A eventual aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) que abre espaço para o parcelamento de precatórios federais pode afetar cerca de 4% de processos desse tipo no Rio Grande do Sul. Esse número leva em conta a estimativa do governo federal de incluir precatórios com valores acima de R$ 455 mil entre os elegíveis para parcelamento no próximo ano. No Estado, 703 dos 17.698 precatórios federais aguardando pagamento para 2022 têm valor acima dos R$ 455 mil e estariam entre os potenciais afetados pela medida, segundo levantamento da Justiça Federal do Rio Grande do Sul (JFRS).
Precatórios são dívidas do governo a partir de ações judiciais que já transitaram em julgado. Ou seja, decisões judiciais definitivas.
Juntos, esses 703 precatórios somam R$ 804 milhões. A maior parte dessas dívidas está atrelada ao fundo do regime especial da previdência social e a encargos financeiros da União em sentenças judiciais (veja mais abaixo). A JFRS informa que o pagamento de precatórios na Justiça Federal do Estado segue em dia.
O plano apresentado pela equipe econômica do governo federal, na semana passada, prevê que precatórios com valor acima de 60 mil salários mínimos (R$ 66 milhões atualmente) poderão ser quitados com entrada de 15% e nove parcelas anuais. Hoje, 47 precatórios federais no país se encaixam nessa faixa de valor.
No entanto, a PEC também estipula que outros precatórios poderão ser parcelados se a soma total vier a superar 2,6% da receita corrente líquida da União. Para 2022, o governo assegura que nenhum precatório abaixo de R$ 455 mil será parcelado. A projeção abre margem para o parcelamento de dívidas acima desse valor. O Ministério da Economia informa que, nesse modelo, os processos com maior valor serão priorizados para parcelamento.
Ao justificar a necessidade de parcelamento dos precatórios, a União destaca que a medida busca garantir o pagamento dessas dívidas e a regra do teto de gastos, que estabelece um limite para os gastos federais. O Ministério da Economia estima que a aprovação da PEC aliviaria as contas do governo no próximo ano.
— Com a aprovação da PEC teríamos uma redução de despesa obrigatória de R$ 33,5 bilhões que seria o equivalente ao espaço do teto de gastos — afirmou o secretário do Orçamento Federal do Ministério da Economia, Ariosto Antunes Culau, durante a apresentação da PEC.
Como pano de fundo, o espaço no orçamento gerado pelo parcelamento dos precatórios também visa viabilizar os recursos necessários para remodelar o Bolsa Família. Também apresentado na semana passada, o substituto desse programa, chamado de Auxílio Brasil, precisa de mais verba para garantir parcela maior no benefício.
Em meio a dúvidas e críticas, a PEC não foi bem recebida por especialistas, setores da economia e Estados e municípios.
O presidente da Comissão Especial de Precatórios da OAB/RS, Telmo Schorr, avalia que a ação do governo causa espanto, perplexidade e preocupa, pois também poderia afetar severamente o orçamento de governos estaduais e municipais. Schorr destaca que, além de os Estados e municípios estarem no rol de credores do governo em relação aos precatórios, a PEC também cita e prevê a criação de um "encontro recíproco de contas". Esse dispositivo estipula que o governo poderá usar precatórios que deveriam ser pagos a Estados e municípios para amortizar dívidas passadas em contratos em que houve prestação de garantia da União a esses entes federados.
— A PEC quer parcelar os precatórios federais, mas está incutindo no meio uma espécie de “jabuti” ao misturar um outro tema com os precatórios, que é a questão dos repasses de dinheiro federal para os Estados. Esse é o principal impacto que teria no Rio Grande do Sul. Ver apurado em meio aos precatórios, outras espécies de dívidas não muito bem explicadas até agora, mas que remete a legislação posterior, relegando a essa interpretação um verdadeiro enigma — afirmou Schorr
O professor de administração pública da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Aragon Dasso avalia que a PEC é inconstitucional, pois está usando o teto de gastos, que é uma lei complementar, para sobrepor uma norma constitucional. Na avaliação de Dasso, a manobra do governo configura uma espécie de calote, que vai impactar diversos setores da sociedade.
— Não é um calote específico em relação aos Estados ou municípios. São todos. Precatórios da União com relação a pessoas físicas e jurídicas também — pontua Dasso.
Impacto interno e externo
Em apresentação da proposta na Comissão Mista de Orçamento do Congresso, na quarta-feira (18), o secretário especial do Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia afirmou que a inflação e o crescimento de precatórios podem comprometerem os investimentos no país para 2022.
— O precatório vai comer quase todos os investimentos. Esse aumento de R$ 34,4 bilhões equivale ao orçamento de 16 ministérios. É um valor muito grande e precisa ser discutido — disse Funchal no encontro com os parlamentares.
No entanto, os especialistas ouvidos por GZH avaliam que o parcelamento de precatórios pode arranhar a imagem do país tanto no âmbito interno quanto externo. O presidente da Comissão Especial de Precatórios da OAB/RS afirma que o governo passa uma imagem de mau pagador ao estender o prazo de pagamento de dívidas que deveriam ser honradas após longo período de processo judicial.
— Não é só o impacto nos Estados, nas prefeituras. O impacto é internacional, quando o governo sinaliza que não vai mais honrar as dívidas no prazo. É comprometedor — salienta Telmo Schorr.
O professor Aragon Dasso reforça que a eventual aprovação da PEC pode causar uma quebra de confiança do país com investidores, pois cria um ambiente de insegurança.
— Quem vai querer investir em um país que muda a regra do jogo durante o jogo? É evidente que há uma quebra de confiança em relação ao mercado e também haverá impacto na ordem internacional — afirma Dasso.
Principais devedores com precatórios acima dos R$ 455 mil no RS
- Fundo do regime especial da Previdência Social - 399
- Encargos financeiros da união - sentenças judiciais - 197
- Universidade Federal do Rio Grande do Sul - 30
- Fundação Universidade do Rio grande - RS - 16
- Instituto Nacional do Seguro Social - 14
- Banco Central do Brasil - 14
- Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - 9
- Universidade Federal De Santa Maria - 8
- Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) - 5
- Fundação Universidade Federal de Pelotas- 4
- Instituto Federal Sul-Rio-grandense - 4
- Fundação Nacional Do Índio - 1
- Agência Nacional de Aviação Civil - 1
- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - 1
Total: 703 precatórios
Valor original total: R$ 804.018.139,47
Fonte: JFRS