O Congresso começa a dar os primeiros passos na busca por uma solução da dívida do governo federal com precatórios. A Comissão Especial da Câmara dos Deputados que vai debater a PEC dos Precatórios realizou a primeira reunião nesta segunda-feira (27). Originalmente, a proposta do governo federal busca parcelar precatórios com valores elevados para tentar aliviar os gastos com esses processos no orçamento. Em paralelo, o Congresso e outros órgãos costuram uma alternativa, criando uma espécie de teto para o pagamento desse passivo. Mecanismos para mudar a regra desses pagamentos geram atrito entre o governo, entidades e as outras unidades da federação.
Nesta segunda-feira, o colegiado se debruçou sobre o plano de trabalho e de deliberação da comissão e de requerimentos. Para esta terça (28), nova reunião foi convocada para discutir a PEC.
O governo federal projeta que as dívidas com precatórios devem somar cerca de R$ 89 bilhões em 2022. A União afirma que a PEC garante o respeito à regra do teto de gastos. O espaço no orçamento gerado pelo parcelamento dos precatórios também visa garantir o dinheiro necessário para remodelar e aumentar o repasse do Bolsa Família.
Precatórios são dívidas do governo originadas de ações judiciais que já transitaram em julgado. Ou seja, decisões judiciais definitivas.
A PEC apresentada pela equipe econômica do governo federal, em meados de agosto, prevê o parcelamento de precatórios com valor acima de 60 mil salários mínimos (R$ 66 milhões, atualmente). A proposta também estipula que outros precatórios poderão ser parcelados se a soma total vier a superar 2,6% da receita corrente líquida da União. Para 2022, o governo assegura que nenhum precatório abaixo de R$ 455 mil será parcelado. Portanto, essa projeção abre margem para o parcelamento de dívidas acima desse valor. O Ministério da Economia informa que, nesse modelo, os processos com maior valor serão priorizados para parcelamento. O texto inicial do governo pode ser modificado no Congresso.
Outra proposta para tentar resolver o imbróglio dos precatórios envolve o Tribunal de Contas da União (TCU), o Supremo Tribunal Federal (STF), o Ministério da Economia e o Congresso. O acordo costurado pelas entidades prevê alteração no texto. No lugar do parcelamento, haveria um limite de R$ 40 bilhões para o pagamento de precatórios no ano que vem.
O economista Raul Velloso, ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento, avalia que nenhuma das duas principais alternativas analisadas no momento solucionaria o problema dos precatórios no Brasil. Destacando que o país ainda tem uma visão ortodoxa e conservadora, Velloso afirma que emitir mais dívida pública em um sentido amplo, como dívida mobiliária e mais papel-moeda, seria a melhor solução para honrar o que é devido com precatórios. A medida também ajudaria a financiar programas assistenciais em uma situação de crise, como a da pandemia de coronavírus.
— No meio de uma pandemia, é um absurdo o governo alegar que vai combater a inflação segurando a emissão de moeda, que poderia financiar itens como os precatórios e o auxílio emergencial.
Segundo Velloso, o argumento no sentido de que a maior emissão de moeda aumentaria a inflação não para de pé. Isso porque a inflação atualmente não ocorre simplesmente pelo aumento de demanda em uma economia superaquecida. A inflação avança diante de outros fatores, como câmbio, desajuste em preços de commodities e instabilidade política. Ao emitir mais moeda, caberia ao governo dosar essa ferramenta de acordo com o aquecimento da economia para evitar problemas, segundo o economista.
Como prevenção para evitar nova bola de neve de precatórios, Velloso cita a necessidade de uma boa gestão pública. Isso evitaria crescimento nos processos por erro do poder público.
Proposta inicial do governo tem potencial de afetar 703 processos no RS
A proposta de emenda constitucional (PEC) do governo pode afetar cerca de 4% dos processos desse tipo no Rio Grande do Sul. Esse cálculo leva em conta o valor de corte na casa dos R$ 455 mil citado pelo Ministério da Economia (veja mais abaixo).
No Estado, 703 dos 17.698 precatórios federais aguardando pagamento para 2022 têm valor acima dos R$ 455 mil e estariam entre os potenciais afetados pela medida, segundo levantamento da Justiça Federal do Rio Grande do Sul (JFRS).
Juntos, esses 703 precatórios somam R$ 804 milhões. A maior parte dessas dívidas está atrelada ao fundo do regime especial da Previdência Social e a encargos financeiros da União em sentenças judiciais.
Esses precatórios federais no Estado poderiam ser afetados em um cenário em que a medida é aprovada com a mesma base do texto enviado pelo governo em agosto — o que vem perdendo força no Congresso após resistências.
As negociações
PEC inicial do governo
- Permite o parcelamento de precatórios com valor acima de 60 mil salários mínimos (R$ 66 milhões, atualmente).
- O pagamento seria efetuado com entrada de 15% e nove parcelas anuais. Atualmente, 47 precatórios federais no país se encaixam nessa faixa de valor.
- Outros precatórios poderão ser parcelados se a soma total vier a superar 2,6% da receita corrente líquida da União.
- Para 2022, o governo assegura que nenhum precatório abaixo de R$ 455 mil será parcelado. A projeção abre margem para o parcelamento de dívidas acima desse valor.
- Nesse modelo, os processos com maior valor serão priorizados para parcelamento. O texto inicial do governo pode ser modificado no Congresso.
- Todos os precatórios abaixo de R$ 66 mil estão fora da regra do parcelamento.
- A aprovação da PEC evitaria um gasto de R$ 33,5 bilhões em 2022, segundo o Ministério da Economia.
- Precatórios de qualquer natureza passarão a ser corrigidos pela taxa Selic. Atualmente, o índice de correção depende da natureza do pagamento e pode ser a Selic ou o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) +6%.
Acordo discutido no Congresso
- Em vez do parcelamento, haveria um limite de R$ 40 bilhões para o pagamento de precatórios em 2020.
- O restante dos cerca de R$ 89 bilhões seria transferido para o orçamento de 2023 ou pago por meio de negociações.
- Esses acordos não envolvem desembolso direto de recursos da União, como liquidação do crédito em outorgas, compra de ativos e transações entre devedor e credores.
- Líderes do Congresso teriam incluído no acordo a possibilidade de parte dos precatórios fora do teto ser paga em dinheiro e à vista, mas com deságio de 40%, segundo fontes envolvidas nas negociações.
- Ainda não há nada definitivo sobre as mudanças ventiladas no Congresso