Apesar de o governo prometer placar favorável expressivo na votação do arcabouço fiscal na Câmara dos Deputados, prevista para esta semana, até esta segunda-feira (22), apenas 147 deputados declararam abertamente que votariam a favor da proposta. Por ser um projeto de lei complementar, a nova regra de controle das contas públicas — que deve substituir o teto de gastos, que vigorou nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro — requer maioria absoluta, ou seja, 257 votos.
No placar do arcabouço fiscal, dos 455 deputados abordados pela reportagem do Estadão (58 não foram encontrados na segunda-feira), 108 se mostraram totalmente favoráveis à proposta; 39 se declararam favoráveis, mas com ressalvas; e 48, contrários. A maioria (260 deputados), porém, não quis responder — um sinal de que as negociações continuam.
Na quarta-feira passada (17), o projeto teve o regime de urgência aprovado com ampla folga: 367 votos favoráveis e 102 contrários. Isso garante que o projeto "fure a fila" de votação e vá diretamente ao plenário, sem passar por comissões.
O jornal O Estado de S. Paulo começou a consultar a posição dos parlamentares quando o texto do Ministério da Fazenda foi entregue ao Congresso, em 18 de abril. Inicialmente, a maioria dos deputados dizia que esperaria o relatório do deputado Cláudio Cajado (PP-BA) para analisar as eventuais mudanças na proposta.
No entanto, uma semana após a apresentação do texto, a maioria expressiva dos parlamentares ainda não declarava abertamente o apoio ao projeto, do qual depende a agenda econômica do governo Lula.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem se mostrado confiante.
— Mais de 300 votos eu garanto — afirmou na última quarta-feira.
Segundo ele, o objetivo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é conseguir quórum de emenda constitucional (308 votos) para votação da nova regra fiscal, para que o tema não precise ser discutido novamente em um futuro próximo.
O que diz a proposta de nova regra fiscal
A proposta possui gatilhos e sanções para caso de não cumprimento de metas fiscais. O texto prevê:
- A elevação das despesas (gastos) do governo fica condicionada ao equivalente a 70% de crescimento das receitas (arrecadação) consolidadas no ano anterior;
- Na prática, permite que o governo possa elevar gastos setoriais se tiver capacidade de elevar a arrecadação e potencializar os recursos para os serviços públicos e programas sociais;
- A regra permite, mas estipula um teto em 2,5% do crescimento do PIB, que o governo reforce o orçamento de setores específicos em momentos macroeconômicos considerados favoráveis;
- Tem como meta zerar o déficit fiscal já em 2024, diminuir os encargos com a dívida pública e gerar superávit primário (resultado positivo de todas as receitas e despesas do governo, excetuando gastos com pagamento de juros) de 0,5% PIB em 2025 e de 1% do PIB em 2026;
- Prevê que nos momentos de baixa atividade econômica haja um crescimento orgânico das despesas, assim como, caso ocorra o descumprimento das metas (entre 0,6% e 0,25% do PIB), as despesas possam ser elevadas em 50% da margem das receitas no primeiro ano e 30% no segundo;
- Prevê um pequeno crescimento da dívida pública bruta até 2025 e a estabilização, em 2026, em 76,54% do PIB. Essas projeções, no entanto, ocorrem no cenário em que o resultado primário fique no centro dos limites previstos para as bandas, pois caso o governo economize menos do que o esperado, a dívida aumentará de 74,11% do PIB em 2023 para até 77,34% em 2026;
- O foco do mecanismo fiscal está no nível das receitas para controlar o aumento de gastos.
Entenda o passo a passo
1 – Apresentação
Um projeto de lei complementar (PLC) pode ser apresentado por qualquer deputado ou senador, comissão da Câmara ou do Senado, pelo presidente da República, pelo procurador-geral da República, pelo Supremo Tribunal Federa (STF), por tribunais superiores e cidadãos. Esse tipo de projeto estipula regras para cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios, em temas especificados pela Constituição Federal.
2 – Entrada
Via de regra, a tramitação começa pela Câmara. A exceção é para os PLCs apresentados por senadores. O Senado funciona como a Casa revisora para os projetos iniciados na Câmara e vice-versa. Se o projeto da Câmara for alterado no Senado, volta para a Câmara. Da mesma forma, se for alterado pelos deputados, volta ao Senado. Ou seja, a Casa onde o projeto se iniciou tem a palavra final sobre seu conteúdo, podendo aceitar ou não as alterações feitas na outra Casa.
3 – Comissões
Após protocolados, os projetos são distribuídos nas comissões temáticas. Além das que avaliam o mérito, existem duas que podem analisar outros aspectos, a de Finanças e de tributação (análise de adequação financeira e orçamentária) e de Constituição e Justiça (análise de constitucionalidade). Só então o PLC estará habilitado a ser votado em Plenário.
4 – Comissão especial
Os projetos que tratarem de assuntos relativos a mais de três comissões de mérito são enviadas para uma comissão especial criada especificamente para analisá-los. Essa comissão substitui todas as outras e dará o parecer final para que a proposta vá à Plenário.
5 – Urgência
O projeto de lei complementar pode tramitar em regime de urgência se o Plenário aprovar requerimento com esse fim. Geralmente, a urgência depende de acordo de líderes, o que permite que seja votado rapidamente no Plenário, sem necessidade de passar pelas comissões. Os relatores da proposta nas comissões dão parecer oral durante a sessão, permitindo a votação imediata.
6 – Presidência
O presidente da República também pode solicitar urgência para votação de projeto de sua iniciativa. Nesse caso, a proposta tem de ser votada em 45 dias ou passará a bloquear a pauta da Câmara ou do Senado (onde estiver no momento).
7 – Aprovação
Os projetos de lei complementar exigem quórum diferenciado para a sua aprovação, que é, no mínimo, a maioria absoluta de votos favoráveis, ou seja, 257 votos dos 513 deputados federais. No Senado são necessários 41 dos 81 senadores com cadeira na Casa.
8 – Sanção e veto
Quando aprovados no Congresso, os PLCs são enviados ao presidente da República, que terá prazo fixado em 15 dias úteis para a sanção ou veto. Os vetos, que podem ser totais ou parciais, têm de retornar ao Congresso para serem votados. Para rejeitar um veto, também é preciso o voto da maioria absoluta dos deputados (257) e dos senadores (41).