Em meio a uma retomada econômica cercada por incertezas, o trabalho intermitente segue em crescimento no Rio Grande do Sul. Esse regime de trabalho criou 2,5 mil vagas no Estado nos nove primeiros meses deste ano, crescimento de 184,43% ante o mesmo período de 2020, conforme dados do Ministério do Trabalho e Previdência.
A cautela em relação aos desdobramentos da pandemia na economia e a falta de insumos nas cadeias produtivas são alguns dos fatores que explicam esse movimento, segundo especialistas.
Nessa modalidade, mediante acordo, o empregado atua com prestação não contínua de serviços, com a possibilidade de alternar períodos de trabalho e de inatividade. O salário é calculado de acordo com a duração da jornada. O contrato também prevê carteira assinada e direitos trabalhistas com repasse proporcional, como depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e recolhimento das contribuições previdenciárias. Esse modelo surgiu com a reforma trabalhista de 2017.
Mesmo em expansão, o número de vagas criadas via trabalho intermitente segue com participação pequena no total de postos com carteira assinada no Estado. Essa categoria ocupa fatia de 1,88% dentro dos 132,6 mil empregos criados no acumulado deste ano.
A economista Maria Carolina Gullo, professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS), afirma que a escalada desse tipo de contrato ocorre diante de dois fenômenos observados durante a pandemia. Um deles ocorre no âmbito das atividades que dependem de maior circulação de pessoas e adotam cautela na hora de empregar com a incerteza sobre o avanço do coronavírus. O outro ponto está ligado à desorganização da oferta de insumos, que afeta o mundo todo, conforme a economista.
— O trabalho intermitente, nesse sentido, é uma solução porque, tendo material e condições para trabalhar, é contratado e ganha. Se não tem, o funcionário vai para casa e espera até ser chamado de novo — explica a economista.
Os dados do trabalho intermitente no Estado, no acumulado do ano, reforçam a avaliação da professora da UCS. Serviços, um dos segmentos mais afetados pelas restrições diante do avanço da pandemia, lidera com o maior saldo entre contratações e demissões nesse modelo (veja mais abaixo). Na sequência, aparece a indústria, que ainda sofre com a falta de insumos e o preço elevado de algumas matérias-primas, cenário citado pela professora.
— Isso ocorre principalmente em relação a esses componentes eletroeletrônicos, os semicondutores, para as cadeias automobilística e de máquinas, que precisam desses componentes. O próprio aço ainda está muito caro — observa Maria Carolina.
No âmbito dos serviços, a economista-chefe da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS), Patrícia Palermo, afirma que esse setor é o grande contratante no país. Portanto, é natural ter participação maior nessa modalidade. Características de alguns segmentos, como flexibilidade de horários, também explicam esse movimento, segundo a economista:
— Pode ter ali dentro dos serviços atividades que sejam mais compatíveis com esse tipo de contratação. Pode ter jornadas mais reduzidas e que sejam concentradas em certos dias.
Já o comércio é o único setor com saldo negativo, neste ano, no trabalho intermitente no Estado. Patrícia afirma que esse segmento contratou bastante, mas também demitiu com intensidade. O processo de busca por recuperação da mão de obra nesse ramo pode ajudar a explicar esse cenário, segundo a economista.
A economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e especialista em mercado de trabalho Lúcia Garcia avalia que o trabalhador não consegue ter estabilidade no salário nem nos benefícios de seguridade nesse modelo. Lúcia ressalta que, com isso, o empregado acaba recorrendo a mais de uma atividade para garantir o mínimo de renda:
— Estamos aprofundando tendências que já estavam colocadas antes do cenário pandêmico. São tendências que estão dando conta de uma instabilidade cada vez maior na economia como um todo. O empresariado de fato foca sua visão na redução do custo da força de trabalho. Com isso, precariza as relações de trabalho.
Futuro
A economista-chefe da Fecomércio-RS destaca que a participação do trabalho intermitente ainda é muito pequena dentro do total de vagas geradas no país e no Estado. A insegurança dos empregadores em relação ao modelo em possíveis ações na Justiça é um dos fatores que podem explicar esse cenário, segundo a economista.
— Acho que a gente só vai conseguir ter dimensões maiores na geração de emprego nesse tipo de contrato quando as pessoas se sentirem seguras para contratar nessa modalidade — afirma Patrícia Palermo.
Maria Carolina estima que a contratação no trabalho intermitente seguirá aquecida:
— A tendência, no meu entendimento, é de que isso veio para ficar, principalmente nessas atividades de chão de fábrica. Isso pode facilitar a gestão do empresário no sentido de “temos trabalho, tem emprego. Não tem trabalho, não temos como segurar” — estima a professora da UCS.
A economista do Dieese também projeta que essa tendência de crescimento do trabalho intermitente deve seguir, principalmente para as atividades repetitivas, transformando o trabalho em uma espécie de “commodity”. Além de aumentar, esse tipo de contratação está avançando sobre os setores, segundo a especialista em mercado de trabalho:
— Isso significa que não estamos só caminhando para um mercado de trabalho cada vez mais intermitente, mas também generalizando essa forma contratual.



