional", afirmou o secretário-chefe da Casa Civil, Artur Lemos, em nota.
Especialistas avaliam que a não alteração das alíquotas pode penalizar alguns Estados diante do movimento das outras unidades da federação.
O economista Darcy Francisco Carvalho dos Santos, auditor aposentado da Secretaria da Fazenda e do Tribunal de Contas, e especialista nas finanças públicas, avalia que os especialistas debruçados sobre a reforma tributária devem estar atentos em relação a esse movimento de aumento do ICMS visando a futura divisão do IVA. No caso do governo gaúcho, Santos afirma que é necessário ter atenção nesse ponto para evitar prejuízos:
— A estratégia do Estado tem de se alertar para isso. Mesmo que for fazer essa negociação, ficar em cima disso.