Em um cenário marcado por inflação persistente e juro elevado ancorando a retomada econômica após o período mais crítico da pandemia, a busca por renda emergencial ganha força no Rio Grande do Sul. A fila de espera para assegurar os valores repassados pelo Auxílio Brasil quadruplicou no Estado.
Em abril, a demanda reprimida no âmbito do substituto do Bolsa Família fechou em 96,8 mil famílias — 345% ante janeiro deste ano. Esse montante é formado por pessoas já cadastradas, que atendem aos critérios estabelecidos para o programa, mas que ainda aguardam o recurso. Os dados estão presentes em levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM). O auxílio prevê repasse de no mínimo R$ 400.
O presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, afirma que o maior problema dessa fila é a falta de assistência para uma parcela da população que tenta obter o mínimo para sobreviver. Além desse ponto, o dirigente destaca que essa demanda cria problemas para as prefeituras, que são responsáveis por auxiliar os moradores no cadastro para pleitear o recurso:
— Esse cidadão, essa pessoa que está extremamente angustiada, bate de volta na prefeitura. Há inclusive atritos, porque a pessoa, na ponta, não entende que é o governo federal que não está pagando. Ela quer a resposta da pessoa que está na frente dela.
Olhando o recorte mês a mês do levantamento, é possível observar que a demanda reprimida começou 2022 em patamar menor, mas foi aumentando. O maior salto ocorreu em abril, com avanço de 85% sobre o total da fila em março.
O vice-presidente da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), Cristiano Roratto, afirma que é difícil mapear o contingente de famílias que estão nessa situação de espera em Porto Alegre. No entanto, ele cita que é perceptível o aumento tanto na procura por cadastro em programas, quanto na busca por respostas em relação à concessão ou não do benefício. Roratto destaca que esse movimento simboliza o agravamento do nível de empobrecimento da população nos últimos meses:
— A gente observa sistematicamente um volume cada vez maior de pessoas procurando o Cadastro Único como prerrogativa de garantir o Auxílio Brasil.
Levantamento da CNM, com base em dados do Ministério da Cidadania, também mostra que, em abril, eram 504.128 famílias sendo beneficiadas pelo programa no Rio Grande do Sul. Em junho, esse número subiu para 509.585 famílias, recebendo uma média de R$ 407,30 por mês.
Queda da renda
O professor André Salata, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS) e um dos coordenadores do Boletim Desigualdade nas Metrópoles, afirma que o aumento da fila do Auxílio Brasil está ligado à queda da renda. Salata destaca que dados recentes mostram que a renda média do trabalho dos mais pobres entrou em trajetória de queda no primeiro trimestre deste ano. Esse movimento acaba puxando mais famílias para o grupo que busca assistência, segundo o professor.
— O processo de recuperação da renda do trabalho dos mais pobres foi interrompido no primeiro trimestre. A consequência disso é o que a gente vê, aumento de pobreza — explica Salata.
O processo de recuperação da renda do trabalho dos mais pobres foi interrompido no primeiro trimestre. A consequência disso é o que a gente vê, aumento de pobreza
ANDRÉ SALATA
Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Escola de Humanidades da PUCRS
O professor da PUCRS destaca que, além de dificultar o orçamento das famílias, esse represamento da liberação de recursos também afeta a retomada da economia no país, que segue patinando:
— Quando você tem pessoas perdendo renda e um programa que não consegue alcançar essas pessoas, tem um prejuízo para essas famílias, mas também para a economia como um todo. Porque isso dificulta a retomada da atividade econômica.
O movimento observado no Estado ocorre na esteira do cenário na média nacional. No país, 2,7 milhões de famílias aguardavam a liberação do repasse via Auxilio Brasil em abril. Em janeiro, esse total estava em 434 mil famílias, conforme os dados centralizados pela CNM.
A reportagem de GZH tentou contato com o Ministério da Cidadania em busca de fonte para comentar os dados, mas não obteve retorno até o final da tarde de sexta-feira (24).
Impactos na segurança alimentar
O Ministério da Cidadania, por meio de publicação no portal do governo, avalia que o Auxílio Brasil reduziu a pobreza no país. A pasta cita estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) nesse sentido. Segundo a publicação, ao incluir 3,5 milhões de famílias no programa em janeiro e fevereiro de 2022, o governo federal conseguiu absorver o contingente de 1 milhão de famílias atingidas pela pandemia de coronavírus.
Por outro lado, o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19, lançado no início de junho, mostra que a fome no Brasil voltou a patamares registrados pela última vez nos anos 1990. Atualmente, 33,1 milhões de pessoas, o equivalente a cerca de 15% da população, não têm o que comer no país — 14 milhões a mais do que no ano passado.
O professor André Salata, da PUCRS, afirma que a fila de espera para acesso ao Auxílio Brasil pode impulsionar quadros de insegurança alimentar nos grupos familiares. A linha de corte para ter acesso ao programa ajuda a entender esse movimento, segundo Salata. Atualmente, o benefício é voltado para famílias em situação de extrema pobreza (renda familiar mensal per capita de até R$ 105) e em situação de pobreza (renda familiar mensal per capita entre R$ 105,01 e R$ 210):
— A pobreza e a extrema pobreza, principalmente, estão muito correlacionadas com a insegurança alimentar. Então, não tenho dúvidas que o aumento da fila do Auxílio Brasil significa risco de você ter mais famílias em situação de insegurança alimentar.
Salata destaca dois caminhos que poderiam ajudar a amenizar o problema. Um deles é investir em políticas de criação de emprego e de incentivo à atividade econômica em meio ao controle da inflação. O segundo ocorre no âmbito de reformulação do Auxílio Brasil, com foco maior na ampliação de beneficiários, e não no valor do repasse.
Quem pode receber o Auxílio Brasil
- Famílias em situação de extrema pobreza (renda familiar mensal per capita de até R$ 105)
- Famílias em situação de pobreza (renda familiar mensal per capita entre R$ 105,01 e R$ 210)
- Famílias em regra de emancipação
Como receber
- É necessário realizar inscrição no Cadastro Único, que centraliza os programas sociais, para ingressar no programa. Quem não tem cadastro, deve procurar o Centro de Referência da Assistência Social (Cras) mais próximo
- Pessoas que estavam no Bolsa Família e com os dados atualizados migraram automaticamente para o programa