O julgamento de ações que questionam a constitucionalidade do trabalho intermitente deve ser retomado no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (17), conforme a pauta da Corte. A sessão foi suspensa em dezembro do ano passado após pedido de vista da ministra Rosa Weber. Até o momento, o placar está dois a um pela constitucionalidade desse regime de trabalho, instituído pela reforma trabalhista de 2017 e que permite flexibilização de jornada, com pagamentos proporcionais ao tempo de trabalho.
A legalidade desse tipo de contrato foi questionada por diversos órgãos, entre eles, a Federação Nacional dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e Derivados de Petróleo e a Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações. Na avaliação dessas entidades, o trabalho intermitente precariza a relação de emprego e impulsiona o pagamento de remunerações abaixo do salário mínimo. Os ministros analisam uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que conta com outras duas ações apensadas.
Na prática, o STF pode encaminhar três eventuais cenários na votação. Reconhecer as ações, considerando o modelo de trabalho intermitente inconstitucional, não acolher os pedidos das ADIs, declarando esse regime constitucional, ou confirmar a constitucionalidade em parte, modificando alguns pontos desse tipo de trabalho.
O juiz do Trabalho Rodrigo Trindade de Souza, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, avalia que, nesse terceiro cenário, é possível que o STF siga movimento adotado em decisões anteriores, mantendo o texto como está, mas antecipando o reconhecimento de inconstitucionalidades de possíveis interpretações. Esse eventual encaminhamento poderia tocar em pontos polêmicos, como a garantia de um salário mínimo nesse tipo de contrato mesmo em casos de meses sem trabalho.
— Um dos exemplos é a interpretação de que pode haver contratação intermitente, sem número mínimo de acionamentos, mas que o empregador sempre deverá garantir o pagamento de, no mínimo, um salário mínimo ao final do mês, porque a Constituição assim garante, genericamente, a todo empregado — explica o magistrado.
Efeitos
Em caso de decisão pela inconstitucionalidade, Souza afirma que o efeito sobre os contratos em vigor depende da decisão final do STF. Os ministros podem estabelecer um marco para validade de eventual nova regra. Caso a modalidade seja extinta, os contratos teriam de migrar para os modelos válidos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O empregador também poderia optar pela demissão. Mas esses cenários dependem do encaminhamento na Corte.
O juiz do Trabalho destaca que é importante existir um entendimento sobre o caso para evitar insegurança jurídica nos processos. O magistrado destaca que atualmente existem interpretações divergentes na Justiça do Trabalho.
— É sempre importante que os julgadores, as partes, os advogados tenham a possibilidade de reconhecer a constitucionalidade, que eles tenham uma segurança de que uma lei é constitucional ou inconstitucional. É muito inseguro ficar aplicando leis que não se tem certeza sobre a constitucionalidade — pontua.
No trabalho intermitente, o empregado atua com prestação não contínua de serviços, com a possibilidade de alternar períodos de trabalho e de inatividade mediante acordo. O salário é calculado de acordo com a duração da jornada. O contrato também prevê carteira assinada e direitos trabalhistas com repasse proporcional, como depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e recolhimento das contribuições previdenciárias.
Insegurança para trabalhadores e empregadores
O advogado Willian Machado, sócio do escritório especializado em advocacia empresarial Fernandes Machado Business Law, afirma que o eventual fim do trabalho intermitente pode causar aumento da informalidade no emprego no país.
— O efeito é negativo porque vai ter menos dinheiro circulando. É o funcionário que não vai mais receber férias, 13° e FGTS. É o governo que vai arrecadar menos, também. Voltando para a informalidade, naturalmente a empresa vai se colocar em uma situação de risco, mas não vai remunerar da mesma forma que ela remunera hoje — afirma Machado.
O número de vagas criadas via trabalho intermitente segue crescendo no Estado neste ano, mas com participação pequena no total de postos com carteira assinada. Essa categoria ocupa fatia de 1,88% dentro dos 132,6 mil empregos criados no acumulado deste ano até setembro. Machado destaca que essa participação pequena também ocorre diante da insegurança dos empregadores em relação a essa modalidade, a eventuais ações na Justiça ou até sobre a extinção desse contrato.
A advogada trabalhista e professora universitária Carolina Mayer Spina afirma que esse modelo de trabalho é precário e cria um ambiente inseguro para o empregado, que não tem previsibilidade sobre o montante de horas que vai trabalhar e o valor do salário no mês.
— A gente deveria ter uma regulamentação específica, prevendo situações pontuais em que se admite a contratação desses trabalhadores e uma ampliação na proteção dos direitos. Porque, de fato, a reforma trabalhista veio com a pecha de ampliar postos de trabalho e contratações. O que a gente viu nesses quatro anos é situação de desemprego e pessoas tendo de empreender para tentar buscar uma renda digna — afirma a advogada trabalhista.
Tanto o advogado Willian Machado quanto a advogada Carolina Mayer Spina afirmam que é necessário um melhor regramento em relação a esse tipo de contratação. Isso gera um ambiente melhor e mais seguro para empregadores e trabalhadores, segundo os especialistas.
Votação até o momento
Ministro Edson Fachin
O ministro considerou o modelo de trabalho intermitente inconstitucional, avaliando que essa forma de contratação deixa o trabalhador em posição de fragilidade e vulnerabilidade social diante da imprevisibilidade.
Ministro Kassio Nunes Marques
Em seu voto, o ministro considerou que o contrato de trabalho intermitente não representa supressão de direitos trabalhistas, fragilização das relações de emprego nem ofensa ao princípio do retrocesso. Ele avalia que a modalidade de contratação é constitucional, entre outros aspectos, porque assegura direitos trabalhistas.
Ministro Alexandre de Moraes
Moraes afirmou que não há qualquer vedação constitucional à ruptura com as formas tradicionais de contratação trabalhista, desde que sejam observados os direitos sociais constitucionais. O ministro afirmou que a norma preservou a proteção mínima necessária ao trabalhador, como maior possibilidade de fiscalização do poder público.