Desde 28 de dezembro, a partir da publicação de uma resolução normativa do Tribunal de Contas da União (TCU), 47 prefeituras gaúchas, com redução de habitantes segundo dados parciais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), correm contra o tempo para tentar evitar, na justiça, perdas de repasses do Fundo de Participação do Municípios (FPM). Os prejuízos decorrem da utilização dos resultados prévios do Censo Demográfico de 2022 como balizador da população atual, indicador que serve de parâmetro para definir quanto cada cidade receberá a partir de agora.
No momento, apenas duas – Fontoura Xavier e Panambi – obtiveram decisão liminar que garante a manutenção do nível de transferências vigente há quatro anos. Outras 21 aguardam o resultado e 12 tiveram os pedidos indeferidos. No país, 704 cidades enfrentam a mesma situação.
No centro do imbróglio, explica o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, está a lei complementar 165 de 2019, que garante, até que seja concluído o novo Censo, o congelamento dos coeficientes populacionais utilizados no rateio do FPM. A entidade considera que o levantamento demográfico está inconcluso e, portanto, os dados parciais não deveriam ser validados para o cálculo.
Prefeito de Restinga Sêca e presidente da Federação das Associações de Municípios do Estado (Famurs), Paulinho Salerno acrescenta dois argumentos. O primeiro avalia que a resolução do tribunal foi publicada durante o recesso do Poder Judiciário, o que dificulta os trâmites judicias. O segundo é que o próprio TCU estipula prazo de 30 dias para recurso administrativo, que só se encerrará em 28 de janeiro.
Mesmo assim, comenta Salerno, desde a terça-feira (10) as transferências do FPM começaram a brotar nos cofres municipais, já com base no rateio proposto pelas contagens parciais do IBGE. Novo repasse, ainda sem definições devido o impasse, deverá ocorrer no dia 20.
Em Fontoura Xavier, uma das cidades que garantiu na justiça a manutenção de sua parcela, conforme os parâmetros da lei complementar 165, ingressaram R$ 550 mil no último dia 10. O FPM, explica o prefeito Luiz Armando Taffarel, representa quase 40% da arrecadação total da cidade, que, no ano passado, fechou em R$ 18 milhões.
— Se não conseguíssemos reverter a situação, em seis meses teríamos que fechar as portas da prefeitura, porque seria inviável administrá-la — resume
Como funciona a regra
Para cada 0,2 ponto de redução no FPM deixam de entrar no caixa dos municípios cerca de R$ 3,92 milhões. Em Uruguaiana, na Fronteira Oeste, cuja população teria sido reduzida de 126.766 habitantes para 115.100, a queda de 0,4 pontos corresponde à R$ 7,84 milhões a menos por ano. Trata-se da maior diminuição verificada no RS. Nas demais, as perdas são restritas aos mesmos R$ 3,92 milhões, porém com impacto maior para algumas.
— Há cidades mais dependentes, pois não possuem receitas próprias de ISS ou industrialização e beneficiamento que eleve a participação no ICMS, o que torna o problema bastante delicado – comenta Salerno.
Não é o caso de Guaíba, que possui outras fontes de receita, mas a redução populacional prévia divulgada pelo IBGE – de 98.331 para 91.304 pessoas –, segundo o prefeito Marcelo Maranata, significou R$ 515 mil a menos do que a média. Isso apenas no repasse, efetuado na terça passada.
Por outro lado, 14 cidades comemoram a ascensão. Entre elas, está Getúlio Vargas, no Norte, que, na primeira transferência de janeiro recebeu R$ 1,031 milhão – cerca de R$ 200 mil acima do que o costumeiro. O prefeito Mauricio Soligo relata que o avanço de faixas, proporcionado pelo aumento de 16.155 para 18.111 moradores significará incremento de 5% na receita total já orçada para o ano.
Ele lembra que desde 2015 a cidade busca comprovar a elevação. Em 2018, chegou a realizar levantamento com agentes comunitários, que não foi aceito pelo IBGE, antes do congelamento dos coeficientes.
— Em 2020, com as primeiras notícias do Censo começamos a alertar a comunidade sobre a importância de responder. Em 2022, a cidade ofereceu sala para o IBGE e fez fortes campanhas de divulgação em rádio, jornais e páginas da prefeitura para incentivar. Felizmente, deu certo e contamos com esse reforço a partir de agora — afirma ao projetar que a cidade deixou de arrecadar R$ 10 milhões durante os anos sem atualização da população.
Projeto prevê diluir perdas em 10 anos
O presidente da CNM, Paulo Ziulkoski afirma que o tema é complexo, mas acredita em duas possibilidades de resolução. Uma seria o próprio TCU reconhecer o tamanho do impasse e não adotar os dados parciais do Censo para os coeficientes, seguindo o que sugere a lei complementar 165.
Outra passaria pela aprovação, no Congresso, de um projeto, em tramitação, que busca diluir em 10 anos a diminuição das transferências para os municípios com perdas populacionais. Ele lembra que se trata de “um tumulto” de natureza redistributiva.
No ano passado, informa, o fundo transferiu R$ 180 bilhões em todo o país, oriundos dos repasses federais feitos com base na arrecadação federal de IPI e Imposto de Renda, de dez em dez dias. O Rio Grande do Sul ficou com fatia de 6,7%, o que equivale a cerca de R$ 12 bilhões no período.
Ao utilizar os dados parciais o Estado perderia R$ 4 milhões, mas a questão não são “perdas” e sim a garantia de que os municípios mais prejudicados (porque os recursos acabam por trocar de mãos dentro do novo rateio), não sofram o impacto de imediato.
Segundo Ziulkoski, medida semelhante foi adotada em 1998. Naquela época as disparidades dos repasses no FPM ocorriam em razão de uma onda de emancipação de novas cidades, registradas no RS e também no país.